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Mario Bitencourt
Publicado em 9 de agosto de 2017 às 17:54
- Atualizado há 2 anos
“Ultimamente, o que tem tirado o sossego da gente aqui na comunidade de Iúna é a questão da droga, que vem crescendo muito. Tudo que tem acontecido [de ruim] aqui está ligado à droga. Não tenho outra versão para contar”. A declaração é de uma liderança da comunidade quilombola de Iúna, situada a 25 km de Lençóis, na Chapada Diamantina, onde no domingo (6) seis homens foram assassinados a tiros.>
Nesta quarta-feira (9), a Polícia Civil afirmou que os crimes estão relacionados à disputa por pontos de tráfico de drogas na comunidade. Duas das vítimas já tinham passagem pela polícia por tráfico.>
A liderança quilombola, que falou com o CORREIO sob a condição de não ter o nome divulgado, afirmou que “a versão da polícia [sobre motivação por tráfico para os assassinatos] está batendo”.>
De acordo com a liderança, “pelo menos dois que já tinha passagem pela polícia eram uma ameaça para a comunidade, a gente já tinha cisma deles. Agora, os outros quatro a gente sabe que eram 'usuários' de cachaça.”"Pelo menos dois que já tinha passagem pela polícia eram uma ameaça para a comunidade. (...) A gente não tem mais paz, não." (Morador e liderança quilombola)O problema do tráfico se tornou tão grave na comunidade que a liderança afirma que deseja largar o emprego que tem no local e ir embora para o povoado vizinho, Tanquinho: “A gente aqui já não tem paz mais, não”.>
Ao comentar o caso, o coordenador de Proteção ao Patrimônio Afrobrasileiro da Fundação Cultural Palmares, Tiago Cantalice, declarou que o problema de tráfico de drogas em áreas quilombolas no país “é algo muito pontual”. “Tenho acompanhado os processos de regularização no Brasil, e quase não vemos esse tipo de problema”, comentou.>
O Ministério Público do Estado (MP-BA) diz que “está acompanhando o desdobramento das investigações policiais em Lençóis e, assim que concluídas, adotará as medidas judiciais pertinentes”. Prisões Na tarde desta terça-feira, dois homens e uma mulher suspeitos de ligação com os homicídios foram presos e outros sete, incluindo o mandante dos assassinatos, o traficante Leonardo da Silva Moraes, 29, conhecido como Léo Careca, um comparsa e os cinco executores do crime, estão sendo procurados. Os suspeitos não têm advogados constituídos.>
Os presos são Indira Luanda Ferreira Barbosa, 44, a Indira Professora; Ana Paula Gomes Santos, a Ana Paula de Birau, 35; e Gilvan Santos de Jesus, 26. Eles integram a quadrilha de Léo Careca, diz a polícia.>
Na casa de Indira, “responsável pela contabilidade da quadrilha”, a polícia apreendeu pés de maconha e porções da droga já embaladas para venda.>
Ana Paula e Gilvan, que atuam, de acordo com a Polícia Civil, como olheiros e traficantes, também estavam no local, em Tanquinho, povoado de Lençóis. Todos foram autuados em flagrante por tráfico.>
Outro integrante do bando, Alef da Silva Alves, 24, responsável por levar os assassinos até o local do crime e depois dar fuga ao grupo, conseguiu escapar ao cerco policial e está foragido.>
Uma liderança quilombola de Iúna, que prefere não ter o nome divulgado, disse que os envolvidos no crime eram bastante conhecidos da comunidade e os dois que têm passagem pela polícia vinham representando uma ameaça à paz no local. Outra motivação O território do local da matança está em fase de regularização por parte do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), e por isso uma das linhas iniciais de investigação da polícia era de que as mortes foram causadas por disputa de terras. Mas as investigações policiais apontaram para o tráfico como motivação.>
O alvo principal dos traficantes era Gildásio Bispo das Neves, o Leixão, 51. De acordo com a polícia, ele controlava o tráfico na comunidade de Iúna.>
Leixão foi morto porque estava vendendo drogas para um rival de Léo Careca, conhecido como Naninho.>
Os outros mortos na chacina são Adeilton Brito de Souza, o Boga, 22, Cosme do Rosário da Conceição, 49, os irmãos Marcos Pereira da Silva, 31, e Valdir Pereira Silva, 28, e um sexto homem que a Polícia Civil preferiu não confirmar a identidade. O Incra havia informado nesta terça que esta última vítima era Amauri Pereira Silva.“Por ser uma região turística, de natureza bela, algumas pessoas se sentem convidadas a virem para cá fumar maconha.” (Mariela Silvério, delegada de Lençóis)A polícia informou ainda que o homicídio de um morador da área quilombola ocorrido dia 16 de julho na mesma área também foi relacionada ao tráfico. Porém, a vítima, Lindomar Fernandes Martins, 35, não era traficante nem usava drogas. Morreu “por estar falando demais”, afirmou a delegada de Lençóis Mariela Silvério.>
A delegada afirmou que ano passado ocorreram ao menos cinco mortes ligadas do tráfico de drogas em Lençóis. A maior parte das apreensões, disse ela, é de maconha. “Por ser uma região turística, de natureza bela, algumas pessoas se sentem convidadas a virem para cá fumar maconha”, declarou a delegada. >
Sem portaria O território quilombola de Iúna está com o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) concluso desde 2015 por parte do Incra, mas ainda não tem data de publicação da portaria que oficializa o estudo.>
Após a publicação da portaria, os interessados têm prazo de 90 dias para a contestação. De acordo com o Incra, na área do quilombo, que possui 1,4 mil hectares, estão oito fazendas, a maioria de criação de gado.>
Mais de 1.400 pessoas divididas em 39 famílias vivem na comunidade de Iúna, que recebeu em 2005 o certificado de área de remanescente de quilombo da Fundação Cultural Palmares. A certificação é o primeiro passo para dar início à regularização do quilombo – só com o certificado se pode dar entrada no Incra com o pedido de regularização fundiária.>
A Fundação Palmares informou que no Brasil há 2.958 áreas quilombolas certificadas – 736 na Bahia.>
Há 303 processos de regularização de territórios quilombolas em aberto na Bahia, sendo que 34 estão publicados (em fase avançada de regularização). No estado ainda não há nenhum território com título.>
No relatório sobre os conflitos no campo 2016, divulgado este ano pela Comissão Pastoral da Terra, foram identificados 19 territórios quilombolas na Bahia em disputa de terras com terceiros. >