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A redenção do plástico: pandemia mostra importância de produtos descartáveis

Visto como 'vilão' da sustentabilidade, material embala produtos de higiene e está em equipamentos de proteção contra a covid

  • Foto do(a) author(a) Donaldson Gomes
  • Donaldson Gomes

Publicado em 24 de janeiro de 2021 às 11:00

 - Atualizado há 2 anos

. Crédito: Divulgação

Em 1870, o americano John Wesley Hyatt aceitou um desafio que mudaria irremediavelmente a história humana. O marfim dos elefantes, amplamente usado em todo tipo de objetos do cotidiano – candelabros, guarda-chuvas, bolas de sinuca e teclas de piano, entre outras coisas – estava se tornando escasso. Para superar a dificuldade, uma empresa fabricante de bolas de sinuca oferece US$ 10 mil para o inventor que conseguisse substituir o material orgânico. 

Em suas pesquisas, Hyatt chega a uma mistura de algodão com ácido nítrico que ele chama de celuloide, um material amarelado, capaz de tomar formas distintas. Nascia o plástico sintético e sua aplicação, embora não tenha posto fim à caça pelas presas de elefantes – proibida mundialmente apenas em 1989 –, deu ao mundo uma opção sustentável de matérias-primas.  Desde então, o desenvolvimento de novos materiais e usos têm trazido mudanças significativas para a vida humana, com desafios na mesma proporção. 

No Brasil, são produzidos por ano 8,3 milhões de toneladas de resinas termoplásticas  e 7,2 milhões de toneladas de transformados plásticos, o equivalente a aproximadamente 2,5% da produção mundial. Na Bahia, 318 empresas de transformados empregam pouco mais de 11 mil trabalhadores, segundo dados da Abiquim, que representa aproximadamente 3% do total nacional. No setor de reciclagem, a estimativa é de um total de 30 empresas, que empregam 296 trabalhadores.  

As resinas, de diversas origens num primeiro momento e posteriormente produzidas cada vez mais a partir dos derivados do petróleo, foram a base para o filme, discos de vinil, para salvar vidas com as bolsas de sangue e seringas durante a Segunda Guerra Mundial e, agora, no enfrentamento da pandemia do novo coronavírus. Alguém consegue imaginar enfrentar o isolamento sanitário sem produtos descartáveis, ou o trabalho dos profissionais de saúde, sem face shields e trajes de proteção descartáveis? Isso tudo sem falar nas embalagens para medicamentos, produtos de limpeza ou de uso sanitizante. 

Flexível, resistente, durável e com um baixo custo de produção. Com essas características, o plástico ganhou espaço na vida moderna como embalagem, utensílio e peças. A difusão do material tornou os automóveis mais leves e mais eficientes no consumo energético, permitiu novas maneiras de embalar produtos, tornando os custos com frete menores, trazendo  uma série de melhorias. Mas, tudo acompanhado de um desafio que a humanidade ainda caminha para superar: o pós-uso do plástico. Em 2016, o Fórum Econômico Mundial de Davos fez o alerta de que se nada fosse feito, em 2050 haveria mais plástico que peixes nos oceanos. 

“O sistema atual de produção, utilização e descarte de plásticos tem efeitos negativos importantes: de 80 a 120 bilhões de dólares de embalagens plásticas são perdidos anualmente. E além do custo financeiro, sem nada em troca, os oceanos terão mais plástico do que peixes (em peso) até 2050”, alertou, ressaltando que além do inestimável impacto ambiental a situação provocava graves prejuízos financeiros. 

Sempre presente  A origem da palavra plástico já diz muito a respeito da substância. O termo grego plastikos significa flexível, moldável, e era usado para definir qualquer material capaz de ser modelado por calor ou pressão para criar outros objetos. Os primeiros registros de materiais naturais sendo moldados para o uso humano datam de cerca de mil anos antes de Cristo, quando os chineses descobriram que podiam usar um verniz extraído de árvores como revestimento. Foi um dos primeiros passos numa história de evolução que ainda hoje segue em curso. 

