Ceia no plantão: profissionais de serviços essenciais equilibram Natal e deveres

Tem quem leve marmita, confraternize na empresa e até quem adie a comemoração para o dia seguinte

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  • Thais Borges

Publicado em 24 de dezembro de 2022 às 06:00

. Crédito: Foto: Ana Lucia Albuquerque/CORREIO

Quando faltar pouco para a meia-noite e as famílias estiverem reunidas à mesa para a ceia, neste sábado (24), nem todas estarão completas. Entre tantas ausências importantes, algumas estão aquelas de quem tem que equilibrar dois cenários: a própria relação com o Natal e a responsabilidade que só quem trabalha em um serviço essencial tem. 

"Eu tenho um compromisso e tenho que cumprir", diz o porteiro Ailton Bezerra, 43 anos, que já passou mais de uma véspera de Natal  e outras datas comemorativas longe da família - tanto por trabalhar em portaria há 12 anos quando pelo ofício anterior, que era de agente de limpeza na prefeitura. 

Como ele, há outros tantos profissionais que, na noite deste Natal, vão trabalhar para garantir que outras pessoas estejam com suas famílias, viajando ou simplesmente na segurança e tranquilidade de casa. Daí, para amenizar a distância temporária da família, cada um encontra a alternativa: tem quem leve uma marmita, quem participe da ceia na empresa com os colegas e até quem tenha adiado a comemoração para o dia seguinte. 

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'Dessa vez, sou eu, mas não faltarão Natais'

A área de operações do Salvador Bahia Airport nunca para. Por isso, desde o início da concessão do aeroporto de Salvador à Vinci Airports, o líder de operações Mário Ramos, 44, entende que tudo depende do acompanhamento dele e de seus colegas - da alocação de aeronaves à limpeza, da segurança à tecnologia da informação. Trabalhando em uma escala de turnos, ele vai passar o segundo Natal na labuta. 

“Já trabalhei em um Natal em que eu não estava com minha família aqui ainda. Embora eu seja daqui da Bahia, minha família estava em Brasília. Desde então, como a família de minha esposa não é daqui, a gente reveza. É um ano aqui, outro lá. Esse ano, não poderei estar com eles na ceia”, conta. 

As escalas também chegaram com bastante antecedência. Para minimizar o impacto nas duas equipes - a que começa o turno na noite de Natal e a que termina -, Mário e seu time entram às 22h deste dia 24.“O horário é até meia-noite, mas a gente tem um acordo para liberar a primeira equipe mais cedo no Natal. Se não fosse assim, seriam duas equipes sem a família”, explica. Na noite de Ano Novo, o esquema é o mesmo, mas ele vai estar na situação inversa: ele é que deixará o batente às 22h. Pai de dois filhos - um de 5 e outro de 9 - o Natal ganhou um significado especial desde a chegada das crianças. Além da tradicional reunião com a família e pessoas que nem sempre conseguem estar tão próximas fisicamente, veio todo o universo do papai Noel e de acordar com uma manhã de presentes.  O turno de Mário começa às 22h deste sábado, véspera de Natal (Foto: Ana Lucia Albuquerque/CORREIO) Como ele ainda vai conseguir alcançar o começo da noite em casa, Mário acredita que vai conseguir aproveitar um pouco da companhia dos filhos e até colocá-los para dormir antes de sair. “Pela idade que eles têm, geralmente não ficam acordados até tarde. Espero que não sintam a minha partida, porque tenho certeza que ficariam chateados, por ser um momento de família reunida. Mas o momento dos adultos, que é um pouco mais tarde, para cear e tomar um vinho vai fazer bastante falta”. 

No dia seguinte, ele trabalha até 8h20. A esperança é conseguir chegar a tempo de ver os filhos abrindo os presentes na manhã de Natal.“Essa é outra coisa que dói um pouco, mas é por um bom motivo. Afinal de contas, alguém teria que trabalhar. Dessa vez, sou eu, mas não faltarão Natais”. No trabalho, Mário não vai estar sozinho. Na equipe que lidera, praticamente todos vão estar vivendo a mesma situação. Ele diz que saber a importância de uma atividade essencial dá algum conforto, assim como saber que outros colegas vão conseguir compartilhar do momento em família. 

“Nós compartilhamos desse sentimento de vontade de estar junto e de estar quebrando uma tradição, mas a gente sabe da necessidade da nossa presença, que é essencial para que essa máquina continue funcionando. Se não fosse a gente, seriam outras pessoas. E por que não a gente também?”, pondera. 

Além disso, os colegas de plantão devem ter um momento especial de confraternização - a empresa Vinci Airports pretende oferecer uma ceia surpresa para quem estiver trabalhando neste sábado à noite. 

'Se sou escalado, preciso trabalhar. Tem que estar preparado'

Quando soube que trabalharia na véspera do Natal, o porteiro Ailton Bezerra da Silva sentiu logo pela esposa e pelo filho de 8 anos. Sempre que ele é escalado, eles acabam ficando em casa sozinhos. "Se eu estiver em casa, ainda podemos ir para a casa de minha mãe, de parentes. Fico triste por não estar do lado deles, mas agradeço a Deus por estar empregado", diz ele, que trabalha em um condomínio no Stiep há 12 anos. 

Não é de hoje que Ailton entende bem essa disputa: de um lado, a vontade de estar entre os seus; de outro, a necessidade de trabalhar atrelada a um forte senso de responsabilidade. 

