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Daniel Aloísio
Publicado em 21 de junho de 2021 às 05:30
- Atualizado há 2 anos
Responsáveis por dar o diagnóstico e cuidar dos pacientes contaminados pelo coronavírus, os profissionais de saúde da Bahia se viram do outro lado da história mais de 50 mil vezes desde que a pandemia começou. É que, de março de 2020 - quando a crise sanitária mundial foi decretada - para cá, 50.384 profissionais de saúde que trabalham na Bahia já foram diagnosticados com a covid-19, segundo dados divulgados pela Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (Sesab).
A técnica de enfermagem Suellen Maria de Santana, 37 anos, recebeu a mesma notícia duas vezes: ela está com covid pela segunda vez. Mesmo tendo tomado as duas doses da vacina AstraZeneca, a alta exposição à contaminação durante o exercício da função foi suficiente para uma reinfecção. “Estamos a todo momento em contato com o paciente de covid. Só Deus para nos proteger”, diz a técnica, que integra a lista dos mais de 50 mil casos da doença em profissionais da saúde.
Dentre as categorias que compõem o sistema de saúde, a de Suellen é justamente a dos mais atingidos pela doença. São 14.651 técnicos ou auxiliares de enfermagem infectados pela covid. Os dados são do boletim epidemiológico da Sesab deste domingo (20), que lista 11.711 casos em profissionais de saúde cuja categoria não foi informada. Logo depois aparecem os enfermeiros (8.912 casos) e os médicos (4.339). Não há dados sobre óbitos de profissionais de saúde no boletim epidemiológico. As categorias de profissionais da saúde mais infectados pela covid-19 (Gráfico: Sesab) Os dados, no entanto, podem ser ainda maiores do que os oficialmente contabilizados. Para que um caso de covid-19 em um profissional da saúde seja contabilizado, é preciso que o hospital faça a notificação para o banco de dados do Ministério da Saúde. Caso esse ato não ocorra, por mais que o trabalhador esteja doente, esse número não entra nas estatísticas oficiais de funcionários infectados pela covid. É o que afirma Adauto Silva, diretor de comunicação e imprensa do Sindisaúde Rede Privada. “Na realidade, é um número bem maior do que 50 mil. Eu tenho acompanhado a quantidade de trabalhadores que vêm dobrando a carga horária de trabalho por causa da falta de outros que precisaram se ausentar por terem pego covid. Vários trabalhadores fazem o teste e não tenho dúvida que várias instituições não estão notificando, enviando as informações”, declara.Alta exposição Além de uma carga de trabalho maior, os profissionais de saúde lidam com uma alta exposição ao vírus. Suellen, por exemplo, trabalha numa unidade de saúde exclusiva para casos de covid em Ribeira do Amparo, cidade de apenas 15 mil habitantes localizada no Nordeste da Bahia. Não existem no município Unidades de Terapia Intensiva (UTIs), o que significa que, quando algum paciente tem o quadro de saúde agravado, é necessário fazer a transferência através da Central Estadual de Regulação. “Enquanto a transferência não acontece, temos que ficar com ele dando todo o suporte possível: ofertamos oxigênio, aplicamos medicações receitadas pelo médico, acompanhamos os sinais vitais... Se é paciente acamado, temos que dar banho e trocar fralda. Tudo isso requer contato e, mesmo usando todos os equipamentos de proteção, em qualquer descuido, num pequeno momento de desatenção, a contaminação pode ocorrer”, explica. Suellen Maria é técnica de enfermagem (Foto: Acervo pessoal) Ivanilda Brito, presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Saúde do Estado da Bahia (Sindsaúde), afirma que não há uma explicação concreta sobre o maior adoecimento de técnicos e auxiliares de enfermagem, mas que a hipótese do contato maior com o paciente é a mais provável. “Eles lidam diretamente com os doentes, estão na cabeceira do leito. E por mais que você use o EPI, tem um momento que você sai da regra de proteção a depender da urgência”, diz.
Leia mais: Cresce em 40% o número de desligamentos por morte de funcionários CLT na Bahia
Reinfecções A técnica de enfermagem Ana Carla, 38, assim como Suellen, também foi infectada duas vezes pela covid-19. A primeira contaminação foi em julho do ano passado e a segunda, em março de 2021, oito dias após ela ter tomado a segunda dose da CoronaVac. Em ambas as contaminações, o estado vivia uma realidade de aumento de casos. Ana Carla é funcionária do Hospital Espanhol e acredita que a sobrecarga de atendimento é uma razão que tem ligação com o maior adoecimento dos profissionais de saúde.
“Eu acredito que a carga de trabalho impacta, pois a gente acaba não se alimentando direito, a imunidade cai e aí ficamos mais afetados. No hospital, estou sempre usando os equipamentos, exceto nos momentos que estou no banheiro e preciso escovar os dentes, por exemplo, ou tenho que comer no refeitório. Apesar de que a gente também circula na rua, então não significa necessariamente que pegamos a doença dentro do hospital”, relata. Ana Carla é técnica de enfermagem (Foto: Acervo pessoal) Adauto Silva, do Sindisaúde Rede Privada, diz que o sindicato já recebeu relatos de técnicos de enfermagem que se infectaram três vezes pela covid. “A verdade é que o país nunca teve um sistema de saúde preparado para enfrentar uma batalha dessa. O país estava despreparado e o presidente não lidou com o problema da forma como deveria. Tudo isso complicou a vida dos profissionais de saúde, que ficaram sobrecarregados”, afirma.
