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Fernanda Santana
Publicado em 8 de junho de 2018 às 03:00
- Atualizado há 2 anos
Foto: Almiro Lopes/Arquivo CORREIO Franciele voltava para casa de Uber e o motorista insistia em desviar o caminho. “Um lugar onde possamos conversar melhor”, sugeriu. Já Luiza saía da Pituba para o Garcia e o condutor perguntou: “Posso buscar minha filha antes?” No terceiro caso, João Vitor decidiu vestir uma saia e, ao entrar no veículo, o motorista olhou-o, pelo retrovisor, cheio de preconceito.
Os três denunciaram os episódios quando chegaram aos destinos. Nos últimos três meses, as respostas às queixas são comprovadas em números: 482 motoristas de aplicativos de transporte foram excluídos pelas plataformas - mais de cinco bloqueios por dia.
O cálculo é realizado pelo Sindicato dos Motoristas por Aplicativos e Condutores de Cooperativas do Estado da Bahia (Simactter), somente com base nos motoristas bloqueados que procuraram a entidade entre os meses de janeiro e abril, em Salvador. Ou, seja, o número pode ser maior.
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No ano passado, o Simactter somou, a pedido da reportagem, 902 demitidos - o equivalente a mais de duas exclusões diárias e menos da metade da média de bloqueios registrados no primeiro trimestre de 2018.
“Eu acho que é uma extensão do que as mulheres passam no dia a dia. Essa violência toda”, diz Franciele Luz, 18. A estudante de Jornalismo Luiza Lopes, 20, continua assustada pela vulnerabilidade que sente nos carros disponibilizados por aplicativos. A João Victor Tourinho, 22, coube apenas o estorno de R$ 5. Valor que deveria amenizar o transtorno, a incerteza do seu verdadeiro destino final.“Ele ainda jogou o troco nas minhas mãos sem ao menos olhar pra mim, como se eu não existisse”, relata João.'29 minutos de terror' Na última segunda-feira (4), a maquiadora e atendente de caixa Mayane Neres, 19, usou o Instagram para denunciar outro suposto caso de insegurança. O motorista, segundo ela, não aceitou a rota sugerida e teria dito, quando ela finalmente desceu do carro, no Itaigara: "Não foi dessa vez, mas a gente ainda vai se bater". Mayane denunciou o motorista do aplicativo 99Pop; ele acabou expulso (Foto: Reprodução) Bloqueado do aplicativo 99Pop, o motorista nega a acusação, e o sindicato já anunciou uma ação contra Mayane, no Juizado Especial Cível, no Fórum do Imbuí, por danos morais e financeiros. Ela afirmou que vai se defender, para tentar provar que passou por "29 minutos de terror" durante a viagem que fez a partir de sua casa, em Pernambués.
E a qualidade? As principais queixas dos usuários dos aplicativos de transporte em atuação em Salvador, Uber e 99Pop, ouvidos pelo CORREIO variam, principalmente, de assédio moral e sexual a constrangimentos como mudança da rota sem aviso prévio. O Uber e o 99Pop defendem suas políticas de qualidade e segurança.
Sobre a aceitação dos motoristas, as empresas respondem: o perfil dos motoristas é analisado com base na Carteira de Habilitação (é preciso ter licença para exercer atividade remunerada), nos antecedentes criminais e nas informações sobre o carro.
O 99Pop diz não divulgar, por questões estratégicas, o número de motoristas cadastrados na Bahia. Mas o Uber informa, no estado, a existência de 18 mil condutores autorizados – no Brasil, são 500 mil.
Agora, o debate também está ligado à questão da regulamentação dos aplicativos. Em fevereiro deste ano, a Câmara dos Deputados aprovou o projeto, que prevê regras como placa do veículo pintada de vermelho, tributação e requisitos a serem determinados pelo poder público.
Na capital baiana, o plano ainda não foi encaminhado à Câmara. O secretário de Mobilidade Urbana, Fábio Mota, disse ao CORREIO que não pode especificar as alterações previstas.“A Semob ainda vai sentar com o prefeito ACM Neto para discutir isso. Não tem prazo, mas é possível que ocorra na próxima semana”, afirmou o titular da Semob.Um grupo de taxistas fechou, na manhã desta quinta-feira (7), a saída de veículos no Ferry Boat, no terminal de São Joaquim, para reivindicar justamente a aprovação do projeto de lei na cidade. Depois, continuaram a manifestação na Praça Municipal, onde ficam a Prefeitura e a Câmara Municipal.
Na tarde anterior, os taxistas já haviam saído em protesto após o cancelamento de uma reunião entre representantes da categoria e o secretário Fábio Mota, em frente à sede da pasta, em Amaralina.
Sem resposta Ao ficar desempregado, o ex-técnico de edificações Manoel Rodrigues, 60, decidiu dirigir pelo Uber. A memória não recorda nenhuma briga ou discussão com clientes. “Até recebia elogios dos passageiros”, conta. Mas, da noite para o dia, abriu o aplicativo para iniciar mais um dia e trabalho e descobriu: havia sido bloqueado pela plataforma.
Em busca de justificativa, seguiu para o Rio Vermelho, onde a empresa tem uma sede regional, e recebeu a confirmação. Afirmativa, porém, que não foi seguida de uma explicação. Foi assim para, pelo menos, 80 ex-motoristas que, indignados, se organizam em grupo de WhatsApp chamado “Os injustiçados do Uber”.
Sem resposta, restou a alternativa: começar a trabalhar pelo 99Pop, lançado em Salvador em agosto de 2017.“Eles (Uber) nunca me deram nenhuma justificativa até agora”, declara ele, quase um ano depois.A chegada do aplicativo, a segunda opção de Manoel, é associada, inclusive, ao aumento do número de bloqueios de motoristas. Segundo o presidente do Simactter, Átila Santana, antes do 99Pop, eram 12 mil condutores por aplicativo; hoje, são 25 mil.
A história de Manoel parece com a de Marcelo Gomes, 39. Quando se preparava para o segundo turno de trabalho no Uber, à tarde, verificou a imagem de um cone deitado e outro em pé na tela de abertura. O símbolo é o sinal de que algo está errado e indica: “sua conta requer atenção”. Na sede regional do Uber, também foi avisado do bloqueio. Mas, com um adicional. “Até fui informado de que havia um excesso de cancelamento por parte do cliente. Mas o que eu tenho a ver com isso?”, questionou.O que leva à exclusão As plataformas declaram que o processo de exclusão ocorre a partir das políticas de segurança e de código de conduta adotados.
O Uber afirma que considera as avaliações dos motoristas, como notas baixa, e a atitude empregada pelos motoristas após a queda. O concorrente diz analisar os incidentes caso a caso “e solicita o Boletim de Ocorrência para acompanhar a denúncia enviada”. Os bloqueios ocorrem já nesse ínterim.
Coordenador de Associação de Motoristas particulares e de aplicativos da Bahia, Natanael Vieira falou ao CORREIO que a ausência de justificativas tem sido motivo para uma série de manifestações.
Enquanto isso, o presidente do Simactter, Átila Santana, pergunta: “Se eles não justificam, como o trabalhador fica? Já estamos começando a mover ações na Justiça para tentar resolver”. Nos tribunais, bem ou mal, o futuro do embate entre empresários, clientes e motoristas começará a ser desenhado.
*Com supervisão do chefe de reportagem Jorge Gauthier e do editor João Gabriel Galdea.