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Casa que foi de Jorge Amado em Itapuã será leiloada neste sábado

Jorge chegou a morar lá, por alguns anos, ao lado de sua esposa, a escritora Zélia Gattai

  • Foto do(a) author(a) Thais Borges
  • Thais Borges

Publicado em 30 de maio de 2014 às 07:52

 - Atualizado há 2 anos

Já imaginou tomar café da manhã de frente para o mar de Itapuã, na mesma varanda onde descansava Jorge Amado? E colocar os pés para cima na sala onde o baiano sentava com sua máquina de escrever? Junte aí três quartos, uma piscina e uma área de mais de 1,4 mil m²... Se interessou? Pois, basta dar um lance mínimo de R$ 1,5 milhão.

Esse é o menor valor possível que alguém tem que desembolsar para arrematar a casa nº 1.000 da Rua Lagarto Azul, na Pedra do Sal -  imóvel que pertenceu à família Amado por pouco mais de dez anos, do final dos anos 70 até 1989. Amanhã, a partir das 10h, ela vai a leilão. Construída na década de 80 por Jorge Amado, a casa guarda hoje a mesma arquitetura(Foto: Mauro Akin Nassor)Apesar de nunca ter deixado de lado a residência no Rio Vermelho e de o imóvel de Itapuã funcionar, principalmente, como uma casa de veraneio, Jorge chegou a morar lá, por alguns anos, ao lado de sua esposa, a escritora Zélia Gattai, que morreu em 2008.

Em 1989, o casal vendeu o imóvel a um alemão, que foi o proprietário até o ano passado. Foi quando um empresário baiano se tornou o novo dono das chaves.

Tranquilidade  

Na época em que se mudou para Itapuã, Jorge só queria um lugar mais calmo para escrever. No Rio Vermelho, onde morava, isso estava mais difícil a cada dia. “Ele não conseguia ter tranquilidade. Por isso, comprou a casa em Itapuã para ter um lugar para escrever sem ser incomodado”, lembra a neta do baiano, Maria João Amado.Imóvel fica de frente para a praia; piscina foi construída depois de Jorge vender a casa(Foto: Mauro Akin Nassor)Daí, quando um grupo de amigos se interessou pela até então desconhecida praia da Pedra do Sal, em Itapuã, apareceu a oportunidade perfeita. “Mamãe gostava de praia, mas papai não. Só que vários amigos dele compraram e dois pediram para o papai comprar”, conta a filha do casal, Paloma Amado.

Não foi um pedido de qualquer um. Os amigos eram ninguém menos do que o artista plástico baiano Carlos Bastos, morto em 2004, e Pelé (ele mesmo, o Rei do Futebol). “Pelé comprou um terreno lá, mas nunca construiu, nem foi lá morar”, diz Paloma. Carlos, por outro lado, não podia ter ficado mais perto: morou na casa vizinha até sua morte. Depois, o imóvel foi vendido e completamente restaurado.

A casa foi construída do zero, já que eles compraram só o terreno. Pouco depois, já tinha virado ponto de encontro: também andavam por lá o ilustrador Calazans Neto, o músico Juca Chaves e o artista plástico Carybé. “Meu pai ia com frequência, porque ele e Jorge eram muito amigos. Eles se falavam quase que diariamente”, diz a filha de Carybé, Solange Bernabó.

Arquitetura  

Apesar de o condomínio ter mudado muito, a casa de Jorge continua praticamente a mesma, segundo a leiloeira responsável pela venda, Tânia Abreu. “O jardim foi reformado e a fiação foi trocada, mas continua a mesma arquitetura. Antes, a casa era toda de fibra. Os ale mães trocaram as paredes para alvenaria, mas o resto é igual”, explica Tânia, que também foi vizinha dos Amado.Jorge Amado e Zélia Gattai  na casa de Itapuã, que eles compraram para fugir da confusão do Rio Vermelho(Foto: Mauro Akin Nassor)“Como éramos amigos de Carlos (Bastos), conheci e frequentei a casa dos Amado. Mas minha maior lembrança é a imagem de Jorge e Zélia, de mãos dadas, caminhando de manhã, todos os dias pela Pedra do Sal”, relembra.

A piscina também pode ser colocada na conta dos alemães, que moraram lá até o ano passado, de acordo com Maria João. “Já tinha a área verde, onde fazíamos encontros de família. Eu ia mais aos finais de semana, quando minhas primas estavam aqui”.

Livros

Foi em meio a essas reuniões de família que Zélia estreou como escritora. De Itapuã, tirou inspiração para seu primeiro livro, Anarquistas, Graças a Deus. “Ela tinha uma mesa no quarto e escrevia, depois lia para a gente”.

Já Jorge preferia a escrivaninha da sala. “Ele sentava e passava o dia escrevendo. Lembro de ele ter escrito A Bola e o Goleiro lá”, conta Maria, referindo-se ao livro infantil lançado em 1984.

Já faz tempo que os Amado não têm contato com o imóvel, mas as lembranças são muitas. “Lembro da casa cheia, com os adultos jogando Dicionário na mesa da sala”, conta Maria João, referindo-se ao jogo onde os participantes devem dar o significado de palavras.Casa tem três quartos. Jorge Amado saiu do Rio Vermelho atrás da então tranquila Itapuã(Foto: Mauro Akin Nassor)O problema foi que a tranquilidade não durou muito - depois que agências de turismo descobriram a casa, o  refúgio de Jorge foi parar nos holofotes. “Botaram a casa nos roteiros e começou a parar ônibus de turismo lá. Ele  não conseguia mais a tranquilidade”, diz a neta.

Daí, foi o momento de vender a casa e os alemães entraram em cena. Até que, no ano passado, eles decidiram voltar à Europa, segundo Tânia Abreu, a leiloeira.

Que casa?

Hoje, já não dá para dizer que essa badalação ainda existe. Quando a reportagem do CORREIO tentava  encontrar a casa de Jorge Amado, ontem, teve todo tipo de indicação - menos a certa. “Essa casa é no Pelourinho, não?”, disse um morador de Itapuã. “Vocês não estão procurando a casa de Vinícius (de Moraes), não?”, perguntou outro. Não, era a de Jorge Amado mesmo. Mas, para o atual dono, o empresário Robert de Almeida, que comprou a casa na mão dos alemães - também em um leilão - isso não muda nada. “A casa transmite uma energia muito boa, uma paz fenomenal”, conta ele. A leiloeira Tânia Abreu afirma que já há interessados no imóvel(Foto: Mauro Akin Nassor)Ainda assim, ele quer vender a casa porque diz quase não usar. “Tenho uma construtora e vivo comprando e vendendo imóveis. Comprei (a casa de Jorge) com a intenção de fazer uma coisa temática, mas nunca consegui usar. Tenho quatro casas e não dá para ficar com um caseiro”, explica. 

A escolha pelo leilão, ao invés de uma venda comum, foi justamente pelo antigo dono ter sido quem foi. “A casa que é colocada para vender nem sempre atinge o público que valoriza a origem. Agora, valorizamos quem  se interessa por cultura. Sem contar que o leilão valoriza. A venda comum pode baixar o preço”, diz ele, que espera que o imóvel seja arrematado por mais do que o lance inicial.

E, segundo o empresário, alguns possíveis compradores já estão de olho. Entre os “três ou quatro” interessados, segundo o atual dono, há mais um artista: Carlinhos Brown. “Somos amigos e ele adora a casa, até porque ele pinta”.Além de se encontrar com grandes amigos, era na sala que Jorge gostava de escrever(Foto: Mauro Akin Nassor)Apesar de o preço assustar, o segundo vice-presidente do Conselho Regional de Corretores de Imóveis da Bahia (Creci-BA), José Alberto de Vasconcellos, diz que o valor tem que ser por aí mesmo.

“O leilão é feito com bens diferenciados. Um imóvel na beira da praia, em Itapuã, com um terreno desse tamanho, já é diferenciado. Mas ainda tem todo o emocional e o valor histórico”, comentou. Nesse caso, é melhor preparar o bolso. Dou-lhe uma...

Casa do Rio Vermelho vai reabrir com novo memorial em  agosto

Se você não tem R$ 1,5 milhão para arrematar a antiga casa de Jorge Amado, em Itapuã, ainda dá para ter um gostinho do que é estar em uma residência do escritor. No segundo semestre, já deve estar aberto para visitação o memorial da Casa do Rio Vermelho, na Rua Alagoinhas, onde Jorge Amado e Zélia Gattai moraram por 47 anos.

No entanto, apesar de estar inicialmente previsto para ser inaugurado em julho, o museu ainda não tem data de inauguração. De acordo com o secretário municipal de Desenvolvimento, Turismo e Cultura, Guilherme Bellintani, o cronograma das obras, que começaram depois do Carnaval, ainda não foi finalizado. “Fizemos o detalhamento do projeto, mas estávamos aprofundando as pesquisas. É possível que seja em agosto, mas ainda não fechamos uma data”, explicou Bellintani.

O memorial é o primeiro de  11 equipamentos turísticos que a prefeitura pretende entregar à cidade até o final do ano que vem. A casa não tem moradores desde 2003, dois anos após a morte de Jorge, quando Zélia se mudou. Até que, em janeiro deste ano, a família assinou um termo de cessão do espaço à prefeitura, pelo período de dez anos.  

“Vamos fazer um  museu que mantém a estrutura original da casa, inclusive com os móveis originais”, disse o secretário. Além disso, o memorial deve contar com documentários, fotos e equipamentos tecnológicos, como telões sensíveis ao toque, para contar a história da vida do casal. No total, a construção do memorial deve custar R$ 6 milhões - sendo R$ 3 milhões de recursos municipais e o restante  pela Lei Rouanet, através de parcerias com a iniciativa privada.

"A Fundação Casa de Jorge Amado está executando o projeto junto com a prefeitura, justamente porque há um trabalho grande de estudo sobre a vida dele”, explicou Bellintani. A Casa do Rio Vermelho foi adquirida em 1964, depois que Jorge Amado vendeu os direitos autorais do livro Gabriela, Cravo e Canela à produtora norte-americana MGM. Foi lá que o baiano escreveu algumas de suas principais obras, como Dona Flor e seus Dois Maridos e Tieta do Agreste.

No museu, também deve haver uma loja de souvenir para os visitantes, além de um café. “Uma taxa de entrada vai ser cobrada. Ainda não estabelecemos um valor, mas, provavelmente, vai ficar em torno de R$ 20”, disse o titular da secretaria. Ainda segundo Bellintani, o público esperado é de 10 mil visitantes por mês, podendo chegar até 50 mil, durante a alta estação.