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Sobrecarga Coordenadora de enfermagem do Hospital Espanhol, Claudiana Pereira, 40, está há um ano e dois meses na linha de frente do combate a covid, desde que a unidade de saúde foi reaberta, em abril de 2020. Nesse período, ela ainda não teve férias. Quando foi infectada pela doença, Claudiana ficou afastada, cumprindo o período de quarentena exigido por atestado médico. Em casa, no isolamento, se manteve disponível para apoiar sua equipe nas decisões mais importantes que fazem parte da sua função.
“Eu tentei me manter o mais calma possível. Tinha crise de tosse e a sensação de que era falta de ar, mas não era, precisava mais de um controle emocional”, lembra a profissional de saúde, que em março tinha tomado a segunda dose da vacina CoronaVac. “Eu tive sintomas leves, mas acho que seriam piores se não fosse o imunizante. A gente percebe que o vírus está mais contagioso e causando casos mais graves em jovens”, relata. Cluadiana Pereira é coordendadora da equipe de enfermagem (Foto: arquivo pessoal) A presidente do Sindsaúde, Ivanilda Brito, defende que o poder público precisa olhar com mais cuidado para os profissionais da saúde. “Nós lutamos pelos EPIs, mas também para que se resolva a situação do transporte coletivo, que é grave. Os trabalhadores fazem de tudo para se preservar e, quando chega no coletivo, no metrô, como é que se protege com aquela lotação? Algo simples para resolver isso é instituir a flexibilização no horário de entrada, para não forçar o trabalhado a encarar um transporte lotado”, sugere Ivanilda.
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O CORREIO questionou a Sesab sobre quais são as ações que a pasta tem adotado para a categoria dos profissionais da saúde, mas não obteve retorno até o fechamento desta reportagem.
Após início da vacinação, casos em profissionais da saúde começaram a reduzir Os números de casos de covid na categoria, divulgados diariamente nos boletins epidemiológicos da Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (Sesab), mostram que a quantidade de profissionais da saúde infectados começou a reduzir após o início da vacinação. Por ser grupo prioritário, a categoria foi a primeira a receber as doses dos imunizantes.
Em julho de 2020, a Bahia tinha 10 mil casos de covid entre profissionais de saúde. Um mês depois, a quantidade de infecções já tinha dobrado. Depois, o estado começou a ter uma queda no número diário de novas infecções, fazendo com que os 30 mil profissionais da saúde contaminados só fossem alcançados em novembro. Em janeiro de 2021, quando a imunização começou, já eram 40 mil. Desde então, a Bahia enfrentou uma segunda onda de contaminações e, mesmo assim, levaram cinco meses para que o estado chegasse à marca de 50 mil profissionais de saúde contaminados. Crescimento dos casos de covid em profissionais da saúde (Gráfico: Daniel Aloisio/CORREIO) Desde que o levantamento começou a ser divulgado, em maio de 2020, o mês com mais profissionais da saúde infectados foi agosto (7,5 mil infecções), seguido por dezembro, com 4,8 mil casos. Desde então, os números mensais de novas contaminações caíram, com exceção de maio de 2021, que teve uma leve aceleração em comparação com abril. Em junho, até o boletim do dia 20, 1.184 profissionais da saúde tinham pego covid. Confira o gráfico.
A presidente do Sindsaúde, Ivanilda Brito, concorda que os casos começaram a diminuir por causa da vacinação, mas alerta que isso de nada adianta se a imunização não acelerar em todo o estado: “A gente precisa mesmo é ter todo mundo vacinado para gerar a imunidade coletiva e, assim, a segurança para os profissionais de saúde. Nós estamos longe disso, infelizmente. Se toda a população está vacinada, tem uma proteção para todas as categorias e a nossa sobrecarga de trabalho vai diminuir”, explica.
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O Conselho Regional de Enfermagem da Bahia (Coren-BA) foi procurado, mas não retornou até o fechamento desta reportagem.
Desligamentos por morte crescem 40% na Bahia O Boletim Epidemiológico da Secretaria de Saúde do Estado não informa o número de óbitos por covid-19 entre profissionais de saúde. Os dados sobre desligamentos de contratos do modelo CLT por morte, mostrado pelo CORREIO na semana passada, também não especificam as categorias - foram 678 desligamentos por morte de janeiro a março de 2021, 40% a mais que no mesmo período de 2020.
Mas, as entidades representativas desses profissionais fizeram as contas. O Conselho Regional de Enfermagem da Bahia contabilizaram 40 óbitos de profissionais. Já o Conselho Regional de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (Crefito) registrou duas mortes.
Os técnicos de enfermagem e os enfermeiros também lideram os afastamentos por incapacidade temporária em 2020: na Bahia, foram 168 técnicos afastados (18%) do total e 56 enfermeiros (6%).
*Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro.