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Daniel Aloísio
Publicado em 13 de julho de 2020 às 05:00
- Atualizado há 2 anos
O prefeito de Vitória da Conquista, Herzem Gusmão (MDB), foi a Brasília e se reuniu com o Ministério da Saúde com um documento em mãos: um abaixo-assinado com 124 assinaturas de médicos da cidade que solicitam o envio, pelo Governo Federal, de medicamentos para o suposto tratamento precoce e até preventivo ao coronavírus. Dentre as drogas defendidas pelo grupo, estão a cloroquina ou hidroxicloroquina, azitromicina e ivermectina.
A cidade no Sudoeste da Bahia não está só. O CORREIO identificou outros cinco municípios do estado onde o tratamento precoce é adotado com algum apoio do poder municipal: Itaberaba, Itagi, Lençóis, Jequié e Porto Seguro.
Gusmão apoia a demanda desses médicos, que desenvolveram o protocolo de tratamento com base nas “experiências positivas divulgadas por diversos profissionais em várias partes do mundo, inclusive no Brasil”, como diz um trecho do abaixo-assinado. “O que a gente vê é que é uma doença nova. Nenhum médico tem experiência com ela. Quando você tá numa guerra, você deve usar a arma que você tem”, explicou o médico Péricles Melo Prado, integrante do grupo e consultor sobre efeitos colaterais das drogas usadas.
A prefeitura de Conquista não adotou nenhum protocolo de tratamento da doença com o uso desses medicamentos. Os médicos, no entanto, possuem autonomia para receitar as drogas, caso os pacientes aceitem. Péricles, por exemplo, é contra ao uso dos remédios sem prescrição. “O médico tem que autorizar e o paciente também”, destacou.
Essa autorização do paciente é necessária por não haver nenhuma evidência científica de que esses medicamentos realmente funcionem no combate ao coronavírus. “De fato, não vamos ter trabalhos que comprovem a eficácia, pois eles levam tempo para serem produzidos. Durante a pandemia, não há tempo hábil de fazer esses estudos”, defendeu Péricles. Outras cidades Em Jequié e Porto Seguro, um protocolo foi emitido com orientações acerca do uso desses medicamentos. Já em Itaberaba, no Centro-Norte, e Lençóis, na Chapada Diamantina, as prefeituras estão se esforçando para adquirir esses remédios e abastecer as unidades de saúde para que eles sejam receitadas pelos médicos.
Um dos primeiros contaminados da cidade, o prefeito de Lençóis, Marcos Airton (PRB), admitiu a utilização da ivermectina. “Tem um médico que atende na cidade que teve o vírus e tomou o medicamento. Ele me orientou a fazer o mesmo. Tomei e, graças a Deus, não senti nenhum sintoma da doença. Diante de uma situação dessa, que não temos uma vacina, como temos esse medicamento, vamos distribuí-lo caso tenha alguém com sintoma”, afirmou. Já Porto Seguro recebeu 40 mil caixas de hidroxicloroquina, graças ao pedido de uma médica da cidade ao presidente Jair Bolsonaro, que é defensor da medicação e afirma ter usado. Lá, o protocolo que possibilita o tratamento com o uso desses medicamentos foi publicado no final de maio.
“Aqui, os médicos que receitarem a droga devem acompanhar o paciente e o surgimento de possíveis efeitos colaterais. No geral, os médicos têm obtido sucesso no tratamento”, garantiu o secretário de Saúde da cidade, Kerrys Ruas. Com pouco mais de 12,3 mil habitantes, a cidade de Itagi, no Centro-Sul baiano, também aderiu a este tipo de tratamento, que apelidou de “Kit-Covid”. De acordo com a Secretaria de Saúde do município, a medida tem o intuito de fazer com que as pessoas não precisem se deslocar até as farmácias. Os medicamentos estão sendo entregues a domicílio para pacientes com sintomas gripais.
Professor de Medicina da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb) e também prefeito de Itagi, Olival Andrade (DEM) disse que a adoção desta medida na cidade tem embasamento em seus 38 anos de carreira médica. O gestor afirmou ao CORREIO que não se inspirou em nenhum outro município e nem em estudos científicos para esta decisão. Olival reconhece que ainda não existem medicamentos que garantam a cura da covid-19, mas ainda acredita que a hidroxicloroquina tem efeitos na recuperação de pacientes se usada na fase inicial da doença. “Temos que usar as armas que a gente tem”, comentou.
O Kit-Covid é composto por caixas de medicamentos à base de substâncias como hidroxicloroquina, paracetamol ou dipirona, loratadina e ivermectina. Como a hidroxicloroquina pode resultar em efeitos colaterais, a prefeitura disse que faz cerca de dois exames de eletrocardiograma, por dia, nos pacientes sintomáticos. Até domingo (12), a pequena cidade tinha 13 casos confirmados, sendo que nove já são considerados recuperados.
Médica infectologista faz alerta para uso dos medicamentos
Para a diretora do Instituto Couto Maia (Icom), Ceuci Alves, não é possível afirmar que a cura de um paciente se deu pelo uso dos medicamentos que compõem o tratamento preventivo, uma vez que a maioria dos infectados manifestam a forma leve da doença e saem curados.“O correto é fazer um estudo clínico para observar como se comportam os pacientes que tomaram a droga e os que não tomaram. Sem esse estudo clínico, não é possível atribuir a cura ao medicamento”, explicou.Na última quinta-feira, o Instituto Couto Maia tinha ultrapassado a marca de 500 curados da doença sem a adoção do tratamento preventivo. O Icom até participou de um estudo da Organização Mundial da Saúde (OMS), a nível mundial, que verificou a eficácia da hidroxicloroquina, mas o estudo foi descontinuado. “O tratamento que utilizamos atualmente é o que tem evidência científica: uso precoce do oxigênio de forma não invasiva, anticoagulação profilática, antibióticos para infecções secundárias bacterianas, dentre outros”, contou a médica infectologista. Em nota, a Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (Sesab) esclareceu que cabe aos médicos, a partir da sua avaliação clínica, indicar os melhores tratamentos. Mesmo assim, não há recomendações ou protocolos estabelecidos institucionalmente pela pasta. “Cabe à equipe médica as decisões, tendo como base as evidências científicas e análise clínica”, informou o texto.
O médico conselheiro do Conselho Regional de Medicina do Estado da Bahia (Cremeb), Otávio Marambaia, ressaltou que não há impedimento ético do profissional receitar esse medicamento sem evidência científica comprovada, se houver o consentimento do paciente. “O que ele não pode fazer é garantir que a medicação é efetiva para a covid-19”, revelou Marambaia.
Em nota, o Sindicato dos Farmacêuticos da Bahia (Sindifarma) ressaltou que “como já foi comprovado, por meio de pesquisas, esses medicamentos podem causar eventos adversos à saúde”. A diretora do Sindicato, Eliane Simões reconheceu que está havendo aumento na procura nas farmácias. “Essa corrida está favorecendo a indústria farmacêutica e não a saúde da população”, alertou.
*Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro/ Colaborou Hilza Cordeiro