Na última quinta-feira, por exemplo, a petroquímica Braskem anunciou uma parceria com a AlpFilm, que deu origem ao PVC Alpfilm Protect, um plástico filme transparente com micropartículas de prata e sílica capaz de inativar 79,9% do novo coronavírus em três minutos e 99,99% em até 15 minutos. O produto é normalmente utilizado para embalar alimentos como carnes, frutas e frios e agora ganha mais possibilidades de aplicação, como proteção de superfícies. Em tempos de pandemia, além da proteção contra fungos e bactérias, tornou-se capaz de eliminar vírus. 

Assim é a evolução do material. Na área da saúde, além dos produtos descartáveis para evitar contaminação e dos preservativos sexuais, catéteres, próteses e aparelhos auditivos se somam a outras inúmeras inovações que trouxeram maior expectativa e qualidade de vida para as pessoas.

No setor automotivo, design, segurança e sustentabilidade. Do tanque de combustível mais resistente e seguro, ao para-choque com mais capacidade de absorver impactos e mais resistente à corrosão, a evolução dos carros nas últimas décadas acompanhou o desenvolvimento de materiais plásticos. Com as inúmeras possibilidades, os designers conseguem desenvolver projetos mais leves, com melhor aerodinâmica e mais sustentáveis.

Mas a evolução passa ainda por soluções na construção civil, eletroeletrônicos, indústria têxtil, no setor alimentar com embalagens cada vez mais eficientes, além da agricultura, viabilizando sistemas de irrigação mais baratos ou estruturas de silo-bags, que armazenam os grãos da colheita. 

Desafios Fabiana Quiroga, diretora de economia circular da Braskem, destaca a importância de trabalhar o pós-consumo de produtivos feitos com o plástico. “O plástico trouxe vários avanços em termos de sustentabilidade pelas suas características como a resistência, flexibilidade, custo e durabilidade. Isso abriu possibilidades para uma série de aplicações”, destaca. Por essas características o produto vem se tornando cada vez mais utilizado, o que criou o desafio do que fazer após o consumo.  Fabiana Quiroga, diretora de economia circular da Braskem (Foto: Divulgação) Segundo Fabiana Quiroga, a pandemia está levando a sociedade a repensar a imagem negativa que existe em relação ao plástico.“No dia a dia, os descartáveis, cujo impacto sempre foi muito questionado, trouxeram uma segurança enorme e conforto para quem usa os serviços de delivery”, lembra. Os primeiros momentos da pandemia trouxeram um desafio para a Braskem, conta a diretora de economia circular, principalmente pela parada nas atividades da construção civil e da indústria automotiva. “Em contraponto, toda a parte de higiene pessoal, saúde e mesmo a agricultura passou a registrar um aumento”, conta. 

Em seguida, a demanda pelo produto cresceu bastante, o que proporcionou recordes de vendas em alguns meses do ano. 

Fabiana acredita que as reservas que existem em relação ao uso do plástico podem ser superadas através da economia circular, que visa reinserir produtos tratados como resíduos na cadeia produtiva, gerando cada vez menos demanda pela retirada desses materiais da natureza.“Se o plástico deixar de ser resíduo e passar a ser visto como matéria-prima, ele será a melhor solução e passará a ser reconhecido pela sociedade como a melhor solução”, acredita. Ainda há um longo caminho neste sentido, que precisa ser trilhado também com o apoio dos consumidores. A partir do momento em que houver uma destinação adequada dos produtos após o seu uso e o desenvolvimento por parte da indústria da cadeia do pós-consumo, a tendência é que a imagem de “vilão” comece a ficar para trás. “Você vê uma vilanização do produto em uma ou outra aplicação sem olhar o todo. Temos que reconhecer que há um impacto em termos de resíduos. É importante fazer uma reflexão sim, mas a pandemia mostra que até os descartáveis são importantes se usados corretamente”, avalia. 

“Quantas cidades e até países tiveram que voltar atrás nas restrições ao plástico? As sacolas de reuso trazem mais riscos de contaminação que as descartáveis. Se tivéssemos banido totalmente, não teríamos indústrias produzindo e não teríamos essa opção agora”, pondera Fabiana. 

Soluções Os investimentos na produção do plástico a partir de matrizes sustentáveis e na ampliação da estrutura para a reciclagem dos materiais deverão crescer exponencialmente, projeta Fabiana Quiroga, diretora de Economia Circular da Braskem. 

