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Vitor Villar
Publicado em 16 de maio de 2019 às 05:30
- Atualizado há 2 anos
Não é exagero dizer que existem dois Vitórias, um antes do Barradão e outro depois. Os números comprovam: considerando apenas estaduais, foram dez títulos em 80 anos sem o estádio e 19 em 33 anos com ele.
A mudança dá razão aos mais antigos rubro-negros: “O Vitória pensava em construir seu estádio desde a década de 1930. Tanto, que adquiriu terrenos na Ondina, onde hoje é a Ufba, na Vasco da Gama e no Cabula”, conta o pesquisador Luciano Souza Santos, autor do livro Barradão: Alegria, Emoção e Vitória – amplamente usado para esta matéria.
Mas por que o sonho demorou tanto? Nada foi simples. Mesmo quando já tinha o terreno, o processo demorou quase 20 anos. O primeiro passo foi dado em 1972, quando os conselheiros Manoel Pontes Tanajura e Benedito Dourado da Luz adquiriram uma chácara à beira da Estrada Velha do Aeroporto.
Na área de 100 mil m², o Vitória construiu o seu primeiro campo de treinamentos – o Perônio – e a sua primeira concentração para os jogadores, que funcionam até hoje. O terreno fica sob um morro à esquerda do portão principal do atual Barradão.A Toca do Leão era rodeada por um enorme terreno da prefeitura, cheio de barrancos, para onde o prefeito Clériston Andrade decidiu na mesma época transpor o lixão da cidade.Em meio à instalação do aterro sanitário, Clériston decidiu doar ao Vitória parte do terreno, uma área de 126 mil m² num barranco que rodeava a Toca do Leão.
Foi aí que os rubro-negros entusiastas do estádio próprio voltaram com força. Entre eles, um ex-presidente da década de 40, antigo remador do clube, chamado Manoel Barradas.
Foi na presidência de José Rocha, a partir de 1983, que o projeto decolou. O clube começou a realizar campanhas a fim de arrecadar fundos e construir o estádio. “A mais conhecida foi a criação do novo hino do Vitória, em que as vendas dos discos foram revertidas para a obra”, conta Luciano Santos.
MUDANÇA DE RUMO
A doação certeira, porém, veio por meio do estado. Em 1985, o governador João Durval colocou máquinas e dinheiro para que a obra fosse finalizada. “Tudo meio que casou. O presidente José Rocha era deputado do mesmo partido de João Durval e todos eram Vitória”, lembra Luciano.Um ano depois tudo estava pronto. Faltava batizar o estádio. A proposta era homenagear Clériston Andrade, mas o governador João Durval fez uma observação: Manoel Barradas, maior entusiasta do projeto, deveria ser o escolhido. Barradas, por sinal, era seu sogro.Recado cumprido. Em 11 de novembro de 1986, o Manoel Barradas foi inaugurado num amistoso contra o Santos, 1x1. O primeiro gol foi marcado por Dino, do Santos. Heyder empatou de pênalti.
Mas o que era o tal ‘Barradão‘? Basicamente, um campo com uma arquibancada menor do que a atual: ocupava todo um lado do campo, mas, no fundo dos gols, acabava antes da primeira trave. Na inauguração, o homenageado Manoel Barradas hasteou a bandeira do Vitória (Foto: Carlos Catela / Arquivo CORREIO) Aí, vem a parte mais curiosa: após a inauguração, o estádio ficou completamente ocioso. O Vitória continuou mandando seus jogos na Fonte Nova e usando o Barradão para treinos.
O pesquisador explica: “Me parece que o Vitória quis aproveitar aquele momento político, em que havia uma conjuntura de forças a favor do clube, para concretizar o sonho antigo”. O Vitória partiu, então, para tentar recuperar o tempo perdido no futebol, que havia ficado para trás.
Outra explicação é que o sonho rubro-negro ainda estava incompleto. A região era pouco habitada e o estádio ainda não oferecia banheiros, bares, tribuna de honra da maneira ideal.
GALERIA COM FOTOS DE ARQUIVO:
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REINAUGURAÇÃO
O Barradão só voltou à pauta rubro-negra cinco anos depois. Corria o ano de 1991 e Paulo Carneiro, recém-eleito para o seu primeiro mandato, encontrou um clube que havia acabado de cair para a segunda divisão – o Brasileiro daquele ano terminara em maio.Foi a deixa para o mandatário: “Era uma equação simples: o Vitória havia acabado de cair e ele precisava criar um fato novo para animar a torcida. Reinaugurar o estádio parecia uma ótima ideia. Anos mais tarde, Carneiro admitiu essa ideia”, conta Luciano.Sem mudanças estruturais significativas em relação a 1986, o Barradão foi reinaugurado em 25 de agosto de 1991 num amistoso contra o Olimpia. Novamente um 1x1, gols de André Carpes para o Leão e Jorge Campos para o time paraguaio. Na reinauguração, Vitória empatou em 1x1 o Olimpia-PAR (Foto: Antenor Pereira / Arquivo CORREIO) É nessa fase que surge um dos personagens mais importantes para o Barradão, o diretor de patrimônio Walter Seijo, engenheiro civil.