Além da experiência como porteiro, ele já havia passado outros 10 anos como agente de limpeza, escalado com frequência para festas de Réveillon, São João e Carnaval. Mas o Natal tem um lado diferente. "Comemoro o Natal com meus filhos, com a família. Gosto muito porque é uma data sobre Jesus Cristo, então é sempre em família", explica.  Ailton trabalha como porteiro há 12 anos; neste sábado, estará de plantão (Fotos: Ana Lucia Albuquerque/CORREIO) Para esta véspera de Natal, como em outros anos, a esposa de Ailton deve preparar uma marmita cedo, para já levar assim que sair, às 18h30. O mais comum, porém, é que alguns moradores também desçam para cumprimentá-lo e dividam a ceia com Ailton. "O pessoal é muito gente boa, então às vezes o que eu levo de casa acabo nem comendo. 

No condomínio onde ele trabalha, as escalas saem com antecedência. Assim, ele se organizou há semanas para isso. Ao contrário de outros prédios com muitos funcionários, lá, ele estará sozinho. "Só eu e Deus", acrescenta. 

Mais de uma vez, ele cita o compromisso que tem com o próprio serviço e com o condomínio."Se eu sou escalado, tenho que trabalhar. Sempre estive preparado, porque a gente tem que estar preparado para tudo. Se meu colega passar mal na minha folga, eu posso ter que substituir". Na véspera do Ano Novo, dia 31, Ailton não deve trabalhar. Vai passar com a família em Salvador mesmo; não daria para visitar os outros parentes, que moram em Vitória da Conquista, pelo tempo de viagem. Neste domingo (25), também vai descansar e comemorar o que for possível. "O Natal, para mim, significa muita coisa. Eu particularmente gosto por causa das decorações, das comidas. Natal e São João são as que mais gosto, por ser mais família". 

'Natal é com a família: a de casa ou a do trabalho'

O Natal sempre foi um momento de família para a líder de praça Cristiane Firmo, 36. É ela quem prepara a ceia e, em seguida, confraternizam em casa mesmo. Mas, dessa vez, ela vai passar a data em um lugar diferente do que estarão os dois filhos (um de 19, outro de 3) e o marido. 

Na noite deste sábado, ela vai estar liderando uma equipe de dez pessoas no pedágio da rodovia BA-099, da Concessionária Litoral Norte (CLN). “Fico cuidando da praça, para botar para andar a operação”, diz ela, que está na função há um ano e vai trabalhar no Natal pela primeira vez.  Cristiane vai passar o primeiro Natal longe dos filhos e do marido, mas planeja uma ceia no dia seguinte. Ela coordena uma equipe de dez pessoas na CLN (Fotos: Acervo pessoal) Ela, que também trabalha por turnos, soube da escala há dois meses.“É uma coisa nova, uma experiência nova com a promoção que surgiu. A gente tem que saber dividir. Como saiu com antecedência, temos conversado aqui em casa. O (filho) pequeno ainda não entende tanto. O grande que falou ‘ah, vai trabalhar?’, conta, reproduzindo um tom de reclamação do filho mais velho. A alternativa que ela encontrou foi fazer uma ceia com eles no dia 25 na casa onde moram, em Vila de Abrantes, em Camaçari. Para Cristiane, tudo tem a ver com planejamento. “A gente planeja direitinho para ter esse jogo de cintura, conversar em casa e ter a responsabilidade de trabalhar”. 

Além da confraternização em casa no dia seguinte, porém, ela e os colegas também devem ter uma ceia promovida pela CLN para os colaboradores. “Tem esse momento em equipe que não é só uma equipe. É uma família também. Natal você vai estar sempre com uma família, a de casa ou a do trabalho”, conclui.  

'Pode ser que alguém precise, então, vou estar lá'

A cada duas semanas, o dentista Risley Moura, 28, trabalha em um sábado à noite na urgência de uma clínica odontológica que funciona 24 horas, em Feira de Santana. Entra sempre às 19h para sair às 7h da manhã do dia seguinte. O problema foi quando ele se deu conta que, pela escala, seu sábado de trabalho cairia justamente na véspera de Natal. 

“É a principal data da minha família, que sempre foi de comemorar. Também é a que mais gosto, mais do que o Ano Novo. Já tinha passado o Ano Novo trabalhando, mas o Natal nunca”, conta. 

Quando se deu conta da data, há pouco mais de um mês, ele até tentou trocar o plantão, mas nenhum colega se interessou pela mudança. A esposa, que é médica, reforçou o pedido que ele mudasse o plantão, mas não adiantou muito. Por pouco, ela também não ficou na mesma situação: até chegou a ser escalada, mas conseguiu fazer uma troca.  Risley vai estar de plantão na urgência da clínica das 19h do dia 24 às 7h do dia 25 (Foto: Acervo pessoal) “Mas ela entende isso. Quando a gente trabalha com plantão, sabe que já faz parte da nossa rotina, às vezes, não conseguir comparecer a alguma coisa, às vezes adiar uma viagem. A gente sempre tenta adequar, criar nossa rotina, mas o Natal não é uma data que se consegue contornar”. Risley também deve ficar sozinho a noite inteira - a última recepcionista finaliza seu turno às 20h do sábado. Além disso, pelos relatos de colegas que já cobriram o expediente em algum 24 de dezembro do passado, o movimento de pacientes é pequeno. 

“Todo mundo que já trabalhou conta que, no máximo, já atendeu um paciente. Como no Natal, o pessoal vai ficar com a família, muitos tomam alguma medicação até em casa mesmo e vão só no dia seguinte”. Mesmo assim, ele sabe que precisa estar presente. “Pode ser que alguém vá, pode ser que alguém precise. Então, a gente vai estar lá. Alguém sempre vai estar lá”. 

Para amenizar a situação, a esposa de Risley planeja visitá-lo na clínica depois do jantar na casa da família. “Ela disse que levaria um lanchinho, que ia lá me ver e ficar um pouco comigo. Mas vamos tentar fazer algo no dia 25, no almoço”, adianta.