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Da Redação
Publicado em 27 de março de 2019 às 05:00
- Atualizado há 2 anos
A sanha desenvolvimentista não pode ver uma ilha que logo quer uma ponte. E com Itaparica não poderia ser diferente. O sonho de uma ponte para lá é antigo, e se confunde com o projeto do ferry, que tinha como uma das ambições transformá-la num grande destino turístico. O que aconteceu, porém, foi justo o contrário. Com o ferry, Itaparica, que era uma joia do destino Bahia, se favelizou, estancando o turismo que migrou para o Litoral Norte, e também para Morro de São Paulo na vizinha Tinharé, que segue se desenvolvendo sem pontes ou ferries.
Mas, mesmo com tamanha evidência, o governo continua propondo a ponte. Afinal, se os cariocas fizeram a Rio-Niterói, por que é que não se pode fazer o mesmo? É incrível que esse raciocínio siga sendo considerado por muitos dos que defendem a ponte. Como se sabe, Itaparica e o que vem depois nem de longe tem a dimensão de Niterói e suas conexões. Ou seja, não tem fluxo que justifique uma ponte.
Face a essa realidade, a defesa da ponte supõe que, com a mesma, virá o desenvolvimento e também o fluxo. Mas virá mesmo? Com o ferry não veio, e a iniciativa privada parece não acreditar em nada disso. Tanto que, para viabilizar a ponte, o governo se compromete a aportar nada menos que um quarto do investimento previsto para a SPE exploradora. Ou seja, o setor privado, possivelmente chinês, entraria apenas com três quartos do total.
Sendo a Bahia um estado pobre, é difícil aceitar que se aloque R$ 1,2 bilhão de recursos públicos em uma ponte que sequer possui viabilidade econômica. De outro lado, voltando à ponte Rio-Niterói, cabe notar que a mesma foi construída no auge do rodoviarismo, o que é completamente distinto dos dias atuais. Hoje, qualquer pessoa minimamente informada sabe que os carros têm os dias contados. Num horizonte de cinco a dez anos serão drasticamente reduzidos, sendo substituídos por autômatos compartilhados e articulados a sistemas metroviários. Paralelamente, também o rodoviarismo de carga encolherá significativamente, sendo substituído por modernos sistemas ferroviários e de cabotagem.
Ou seja, a ponte, em sendo necessária, deveria ser metro-ferroviária – nunca rodoviária. É de fato um absurdo o que está se propondo, mas os problemas não param aí. Ocorre que, para tornar a ponte viável, o governo, além de entrar com parte dos recursos, mudou o projeto anteriormente pensado. Em linhas gerais, pegou-se o vão central de 125 metros de altura e 550metros de largura, e reduziu-se respectivamente para 85 e 450metros. Como se observa, para reduzir o investimento, literalmente encolheu-se o vão central, como se isso não tivesse importância. Só que tem importância, muita importância. É inacreditável que isso tenha sido feito por uma equipe técnica, em tese séria, e esteja sendo proposto pelo governo.
Com essas novas dimensões, de acordo com especialistas da área, uma série de plataformas e navios sonda simplesmente não poderão entrar, e nem sair montados no caso de serem feitos aqui. De outro lado, com a nova largura, navios de carga mais modernos já não poderão transitar em mão dupla, com velocidade e segurança adequadas. E os navios, como é sabido, seguem crescendo, com o que, dado traçado do projeto, as restrições ocorrerão também no Porto de Salvador/Tecon. Cria-se, assim, um verdadeiro gargalo que mata todo o futuro industrial e logístico da BTS e seu entorno. Ou seja, mata todo o futuro da Bahia. Vale a pena?
Marcus Alban é engenheiro, doutor em Economia pela USP e professor titular da Escola de Administração da Ufba
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