“É preciso sempre parabenizar aqueles que deram os primeiros passos do Barradão, como José Rocha. Mas o estádio que recebemos era muito básico. Não tinha portaria, bilheteria, banheiros, acesso por carro de maneira ideal. Enfim, não reunia condições de operar”, conta Seijo.
O primeiro jogo oficial veio 20 dias depois, no dia 15 de setembro, diante do Serrano, pelo Campeonato Baiano. O Vitória ganhou por 4x0. O meia Wagner fez o primeiro gol “valendo” do estádio. A estreia em jogo oficial foi contra o Serrano (Foto: Antenor Pereira / Arquivo CORREIO) Diferentemente de 1986, após a reinauguração de 1991, o Barradão passou a ser utilizado para jogos. Mas engana-se que foi com frequência. Faltava um dos itens mais básicos para qualquer estádio: a iluminação.Sem refletores, o Barradão só podia ser utilizado em jogos durante o dia e jamais em partidas da elite do Brasileiro. “Após a reinauguração fomos fazendo algumas obras, mas tudo de maneira muito tímida. Decidimos que só íamos trabalhar para viabilizar mesmo o estádio depois que garantíssemos a iluminação”, conta Seijo.
ILUMINADO
Foi aí que o Vitória teve um acerto digno de loteria: a campanha do vice-campeonato Brasileiro de 1993 - com jogos disputados na Fonte Nova - abriu os olhos dos governantes para a carência do Barradão. Resultado: na véspera do duelo de volta da final com o Palmeiras, o então governador Antonio Carlos Magalhães ligou para Paulo Carneiro, garantindo que realizaria o sonho rubro-negro. Refletores foram inaugurados contra o Náutico, em 1994 (Foto: Antenor Pereira / Arquivo CORREIO) A expectativa durou mais um ano. O Barradão inaugurou seus refletores em 1º de outubro de 1994, numa partida contra o Náutico. O destaque, no entanto, não foi a vitória por 2x0, com gols de Everaldo e Ramon Menezes.
Aí, duas curiosidades: aquela partida foi a primeira do Barradão na elite do Brasileiro. Além disso, o duelo começou às 17h, justamente para que os refletores fossem acesos quando a torcida já estivesse nas arquibancadas, causando comoção. Deu certo.Todos os olhos estavam voltados para o alto, para os quatro pontos de luz. Nas matérias da época, o CORREIO descreveu a emoção de alguns rubro-negros ao verem o campo iluminado pela primeira vez. Alguns chegaram a chorar.A partir daí o Barradão virou um canteiro de obras. Ampliação das arquibancadas, criação do centro de treinamentos, abertura da Avenida Artêmio Valente e fim do lixão da Canabrava, tudo antes dos anos 2000.
Foram três títulos da Copa do Nordeste, um deles, de 1999, sobre o Bahia e com o jogo de ida no Barradão. Naquele mesmo ano, a campanha de semifinalista brasileiro, com 5x4 sobre o Vasco nas quartas de final.
Iluminado, o artilheiro fez toda a diferença.
OS NÚMEROS DO BARRADÃO
740 jogos443 vitórias161 empates136 derrotas1.542 gols marcados771 gols sofridos
7 CURIOSIDADES SOBRE O BARRADÃO:
O projeto original, assinado pelo arquiteto Lev Smarcevski, previa um estádio com arquibancadas por todos os quatro lados do campo.
Lazer: O projeto de 1978 de Smarcevski previa levar a sede social, com ginásio e piscina, para a área atual do centro de treinamentos.
O primeiro treino no Barradão não foi do Vitória, e sim da seleção argentina, que enfrentou o Brasil na Fonte Nova em maio de 1985.
Manoel Barradas, homenageado pelo estádio, era ex-presidente do Vitória nos anos 1940 e sogro do governador João Durval.
O primeiro título do Leão no Barradão foi o Campeonato Baiano de 1995, 1x0 na final contra o Galícia.
Capacidade: Na reinauguração, em 1991, já se falava em 35 mil lugares, mesmo com arquibancadas menores que as atuas.
Greve: O amistoso de reinauguração do Barradão em 1991 aconteceu num dia com greve de ônibus. A diretoria providenciou linhas especiais.