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Mario Bitencourt
Publicado em 18 de dezembro de 2020 às 05:00
- Atualizado há 2 anos
Sem sair da sede da fazenda, o produtor rural Cairo Arantes, com óculos de realidade virtual, enxerga toda a sua propriedade, monitorando as plantações de soja e milho e a criação de gado leiteiro. As imagens aéreas e terrestres são obtidas por um drone e um robô do tipo rover, com rodinhas e equipado com câmeras que fornecem imagens em 360 graus. Para irem a campo, basta programar o trajeto que o drone e o robô farão, depois é só dar o comando. Além de vistas ao vivo, as imagens são transformadas em dados processados por Inteligência artificial. Todo esse processo, caracterizado pela automação no campo, ocorre em tempo real, o que apenas é possível graças à tecnologia 5G – sem ela, essas ações demorariam entre 3 a 4 dias para serem realizadas.
Desde 3 de dezembro que a fazenda de Cairo, localizada em Rio Verde, sudoeste de Goiás, celeiro do agronegócio brasileiro, vive essa realidade que marca a estreia experimental da tecnologia 5G no país. Para se ter uma ideia, ela é até 10 vezes mais rápida que a 4G, atualmente em uso no Brasil por apenas 18,5% da população rural do país, segundo estudo recente do Instituto Interamericano de Cooperação para Agricultura (IICA). O experimento na Fazenda Nycolle, de 1,1 mil hectares, representa o início da aplicação da Agricultura 5.0 no país.
A Agricultura 5.0 é caracterizada pela automação de toda a cadeia produtiva do agronegócio, de forma que todos os equipamentos estão conectados à internet de alta velocidade, e com o mínimo de interferência humana. Dela fazem parte a inteligência artificial, a robótica, a biologia sintética (que permite, por exemplo, fazer leite de vaca que não veio da vaca, ou carne de boi que não é do boi), a impressão 4D e a agricultura vertical. Esta, ao invés de usar o solo, desenvolve o cultivo de plantas por meio da hidroponia, aeroponia ou aquaponia, e as plantas ficam uma em cima da outra em estruturas de canos de pvc – por isso é vertical.
Inicialmente, na Fazenda Nycolle, os experimentos estão concentrados em três pilares: o uso da tecnologia 5G, a transferência e armazenamento das informações em nuvem e a aplicação da inteligência artificial aos dados coletados. Cairo, 49 anos, ficou impressionado. “A tecnologia serve para qualquer produtor ter informação em tempo real. Isso ajuda a tomar decisões mais rápidas e fazer o negócio ser rentável”, disse. “Já penso em usar nos tratores, monitorar tudo por telefone, ver todo mundo trabalhando, a parte de reprodução das vacas, se tem alguma no cio”, completa.
Os próximos passos são equipar melhor o rover com sensores que permitem, por exemplo, avaliar a condutibilidade elétrica do solo, um indicador de fertilidade, e assim fazer a adubação a taxas variadas, como já ocorre por meio de técnicas da agricultura de precisão que já são utilizadas na fazenda há cinco anos e provocou um aumento da produtividade em até 20%.
Aceleração A chegada experimental da internet 5G no Brasil, tendo como foco o agronegócio, demonstra a importância do setor para a sociedade como um todo. Serve também como resposta às cobranças da sociedade por um agronegócio mais sustentável, já que a tecnologia favorece o uso racional dos recursos naturais (água e solo). Significa ainda que os processos evolutivos estão chegando com mais rapidez ao país. As técnicas de agricultura de precisão, (Agricultura 3.0), por exemplo, tiveram início nos países mais avançados na década de 1990, mas só foram implantadas no Brasil há 5 anos e sequer chegou a 20% das propriedades rurais. O momento atual, de acordo com a Embrapa Informática Agropecuária, é o de transição para a Agricultura 4.0, iniciada em 2015.
Os avanços tecnológicos no campo, conforme analisa Silvia Massruhá, chefe-geral da Embrapa Informática Agropecuária, que participou do Agenda Bahia 2020, são exigidos por uma sociedade que se preocupa cada vez mais com o que se alimenta. “O consumidor está exigindo que a gente adote novas tecnologias para dar essa transparência, e para ter competitividade e sustentabilidade”, comentou Silvia. Além disso, há a própria responsabilidade que foi dada ao Brasil na produção global de alimentos. Projeção da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) dá conta de que a produção de alimentos do país terá de crescer 41% nos próximos dez anos para haver uma oferta equilibrada de comida no mundo, já que outras nações - Canadá, Índia, China, Estados Unidos e na Europa - têm capacidade reduzida de crescimento de áreas agricultáveis.
O Fórum Agenda Bahia 2020 é uma realização do CORREIO, com patrocínio do Hapvida, parceria do Sebrae, apoio da Braskem, Claro, Sistema FIEB, SMARTIE, SINDIMIBA e BATTRE, apoio institucional da Rede Bahia e GFM 90,1.
Rastreabilidade: demanda do consumidor, desafio do agronegócio
Saber a origem do alimento que consome, com todas as informações possíveis, é uma das grandes exigências do consumidor, sobretudo com relação a frutas e verduras que, na maioria das vezes, são consumidas in natura. No agronegócio, contudo, implantar a rastreabilidade não é um trabalho fácil porque falta estruturação dos elos da cadeia produtiva.
Palestrante do Agenda Bahia 2020, o diretor de negócios, café e vinhos da Fazenda Progresso, localizada na Chapada Diamantina, Fabiano Borré conhece bem essa realidade. As 90 mil toneladas de batata inglesa que a fazenda produz chegam às gôndolas de supermercados do Nordeste sem que ninguém saiba a origem.
“Na maioria das cadeias produtivas, o produtor rural não consegue ofertar o seu produto em uma embalagem que chegue até o consumidor final, ela se perde no meio do caminho porque existem duas ou três etapas entre a produção e o consumidor que não tem rastreabilidade”, disse. “Nossa batata chega ao supermercado sem ninguém saber que é nossa. Então, nesse ponto a segurança alimentar se perde simplesmente porque a cadeia não está organizada como um todo”, completa. "Enquanto a rastreabilidade não chega, a fazenda busca outros meios de tirar a transparência do discurso. Neste ano, inovou com a transmissão ao vivo, em canal fechado, da safra de café. Foi uma forma os clientes de 10 países que compram o grão acompanharem o processo de produção e colheita, diante da impossibilidade de viagem por conta da pandemia. “Todos os nossos clientes de café puderam acompanhar 24h por dia, sete dias por semana”, comentou Fabiano.