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Victor Villarpando
Publicado em 8 de janeiro de 2017 às 05:00
- Atualizado há 2 anos
O Convento de Santo Antônio do Paraguaçu, em São Francisco do Paraguaçu, foi construído em 1686: cenário da novela Velho Chico e segundo noviciado franciscano do Brasil (Fotos de Victor Villarpando)A gente aprende na escola e, todo ano, o governo do estado se muda pra lá quando falta uma semana pro Dois de Julho: a resistência no Recôncavo, nomeadamente em Cachoeira, foi fundamental na luta pela Independência da Bahia.
E se a vontade de ser ver livre da dominação portuguesa achou terreno fértil onde se plantava cana de açúcar, a luta pela dignidade humana e liberdade também vingou: a área da Bacia do Iguape, entre Cachoeira e Santo Amaro da Purificação, abriga 14 comunidades quilombolas.
Além de rica em história, a região ostenta belezas naturais e delícias gastronômicas. O rio é caudaloso e, nas imediações do povoado de Coqueiros, em São Félix, as montanhas entrando pelo rio/mar parecem formar uma versão tropical dos fiordes noruegueses. Essa vista pode ser curtida ao saborear uma moqueca de siri catado.Restos de azulejo remetem à beleza do passadoAliás, quase tudo fica perto da água e tem uma vista incrível. As riquezas históricas são de grande magnitude, como um convento do Século 17 em São Francisco do Paraguaçu. Ou imateriais, como o licor de Roque Pinto, a maniçoba e as ostras assadas na lenha. Mas também estão no luxo de bater papo com uma senhorinha de 96 anos que faz generosas panelas de barro à moda indígena.
Cansou daquele jeito caetânico de viver e falar? Dá pra viajar até o Egito sem pegar avião: um egípcio abriu em Cachoeira um bistrô com o melhor da gastronomia da região.
Chegar lá, a partir de Salvador, é bem simples: é só seguir 59 km pela BR-324 até o entrocamento da BA-026, que leva a Santo Amaro da Purificação, município vizinho a Cachoeira. Do entrocamento até Santo Amaro são 11 km e de lá até a cidade são mais 40 km. A região dos quilombos fica no meio do caminho. Altar usado em Velho Chico ficou de presenteSão Francisco do ParaguaçuO Convento de Santo Antônio do Paraguaçu, que fica na vila de São Francisco do Paraguaçu, ganhou fama ao servir de cenário da novela Velho Chico (TV Globo). Mas o lugar, tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), tem muito mais história. Datado de 1686, foi o primeiro convento estabelecido no Brasil após a independência da custódia religiosa de Portugal. E o segundo a ser construído pelos franciscanos no país.
Dá pra ver o cemitério, a senzala e até o altar global, que foi doado à igreja. É quase todo de plástico, papelão e papel alumínio. De longe parece mármore colorido. O que restou dos azulejos é bonito de ver. “Tudo foi construído com óleo de baleia e calcário. São 3.815 metros quadrados de área construída. Além de noviciado, isso aqui já foi hospital. E até Frei Galvão morou aqui um tempo. Funcionou por quase 2 séculos e passou uns 100 anos fechado”, conta Antônio Gonçalves Garcia, nascido no povoado e guardião das ruínas.
O zelador faz as vezes de guia e dá pra visitar de segunda a sexta-feira, de 7h às 16h, salvo exceções. Vale ligar pra confirmar se ele estará lá na hora planejada (71 99627-4329). A entrada custa R$ 10 por pessoa. Como não aceita cartão, melhor levar o dinheiro já trocado. Tem um bar no porto, onde as águas calmas pedem um mergulho. Antes de chegar lá, um barzinho familiar vende geladinho da fruta por R$ 1. É bom demais, compre logo uns 10. Fica no fim da BA 880, a cerca de 40 km de Cachoeira. Dona Cadu com o neto, na porta da casa onde molda peças de cerâmica em CoqueirosCoqueirosCom 96 anos, dona Cadu parece uma menina: sorri, brinca, modela e queima barro, samba e conversa um bocado. Madrinha de meia Coqueiros, povoado onde vive em São Félix, ela mexe com argila desde os 10 anos, quando vendia bonecas e potes na feira.
“A cerâmica de Coqueiros é muito indígena. Já visitei vários lugares do Brasil e nunca vi nada parecido”, conta Rosangela Cordaro, pesquisadora de arte popular que estuda dona Cadu no mestrado. “Ela faz a queima nas margens do rio, com os ventos da maré. E canta e samba. É muito ritualístico”, conta. Peças de cerâmica secam expostas nas ruas de Coqueiros: arte indígena únicaDe Cachoeira, pegue a esquerda depois da ponte. Após o Rio Capivan, é a oitava entrada à esquerda, onde tem um monte de panelas de barro. Dona Cadu mora na beira do rio. Ao encontrá-la, não esqueça de pedir a bênção. Ela vende utensílios e objetos lindos (só em dinheiro).
Se seguir a rua principal até chegar numa pequena baía, vai ver o restaurante Frutos do Mar. Simples, só aceita dinheiro e tem comida saborosíssima. Uma moqueca de siri e outra de arraia servem quatro pessoas que comem bem. E custou menos de R$ 20 pra cada. Barris de licor de Roque Pinto, em CachoeiraNo cardápio, cerca de 20 sabores, como cajá, tamarindo, jabuticaba, banana e gengibre. Como frutas são sazonais, nem sempre tem de tudo. O mais vendido, jenipapo, tem o ano todo. Peça pra entrar na centenária casa e fazer uma degustação. Rose está começando um museu do licor do Recôncavo, com fotos, documentos, objetos e explicações sobre a fabricação.