“A gente tem trabalhado em produtos sustentáveis por dois caminhos. Por um lado, produtos de origem renovável, vindo da cana de açúcar, e investimento também em conteúdos recicláveis”, explica. No caso dos produtos de fontes renováveis, atualmente a empresa tem uma capacidade de produção de 200 mil toneladas por ano, graças a um investimento em 2010. Este volume representa 9,5% do total de bioplásticos produzidos no planeta, segundo dados da Associação Brasileira da Indústria do Plástico (Abiplast).  Braskem possui uma linha para a produção de 'plástico verde', a partir da cana de açúcar (Foto: Divulgação) Em relação ao total de produtos da Braskem, o percentual atual é pequeno, reconhece Fabiana Quiroga, mas deve crescer bastante até 2050, quando a empresa pretende se tornar neutra na emissão de carbono. 

Na outra frente, a empresa tem a meta de atingir 300 mil toneladas de produtos recicláveis até 2025 e 1 milhão de toneladas em 2030. “Nos próximos dez anos vamos alcançar um volume importante de material de origem renovável ou recicláveis”, projeta. “O impacto não é só de responsabilidade da indústria. Passa pelo indivíduo, pelos municípios fazendo a coleta, mas em muitos lugares as pessoas não tem nem saneamento básico. O que eu reforço no papel da indústria é que ela tem uma responsabilidade também e durante muitos anos se pensou que era responsabilidade do consumidor e do poder público”, reconhece.  Ela explica que a busca por uma atuação mais sustentável está modificando inclusive a área de design das embalagens. “É preciso avaliar os impactos ambientais durante a produção e uso, mas também depois. Temos que pensar em trazer de volta o produto depois da sua utilização. E essa parte do design sempre foi, mesmo nas universidades, nas áreas de marketing, focado em performance e em mercado – preocupação em chamar a atenção do consumidor, com muitas cores e com o formato. Mas é preciso olhar mais para a sustentabilidade. É uma tendência”, acredita.  Fábricas do Grupo Raymundo da Fonte, que tem uma unidade em Salvador, usam 22% de materias-primas recicláveis (Foto: Aurélio Alves/Divulgação)  Em busca de uma atuação sustentável, o Grupo Raymundo da Fonte, dono das marcas Brilux, Minhoto, Even e Sonho, já financiou, desde 2019, a reciclagem de 3,6 mil toneladas de plástico, o que equivale a 22% das suas embalagens plásticas.

A iniciativa acontece em parceria com o projeto socioambiental EuReciclo, que conecta a indústria às cooperativas de reciclagem, gerando renda e sustentabilidade através da coleta, triagem e destinação de embalagens descartadas. Neste período, a empresa repassou R$ 319 mil para 17 cooperativas, em 12 estados brasileiros, incluindo a Bahia.“Através da parceria com a EuReciclo, estamos conectados a uma cadeia produtiva de cooperativas e catadores, que vivem através dessa renda e nos ajudam a dar um destino sustentável às embalagens plásticas”, comentou Hisbello de Andrade Lima Neto, superintendente do Grupo Raymundo da Fonte.“O uso do plástico nas embalagens traz muitas vantagens. Algumas delas são a durabilidade, a praticidade e o custo mais barato, o que é bom tanto para a empresa quanto para o consumidor”, diz Lima Neto, sem esquecer dos desafios ambientais, uma vez que pode ser produzido “a partir de recursos não renováveis, gerar poluição no descarte incorreto e liberação de resíduos tóxicos na queima incorreta”. 

No Grupo Raymundo da Fonte, os esforços são no sentido de utilizar a menor quantidade possível do produto nas embalagens, além de aumentar cada vez mais o uso de materiais recicláveis e assim reduzir o uso do “plástico virgem” nos processos. 

Uma breve história do plástico sintético nos últimos séculosA descoberta de novos materiais plásticos alterou o modo de vida dos seres humanos nos últimos anos. Novos objetos se popularizaram criando hábitos e uma vida diferente 1839 Borracha Embora, a borracha já fosse conhecida pelo menos desde o século XIX, em 1839 Charles Goodyear criou o processo de vulcanização da borracha, que transformava o material natural em um produto mais resistente às mudanças de temperatura. Doze anos depois, ele patenteia e comercializa a ebonite, material produzido pela vulcanização da borracha usando excesso de enxôfre. É uma resina dura, escura e brilhante usada por mais de 100 anos na fabricação de bolas de boliche e placas para uso dentário, neste caso com cor rosada. Foi o primeiro material termofixo usado comercialmente e envolveu a modificação de um polímero natural. 1870 Celuloide Em 1870, o americano John Wesley Hyatt produziu celuloide, considerado o primeiro plástico industrial, a partir da celulose das plantas.  Entre as suas mais conhecidas invenções, o composto era um substituto do marfim para a produção de bolas de bilhar. Ele recebeu um prêmio de US$ 10 mil, instituído por Michael Phelan em 1863 devido ao custo do marfim e às preocupações com sua escassez.  o marfim de elefantes era amplamente usado para produtos cotidianos, como candelabros, guarda-chuvas, bolas de sinuca e teclas de piano. O marfim é obtido dos dentes caninos de animais como elefantes, morsas e hipopótamos. Era muito utilizado na fabricação de colares, enfeites e outros objetos.  1904  Celofane  No ano de 1904, na França, o químico Jacques Brandenberger teve a ideia de substituir as toalhas de mesa por uma capa plástica capaz de facilitar a limpeza e higienização. Foi a criação do Celofane, um polímero natural derivado da celulose. Tem o aspecto de uma película fina, transparente, flexível e resistente a esforços de tensão, porém muito fácil de ser cortado.

1907 Bakelite  Em 1907, o químico belga naturalizado americano, Leo Baekeland (1863-1944) criou o primeiro plástico totalmente sintético e comercialmente viável, o Bakelite. Começava a era dos plásticos modernos, feitos à base de petróleo, carvão e gás natural. 1909  Descartáveis  Em 1909 surge o descartável, que vem atender a legislação americana que proibia o uso de xícaras comunitárias em veículos do transporte público, como os trens, o que evitava a disseminação de doenças.

1930 Novos polímeros  Na década de 1930, os fabricantes aprenderam a produzir poliestireno, polímeros acrílicos e poli (cloreto de vinila) a partir do petróleo. Em segundo lugar, a moldagem por injeção deixou de ser um problema e tornou-se totalmente automática em 1937.

1938 Vestimentas  Em 1938 a Poliamida (nylon®) foi inventada, novo passo foi dado pelo plástico em direção à intimidade e ao corpo humano. O plástico entrou no âmbito da moda, do estilo e da elegância. 1940 Transfusões de sangue A partir da década de 1940, as bolsas de sangue e seringas descartáveis de plástico passaram a ser usadas para salvar vidas. Inicialmente os produtos foram usados na Segunda Guerra Mundial, mas depois os produtos descartáveis mudaram irreversivelmente as rotinas de saúde. 

1960 Novos usos  Nos anos 60, o plástico atingiu seu ápice em termos estéticos. Móveis, lustres, utensílios, tecidos, acessórios, tudo poderia - e deveria - ser de plástico: colorido, chamativo, de formato exótico e acabamento perfeito. Durante muitos anos, o plástico foi referência estética, visual e de bom gosto. O plástico chegou com apelo futurista, arrojado, dinâmico e alinhou o Brasil à modernidade do mundo. Além disso, a corrida espacial começa nos anos 60 e os plásticos aparecem como importante material na produção de componentes para naves espaciais. Seu baixo peso e versatilidade fazem dele um material fundamental para o sucesso da exploração espacial.

1980 Automóveis Os meios de transportes começam a utilizar maior quantidade de conteúdo em plástico que alcança 11% em 1988. Além disso, houve avanços também para os aviões. O primeiro teste de um avião todo produzido em plásticos é realizado neste ano. Nesta década, os hábitos de compras mudaram muito com o surgimento dos super e hipermercados no Brasil, e com eles, veio a redução da compra de alimentos frescos. Os plásticos são desta forma, muito usados nas embalagens e são essenciais para manter o frescor dos produtos que compramos.

1990  Novas demandas  Embora os plásticos já fossem considerados materiais “maduros” houve novos e importantes desenvolvimentos durante este período. As demandas dos consumidores por produtos com maiores tempos de prateleira e frescor levaram ao desenvolvimento de sofisticados filmes multicamadas que eram frequentemente mais finos que seus antecessores menos eficientes. Com o aumento da ênfase na proteção ao meio ambiente, novas técnicas foram desenvolvidas para recuperar e reciclar os produtos plásticos ao término de sua vida útil.