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Marcela Vilar
Publicado em 26 de agosto de 2021 às 05:00
- Atualizado há 2 anos
A Bahia tem uma média de 4,4 pessoas desaparecidas por dia. O dado é da Polícia Civil do estado e equivale a um desaparecido a cada seis horas. No primeiro semestre de 2021, foram 799 baianos que sumiram sem deixar rastros. Desses, apenas 243 foram localizados, mas outras 556 famílias ainda estão sem respostas sobre o paradeiro dos parentes. Desde 2019, são 3.135 baianos e baianas que não retornaram para casa. Um quarto desses casos ocorreu em Salvador.
Apesar do número de desaparecimentos ter diminuído 4,2% em relação ao primeiro semestre de 2020, a dor dos familiares por não terem encontrado os entes queridos é permanente. É o caso da administradora Cristiane da Silva, 44, que está sem notícias do marido, o caminhoneiro Rodrigo Albuquerque, 44, desde o dia 30 janeiro deste ano. São sete meses de espera e angústia, que se misturam com a sensação de impotência.
Rodrigo Albuquerque fazia uma viagem a trabalho, em Guarulhos, no interior de São Paulo. A última vez que foi visto foi em um supermercado da cidade. O caminhoneiro ligou para Cristiane 13 vezes, mas ela não atendeu, porque o celular estava para descarregar. Quando ela tentou retornar, no dia seguinte, ele já não atendia ou recebia as mensagens enviadas pela esposa.
Cristiane foi então à polícia abrir um boletim de ocorrência e viajou até São Paulo para ver se descobria alguma pista do paradeiro do marido. “Vivi momentos muito ruins, porque deixei minha vida aqui em Salvador e me desloquei atrás de respostas, passei 90 dias em São Paulo, ajudando a polícia, viajando para o interior, fazendo a divulgação da imagem dele para obter informações, fui em vários bairros de Guarulhos falar com as pessoas, mas de lá para cá não tive notícias”, conta.
Após o desaparecimento de Rodrigo, ela teve que iniciar tratamento psicológico para lidar com o trauma. Os dois viviam uma união estável há três anos e tinham filhos de relacionamentos anteriores, que conviviam harmoniosamente.“Nossa relação era muito rotineira, então, no próprio dia [em que o marido tentou ligar], horas depois, percebi que tinha algo errado. A gente se falava com muita frequência, eram várias ligações e chamadas de vídeo durante o dia”, conta. O caminhoneiro Rodrigo Alburqueque fazia uma viagem a trabalho e não voltou mais para casa (Foto: Acervo Pessoal da Família) Estatísticas
Nos primeiros seis meses de 2020 foram 834 desaparecimentos na Bahia. No total foram 1.631 pessoas que sumiram em todo o ano passado. Em 2019, foram 948, ainda de acordo com os dados da Polícia Civil.
Já segundo o último relatório do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o estado registrou 1.821 desaparecimentos, em 2019, e outros 1.379, em 2020, número um pouco maior que os fornecidos pela Delegacia de Proteção à Pessoa (DPP).
O Fórum cita três tipos de desaparecimentos: voluntário, quando ocorre fuga do lar devido a desentendimentos familiares, violência doméstica ou outras formas de abuso; involuntário, quando há afastamento do cotidiano por um evento sobre o qual não se possui controle, como acidentes ou desastres naturais; ou forçado, como sequestros.
Há alguns casos que não têm como ser enquadrados nessa tríade, como o de Francisco Roberto Silva Santos, desaparecido desde 3 de março de 2020. Ele saiu de casa para se encontrar com uma mulher, no bairro do Imbuí. “Ele marcou um encontro no Facebook e não voltou mais para casa. A gente fica muito triste, todos os dias minha mãe chora e ficamos na esperança de uma resposta do que houve com ele. Ele não tinha rixa com ninguém e era amado pela comunidade”, conta um dos irmãos.
A família toda mora na mesma rua, no bairro de Sussuarana. No local, Francisco Silva tinha uma mercearia. Ele é separado e tem três filhos. Uma parente que pediu anonimato confessa que já não tem mais tanta expectativa que o comerciante seja encontrado um ano e quase seis meses depois do sumiço. “Deixei na mão de Deus”, desabafa.
Na família dos Taboia, a filha da operadora de caixa Jucilene já foi encontrada. Porém, já não quer mais voltar para casa. Ela ficou desaparecida quatro vezes. A primeira, foi quando tinha 14 anos e, ano passado, voltou a viver nas ruas. A mãe ficou sem notícias da filha de fevereiro a junho de 2020, quando ela foi encontrada por uma amiga da irmã dela, na Avenida Sete de Setembro.
"Ela estava em situação de rua, com outros moradores, e dizia que não queria voltar para casa e que estava com medo. Quando fugiu de novo, foi encontrada grávida e junto com um rapaz. Ela está até hoje com ele. Mas, antes, fiquei ligando para várias maternidades para ver se ela tinha dado entrada”, conta Jucilene.
