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Alexandre Lyrio
Publicado em 27 de julho de 2019 às 13:01
- Atualizado há 2 anos
Mesmo silenciado para sempre, o som da guitarra do Cacik Jonne comandou o “Carnaval” em pleno cemitério. A trilha sonora remetia às folias dos anos 80 e 90, na manhã deste sábado. Incentivados pelo parceiro Val Macambira, a pequena multidão atravessou o Campo Santo, na Federação, ao som de sucessos como Fazer Amor. Amigos, familiares e fãs seguiam não o trio, mas o carrinho onde estava o corpo de João Fernandes da Silva Filho, 54 anos.
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Alguns até jogando a mão para o alto, foram dar o último adeus ao Índio do Chiclete com Banana, como se participassem de sua apresentação final. Até o nome de Deus foi invocado em ritmo de axé/forró do Chiclete: “Foi Deus, foi Deus, foi Deus que mandou você pra mim!”. Os fãs chicleteiros levaram cartazes, pôsteres e contavam histórias dos Carnavais em que o Índio chamava a atenção com o cocar em cima do trio.
“Depois de Bell, ele era a figura mais representativa. Mesmo com toda a introspecção e simplicidade que tinha, ele conseguia ser destaque”, lembra Paulo Iglesias, fã e amigo da família. Val Macambira, que diz ter feito cerca de 25 composições junto com Jonne, disse que ele era um virtuoso da guitarra, mas acima de tudo um grande ser humano. “Parceiro, amigo, irmão, camarada”.
Para os chicleteiros mais antigos, Jonne morre como um mito, um talento precocemente retirado de cena, uma figura marcante que revolucionou a utilização da guitarra na Axé Music. “Igual a ele no axé ainda está por vir. A banda perdeu muito musicalmente com a saída dele”, disse o vigilante Mirales Pinto, 50 anos, que acompanha o Chiclete com Banana há 26 anos. “Uma figura emblemática do Carnaval, uma força incrível”, confirmou a jornalista Wanda Chase.
Veja homenagens:
Saúde
O Índio do Chiclete estava com a saúde bastante fragilizada por conta da ataxia cerebelar, doença rara e degenerativa diagnosticada no ano 2000. Na manhã de sexta-feira (26), ele foi encontrado morto pela madrasta e pelo cuidador, que tentaram acordá-lo, em vão. Ultimamente, sequer conseguia mastigar. Só se alimentava com comida pastosa.
Cacik Jonne já se apresentava no Carnaval de Salvador muito antes de fundar a banda Chiclete com Banana, juntamente com Bel, o tecladista Wadinho e o baterista Rey. “Ele tocou primeiro no Trio Elétrico de Orlando Tapajós. Depois foi para o Traz a Massa e em seguida formou a Scorpions”, conta o também músico Mário Calmon, 63 anos, o Escurinho. A banda Scorpions, aliás, foi a gênese do Chiclete, que mudou de nome em seguida. Jonne tocou no Chiclete com Banana entre 1986 e 2002.
Disputas judiciais
Quase dois anos depois do diagnóstico da doença, foi afastado do Chiclete, então comandado por Bell Marques. Em seguida, músico e banda se envolveram em uma série de disputas judiciais envolvendo causas trabalhistas. Segundo contou o sobrinho dele, Renato Mascarenhas, a banda continuou pagando Jonne durante um ano após sua saída.
“Quando viram que ele não ia voltar mais, suspenderam plano de saúde e cachês”, afirma Renato, que é advogado criminalista. “Eu nem sonhava em ser advogado quando fizeram isso com ele. Não fosse tão pequeno na época, eles iam se ver comigo”. Segundo disse o sobrinho, o processo na Justiça foi finalizado porque o advogado de Jonne perdeu os prazos. “Coisas estranhas aconteceram. Ele renunciou às causas trabalhista e civil”.
O sobrinho diz que Jonne vivia da aposentadoria e do dinheiro do aluguel de um imóvel próprio. “Era isso que pagava o cuidador e medicamentos. Quando faltava algo, a família segurava as pontas”. Jonne morou boa parte da vida em um apartamento em que era proprietário na rua Ceará, na Pituba. “Ao menos tinha onde morar e tinha essa renda. Se dependesse do Chiclete...”, deixou no ar.
Renato conta que, logo que a disputa judicial foi iniciada, o tio passou a ter problemas com Bell e o com ex-baterista Rey, ambos fundadores do Chiclete junto com o Cacik. Com o tecladista Wadinho, irmão de Bell, ele teria uma boa relação. “Pior que meu tio falava dele (Bell) com emoção, gostava dele, mas a verdade é que ele sempre pensou só em dinheiro”, afirmou Renato.
A irmã de Jonny também foi dura com Bell. No momento em que o corpo do músico era colocado em uma gaveta do Campo Santo, ela bradava contra o cantor. “Cadê ele? Não deu uma declaração. Subiu às custas de meu irmão!”. Artistas que viram a banda nascer e estavam presentes no velório também criticaram. “Esperávamos algum reconhecimento por parte de Bell. Alguém da banda também teria que vir. Nessa hora não tem que pensar nisso”, disse Escurinho.
Bell não compareceu à cerimônia. A assessoria do cantor informou que este final de semana ele faz quatro apresentações no Fortal, o Carnaval fora de época de Fortaleza. Da mesma forma, nenhum músico da atual formação do Chiclete se fez presente. Em contato com Rey, que ainda é um dos donos mas parou de tocar, ele disse que a banda está em Itabuna e não iria se manifestar sobre as críticas. “As pessoas falam o que querem sem saber a verdade”, disse Rey.
Nas redes sociais, o Chiclete prestou uma homenagem ao Cacik. “Jonny esteve no Chiclete por anos trazendo sua arte, sua habilidade como guitarrista, o que contribuiu muito com todo nosso trabalho (...). Foram momentos férteis, foram momentos que deixaram boas recordações e elas estarão sempre nos nossos corações e na memória de todo Chicleteiro que um dia viu o Cacique no Palco. Descanse em paz, eterno Jonny”, diz o trecho da homenagem.