Os preços vão de R$ 8 a R$ 11. Exceto o mais novo, Pintorula, inspirado no licor Amarula e batizado em homenagem ao fundador da empresa. Um litro da bebida, com leite e cacau, sai a R$ 21. Aceita todos os cartões de crédito e débito. Fica na rua Rodrigo Brandão, 16, Centro. Abre de 6h às 18h. Domingo, só até 12h. A vista do Porto de Coqueiros, vila de São Félix: saveiros em fiordes tropicaisKaongeTerritório quilombola conhecido pelo Festival da Ostra, que acontece desde 2009. Um fim de semana por ano, a comunidade se enfeita, agrega uma feirinha de artesanato, oferece oficinas e prepara delícias com ostras. Costuma acontecer em novembro.
No cardápio, prato-feito de moqueca e ostra frita no nagé (R$ 15) com vatapá e farofa, ostras cruas ou assadas na lenha (R$ 15 a dúzia). Em 2016 teve show de Matheus Aleluia e samba de roda. No resto do ano, é só chegar no restaurante É d’ Oxum. Saindo de Santo Amaro da Purificação para Cachoeira, placas indicam o caminho para a BA 880, também chamada de Rota da Liberdade.
LadrilhosA Casa Mármore (75 99996-8821) foi criada há 100 anos por Manoel Francisco, avô de Gerson Borges, que hoje fabrica 100 tipos de ladrilhos hidráulicos. Mais barato que comprar em Salvador. Rua 26 de Junho, 13, Centro, Cachoeira.Casa Mármore: fábrica de ladrilhos hidráulicosSantiago do IguapeA imponente igreja pertinho da água é o marco visual do povoado. “A Matriz de Santiago é uma das mais antigas do Recôncavo e construção inacabada. Mas todo ano recebe uma visita dos Cavaleiros de Santiago de Compostela”, conta Pan Batista, coordenadora da Feira de Arte e Cultura do Iguape, que acontece todo ano em dezembro. A Baía do Iguape, vista do povoado de Santiago do Iguape: águas calmas e convidativas para um mergulho refrescante nas tardes de VerãoE se em São Francisco do Paraguaçu há cartazes que dizem “não somos quilombolas”, por lá a identidade é mais forte. “Aqui é uma terra de negros libertos”, diz Pan, que também faz parte da associação de marisqueiras e estuda História na UFRB. O mar na frente da igreja é lindo e convidativo. A Igreja de Santiago do Iguape: todo ano vêm Cavaleiros de Santiago de CompostelaQuem chegar com fome pode comprar moquecas nas casas de Ana, Maria da Pousada, Fia, dona Maria de Toinho... É só procurar. Em São João e São Pedro tem concurso de quadrilhas da comunidade, que arrasam nos eventos pelo estado.Delícias de Cachoeira Come-se bem demais na maior cidade da região. No restaurante Pai Thomaz (Praça 25 de Junho), a porção de seis bolinhos de maniçoba sai a R$ 15. A cerveja é gelada (Original a R$ 9,50, Heineken por R$ 10). O escondidinho carne de sol é R$ 40,90. Tudo gostoso. Bolinho de maniçoba: Restaurante Pai ThomazPra jantar, a melhor pedida é o Hórus Bistrô Egípcio (Rua Monsenhor Tapiranga, 5, Centro). Com cozinheiro vindo de lá, o jornalista Moheb Gabr, o lugar ocupa o andar de cima de um casarão histórico e tem decoração temática. A comida é incrível. O frango ao curry serve duas pessoas por R$ 68. O Hawashi é sanduíche com pão sírio, carne, queijo e especiarias (R$ 35) e tem ainda o tradicional quibe (R$ 25 com seis unidades). Café da manhã na Pousada Identidade Brasil: fabuloso início de manhã em Cachoeira No café da manhã, a Pousada Identidade Brasil (Praça 25 de Junho, 4) é imbatível: por R$ 30, a dona, Rosângela Cordaro, prepara um menu exclusivo, que muda conforme a disponibilidade de matéria-prima fresca. Entre as delícias, mingau de tapioca com lavanda, pão caseiro e creme de abóbora com coco. Todo dia, exceto segunda-feira. Melhor café da manhã de minha vida.Casa de Hansen BahiaA casa-museu onde moraram os artistas Hansen Bahia e Ilse Hansen é magnífica. Ampla, com mobiliário preservado e cheia de objetos antigos e obras de arte, é uma viagem no tempo. Há embalagens de cosméticos dos anos 70 e livros com capas artísticas super bem conservados.O Museu Casa de Hansen Bahia funciona na casa onde viveu o artista e é uma viagem no tempo: ferramentas e objetos pessoais do escultorO ateliê guarda ferramentas e a vista do quintal é maravilhosa: Cachoeira, o Rio Paraguaçu e São Félix, do alto. Ele era um artista alemão radicado por aqui no pós-guerra. Mestre em xilogravura, expôs em várias partes do mundo. Ela era pintora. O casal se conheceu na quinta Bienal de São Paulo. A casa fica na Ladeira Santa Bárbara, 13, em São Félix.
Onde ficarA melhor opção é Cachoeira. Maior cidade da região, é central e facilita o deslocamento para quem está de carro ou ônibus. Do porto de lá também saem barcos que podem fazer todo o roteiro pela água (75 99138-3676). Para se hospedar, a Pousada Identidade Brasil é a mais charmosa, bonita e confortável. Simples e com interior contemporâneo, o Aclamação Apart Hotel é opção boa e mais em conta.Cachoeira vista do alto de São Félix, da varanda da casa de Hansen Bahia: pra ver casas antigas, igrejas, estação de trem e a ponte de metal