Segundo ela, Emily tem esquizofrenia e distúrbio mental leve e largou o acompanhamento médico depois que saiu de casa. “A gente fica triste, porque tínhamos uma relação boa, sem discussões ou brigas. Mas, para uma mãe, é sempre desesperador ela sair e a gente não saber onde ela está, se está comendo, como fica nos dias de chuva”, afirma Jucilene.
Emily Taboia desapareceu quatro vezes e, quando foi encontrada, não quis voltar para casa (Foto: Acervo Pessoal da Família) Classe social
De acordo com a delegada titular da Delegacia de Proteção à Pessoa (DPP), Jussara Andrade Gomes, as pessoas que mais desaparecem na Bahia são de classe média baixa. Porém, isso depende da faixa etária e motivação do desaparecimento. “Temos um pouco de tudo, mas a classe social mais baixa é onde temos mais, principalmente os jovens envolvidos com drogas. Os idosos são tanto de classe baixa como média. Já quando é por conflito familiar, a classe social mais recorrente é a média e as pessoas normalmente voltam depois”, explica a delegada. O envolvimento com drogas é a principal motivação que aparece nas investigações da delegacia. “Por conta da vulnerabilidade, as pessoas envolvidas com drogas, principalmente com o tráfico, estão sendo as principais vítimas mdos desaparecimentos. Antes da pandemia, os conflitos familiares vinham primeiro. Já quando falamos de mulheres, houve uma alta, esse ano, de meninas que conhecem homens pela internet e acabam saindo de casa. Eles compram passagens de avião, elas acabam se envolvendo e fogem de casa”, detalha Jussara.
O caso mais antigo que ela tem na delegacia é o de Bianca Cerqueira, desaparecida desde 2005, após deixar o Colégio Evaristo Veiga, na Avenida Centenário. Na época, ela estava com 12 anos. Mesmo depois de tanto tempo, a delegada enfatiza que não há prazo para registrar desaparecimento na unidade.
“Não existe prazo, mas, assim que se perceba que a pessoa está sumida, que houve uma mudança repentina na rotina de um familiar, tem que procurar ajuda de imediato. Só quem convive sabe dizer o que está acontecendo de anormal, mas o registro não precisa ser feito até 24 horas. A questão é que temos mais chances de fazer o reencontro quando vamos logo à busca”, alerta.
Estado não tem política pública para desaparecidos
A Bahia não tem programas ou políticas públicas para reduzir o número de desaparecidos no estado. A informação é da própria Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social da Bahia.
Segundo Eduardo Ribeiro, co-fundador da Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas e coordenador da Rede de Observatórios da Segurança (BA), essa falta de política pública contribui para a morte e o desaparecimento dos baianos, que estão, muitas vezes, ligados às drogas. “A ausência de preocupação do estado tipificar o crime de desaparecimento forçado enquanto um crime contra a humanidade, a não elucidação desse tipo de crime, muito utilizado durante a ditadura e que se atualiza na guerra das drogas como mais uma das ferramentas de distribuição de morte enquanto política, diz muito sobre a desumanização que a guerra às drogas impõe. A morte das pessoas não é a ausência da política, ela é a própria política e o desaparecimento dessas pessoas e a não elucidação do estado a esses crimes também”, argumenta Ribeiro. Polícia Civil inicia operação para ampliar buscas
Para tentar reduzir o número de desaparecidos na Bahia e dar visibilidade à DPP (Delegacia de Proteção à Pessoa), a Polícia Civil começa, a partir de hoje, a Operação Reditus. As ações acontecem nos dias hoje, amanhã e na segunda-feira (30). O atendimento ao público será realizado das 8h às 17h, no ônibus da PC, que funciona como uma delegacia móvel. Ele ficará estacionado em frente ao Prédio-Sede da Instituição, na Piedade.
Além de registrar ocorrências de desaparecidos em Salvador, o cidadão vai poder tirar dúvidas de como proceder nesses casos. “Todos os boletins formalizados terão fotos das pessoas divulgadas nas redes sociais da DPP”, informa a delegada titular Jussara Andrade. “Quanto mais rápido iniciar a busca, maiores as possibilidades de localização”, ressaltou.
Durante a ação, o DPT (Departamento de Polícia Técnica) vai cadastrar famílias de pessoas desaparecidas e, posteriormente, coletar amostras de material genético para processamento e inclusão no Banco de Perfis, no Laboratório Central de Polícia Técnica. O processo visa comparar as informações aos perfis antropológicos das ossadas existentes no Instituto Médico Legal Nina Rodrigues (IMLNR).
O que fazer em caso de desaparecimento:Comunique - Ligue para a Delegacia de Proteção à Pessoa - DPP nos números (71) 3116-0000 ou (71) 3116-0357;
Registre - Abra boletim de ocorrência presencialmente na delegacia, localizada no 4º Andar do Ed. Antônio Fernando Silvany, na rua das Hortênsias, 254, na Pituba;
Se informe - Para dúvidas e esclarecimentos, mande mensagem no WhatsApp da DPP no número (71) 99631-6538
Siga - Acompanhe os rostos dos desaparecidos da Bahia pelo Instagram da Polícia Civil da Bahia (@desaparecidospcba)*Com a orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro