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Donaldson Gomes
Publicado em 25 de maio de 2019 às 06:30
- Atualizado há 2 anos
Aos traços sisudos das carrancas, quase a face da própria fúria, atribuem-se na cultura popular o poder de espantar os maus espíritos. Pois é exatamente à escultura que os defensores do São Francisco apelam para salvar o veio de águas que corta 8% do território nacional e banha uma área que abriga população de 18 milhões de pessoas, em mais de 500 municípios.>
O apelo à figura da carranca acontece em um contexto em que só mesmo poderes tidos como míticos podem reverter o quadro de degradação em que se encontra o Rio da Integridade Nacional. Segundo um levantamento do Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco (CBHSF), a recuperação total do Velho Chico em toda a sua extensão demandaria R$ 31 bilhões em investimentos, públicos e privados, até 2025.“Todo o curso do rio é bastante degradado e não estamos falando apenas do leito principal, mas também dos seus afluentes. Além da preocupação com o São Francisco, precisamos pensar também nos outros rios, que levam água até ele”, explicou o vice-presidente do CBHSF, José Maciel Nunes de Oliveira.Por outro lado, o volume de recursos previstos em investimentos do CBHSF, no Plano de Recursos Hídricos 2016/2025, é de R$ 532, milhões. Não precisa ser nenhum gênio da matemática para entender a necessidade de um milagre. Talvez daí tenha surgido a ideia de apelar para uma campanha de conscientização baseada na carranca.>
No próximo dia 3 de junho, quando se comemora o Dia Mundial do Meio Ambiente, o comitê realizará uma série de ações em prol do rio, através da campanha Sou Mais Velho Chico: #Virecarranca. O movimento, apresentado a jornalistas no último dia 17 de maio, em Brasília, é uma tentativa de conscientizar a população quanto à necessidade de preservar o São Francisco. O comitê lembrou das 235 barragens de rejeito de minério localizadas ao longo da bacia que possuem alto risco de rompimento, o que representa “um risco sem precedentes” para a vida do rio.>
Vazão mínima Até o ano de 2013, a vazão mínima com que o Velho Chico chegava ao mar, após percorrer cinco estados brasileiros – Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Sergipe e Alagoas – era de 1,3 mil metros cúbicos por segundo (m³/s). Entretanto, após sucessivos períodos de escassez hidrológica, foram estabelecidos novos padrões mínimos de vazão nas duas principais barragens, em Três Marias (MG) e Sobradinho (BA).>
“De 2013, o mínimo foi diminuindo até chegar aos 550 m³/s. Agora, será possível uma elevação para 800 m³/s, mas não temos ideia de quando esse patamar irá retornar aos 1,3 mil m³/s de antes”, explica Maciel. Os dados apresentados pelo comitê apontam que os reservatórios de Três Marias e de Sobradinho estão com capacidade de 80% e 50% de suas capacidades, atualmente.“O baixo nível de vazão não acontece por uma vontade nossa, até porque isso é ruim até para a captação da água do rio. Acontece porque não há possibilidade de se tirar um volume maior”, diz o presidente do CBHSF, Nivaldo Miranda.Ele lembra que o volume crítico do rio chegou a patamares muito baixos no passado. “Mesmo com o aumento da vazão, ainda não estamos em um patamar ideal, mas isso já ajuda a melhorar questões como o assoreamento, captação de água e mesmo a navegação, que é muito importante”, avalia.>
Entre os anos de 2012 e 2019, o comitê investiu R$ 42 milhões em ações que beneficiaram mais de 60 municípios com planos na área de saneamento.>
Outros 40 deverão ser contemplados numa leva nova do projeto ainda este ano, mas os números estão longe de atender a demanda. Embora não disponham de números exatos, os membros do comitê acreditam que a maior parte dos municípios banhados pelo Velho Chico tem deficiências na área.>
“Os planos de saneamento são muito importantes para a preservação do rio, mas também para que os municípios possam ter acesso a uma série de convênios públicos”, explica Miranda.>
Um exemplo do tamanho da demanda pode ser verificado na região do Médio São Francisco, na Bahia, onde 23 municípios disputam 10 vagas disponíveis.>