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Daniel Aloísio
Publicado em 1 de março de 2021 às 06:00
- Atualizado há 2 anos
Você acha mesmo que a covid-19 só ‘afeta’ os idosos? A Bahia já registra 62 casos e três mortes de crianças de até nove anos com a Síndrome Inflamatória Multissistêmica Pediátrica (SMIP), doença associada à infecção por covid-19. Esses dados correspondem ao divulgado nesta quinta-feira (18), no boletim epidemiológico da Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (Sesab) e registrados até a última terça-feira (23). >
Os três óbitos na Bahia aconteceram em 2020. O primeiro foi no registrado no dia 26 de agosto, de um menino de nove anos que morava em Salvador. Na época, o estado já tinha registrado 14 casos da doença, que começava a ser notificada em todo o país. Desde então, mês a mês, os números foram crescendo, numa média de 8 novos casos por mês. >
Em setembro, no dia 17, morreu a segunda criança no estado pela síndrome, um menino de um ano que residia em Maracás, no centro-sul baiano. Dois meses depois, em 20 de novembro, quando a Bahia já tinha 40 casos da síndrome, o terceiro óbito foi registrado, o de uma menina de sete anos que vivia em Camacan, no sul da Bahia. Essas informações são da coordenadora de imunização da Sesab, Vânia Vandenbroucke. >
Dos 62 casos registrados na Bahia, 35 ocorreram em pacientes do sexo masculino, o que equivale a 56% dos doentes, a ligeira maioria. Em relação a faixa etária, as crianças com idade que variam entre cinco e nove anos foram as mais cometidas pela doença. No total, foram 25 casos, representando 40%. Logo depois vem os pequenos de zero a quatro anos, com 21 casos (34%), os de 10 a 14 anos, com 14 casos (23%), e, por fim, os de 15 a 19 anos, com apenas dois casos (3%). >
Doença Segundo as autoridades de saúde, a síndrome é uma doença multissistêmica e que pode apresentar diversos sinais e sintomas, como febre persistente acompanhada de sintomas gastrointestinais, dor abdominal, conjuntivite, pressão baixa, dentre outros. Seu surgimento acontece durante ou depois de uma infecção pela covid-19 em crianças. “É uma doença causada por uma inflamação intensa do organismo. Ela é parecida com a doença de kawasaki, compartilham a mesma manifestação clíncia e forma de tratamento, mas tem algumas diferenças. A SMIP tem possibilidade maior de casos graves e é ligada a infecção pelo coronavírus. A criança pode precisar ser internada num leito UTI, que oferece um suporte melhor para lidar com todos os sintomas”, diz a infectopediatra Maria Claudia Luz, que faz parte da Sociedade Baiana de Pediatria (Sobape). Ainda segundo Maria Claudia, em média, 40% das crianças que são contaminadas por essa doença apresentam um quadro grave e precisam ir pro leito de UTI pediátrico. Atualmente, segundo o painel epidemiológico da Sesab, a Bahia possui 36 leitos do tipo espalhados nos hospitais Martagão Gesteira, Instituto Couto Maia, Municipal de Salvador, Estadual da Criança em Feira de Santana, Manoel Novaes em Itabuna e o Geral de Vitória da Conquista. Desses, 22 leitos estavam ocupados até as 20h dessa quarta-feira (24), o que representa uma taxa de ocupação de 61%. >
Não são todas as crianças infectadas pela covid-19 que desenvolvem a Síndrome Inflamatória Multissistêmica Pediátrica. “Na verdade, é uma doença rara e uma minoria que tem. No mundo, a cada 5 mil crianças infectadas, uma desenvolve”, explica a infectopediatra. Os adultos também podem ser acometidos pela doença, mas isso é mais raro ainda, segundo a médica. O foco das autoridades de saúde são, portanto, todas as crianças e adolescentes de 0 a 19 anos. Não há predisposição para desenvolver a síndrome. “Ela nitidamente se apresenta de uma forma diferente de como é na inflamação respiratória aguda grave. Os quadros clínicos são de fáceis distinção. A síndrome é comum em crianças com mais de 5 anos e naquelas que não têm nenhum problema de saúde e até que tiveram o covid-19 de forma assintomática. Não há uma explicação do motivo disso, mas acreditamos que se trata de uma síndrome pós-viral, fruto de uma reação exagerada do organismo ao lidar com o vírus”, explica Maria Claudia. Notificação Segundo a coordenadora de imunização da Sesab, Vânia Vandenbroucke, o estado definiu um critério para casos preliminares dessa síndrome. “Todo caso hospitalizado ou óbitos de pessoas com 0 a 19 anos com febre de mais de 38 graus e persistente por três dias ou mais, associados a pelo menos dois desses critérios: conjuntivite, pressão baixa, disfunção cardíaca, evidencia de coagulopatia e manifestações gastrointestinais. Também tem exames que fazemos que identificam marcadores inflamatórios e a infecção por covid-19, que pode ser comprovada por teste ou por critério clínico-epidemiológico”, explica. >
Esse tipo de critério é quando o paciente, por exemplo, testou negativo para covid-19, mas teve histórico de contato próximo com casos positivos. Dos 62 casos da síndrome no estado, 15 doentes tiveram o diagnóstico da doença dessa forma. “Essa notificação é feita pelos hospitais e enviada ao Lacen junto com amostras. O Lacen não faz a confirmação laboratorial, pois não existe um exame real no sentido de dar positivo ou negativo, mas sim um conjunto de exames que ajudam a confirmar a síndrome”, diz. >
Abril de 2020 foi o mês em que os primeiros casos dessa doença começaram a ser relatados no mundo, por médicos do Reino Unido. Mesmo assim, em março de 2020, logo no início da pandemia, a Bahia tem relatos de uma criança com o quadro clínico similar ao da síndrome.“Em abril não tivemos novamente, mas em maio outros quatro pacientes começaram a sentir os sintomas. Em junho evoluiu para nove pessoas. Depois 12 em julho, o ápice, oito em agosto, quatros em setembro e outubro, cinco em novembro e nove em dezembro. Em janeiro já tivemos três confirmações, mas estamos com 12 casos ainda em investigação”, relata Vania. Segundo o último levantamento feito pelo Ministério da Saúde, de 1º de abril de 2020 a 2 de janeiro de 2021, foram notificados 646 casos confirmados da Síndrome Inflamatória Multissistêmica Pediátrica em crianças e adolescentes de 0 a 19 anos. Dessas centenas de casos, 41 evoluíram para óbito, o que representa uma letalidade de 6,3% no país. >
Reino Unido País que registrou os primeiros casos da síndrome no mundo, o Reino Unido já interna mais de 100 crianças por semana com a doença, segundo informações do jornal britânico The Guardian. Segundo os especialistas consultados pelo jornal, na primeira onda da covid-19, em março, cerca de 30 crianças eram hospitalizadas por semana por conta da síndrome. Hoje, o número está por volta dos 100. No entanto, segundo a infectopediatra Maria Claudia Luz, esse aumento de casos foi proporcional ao pico de doenças que o país teve.“Não há evidencias até o momento de que as novas variantes da covid-19 tenham predisposição maior para evoluir essa síndrome”, garante. No país europeu, os dados levantados mostram que a doença começou a se manifesta cerca de um mês depois de a criança ter contraído a covid-19, independentemente de ter tido uma versão grave ou leve e assintomática da doença. Além disso, quase quatro a cada cinco crianças que tiveram a síndrome não tinham condições preexistentes e eram saudáveis. >
O que tem intrigado os médicos do país é que a grande maioria das crianças que adquirem a síndrome está vindo de grupos sociais minoritários e mais frágeis do Reino Unido. Estatísticas coletadas mostraram que, de 78 crianças que tiveram a síndrome, 47% eram afro-caribenhas e 28% asiáticas. Na população total, esses grupos representam perto de 14%. "Essa predileção em crianças de minorias étnicas fez os cientistas questionarem se há predisposição genética ou se essas populações estão mais expostas ao covid-19 pela condição social mais desfavorável economicamente. Isso é algo que a literatura ainda não sabe dizer. Mas acredita-se que seja mais por uma questão social mesmo”, explica Maria Claudia. * Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro. >