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Da Redação
Publicado em 2 de junho de 2019 às 05:00
- Atualizado há 2 anos
Ter arma não garante segurança
Liberar a utilização de armas não é política de segurança. Esse deve ser o primeiro entendimento, antes de qualquer posicionamento sobre ser a favor ou contra o porte de armas. Até porque ter uma arma na mão não garante segurança a ninguém.
O risco do mau manuseio, a responsabilidade de se guardar em um local seguro, principalmente quando se convive com crianças e adolescentes; a necessidade de treinamento constante; tudo isso deve ser levado em conta.
Se andar armado promovesse segurança, policiais e outros profissionais das Forças Armadas não morreriam, diariamente, no mundo! Logo, a discussão deve ser muito mais aprofundada.
Qual a necessidade de se obter uma arma de fogo, o objetivo da aquisição e os parâmetros técnicos e psicológicos necessários para que seja utilizada de forma correta? Com base em quais critérios será estabelecida a quantidade por pessoa? E o perigo do desvio desse material, que pode ir parar nas mãos de criminosos? Quem vai se responsabilizar por todos esses riscos?
Esses são apenas alguns dos questionamentos que deveriam ser feitos a quem pensa em adquirir uma arma que, aliás, não pode ser qualquer uma e a qualquer um. Ou será que todos têm estrutura psicológica para portar de maneira sóbria um fuzil diante das adversidades do dia a dia?
Os inúmeros registros de crimes passionais no trânsito e em outras esferas, cometidos por outros meios, mostram que não. Uma coisa é permitir a possibilidade de ter uma arma, mas com requisitos técnicos bem definidos, com a demonstração clara e objetiva da necessidade da utilização. Outra é admitir que qualquer cidadão adquira a sua e faça uso. Isso traz insegurança para a população, que ficará ainda mais exposta.
Não só ao bandido, mas também ao “cidadão de bem”, que se sentirá seguro para agir em situações nas quais não tem capacidade técnica e psicológica. Não há dúvidas de que essa permissividade indiscriminada é uma tragédia anunciada.
As próprias polícias já buscam a diminuição dos calibres em ações nas áreas urbanas. Logo, nos deparar com um decreto que permite não só a posse, como o porte de um fuzil nas ruas é, no mínimo, preocupante. Sorte dos brasileiros, o apelo da própria população fez o decreto ser revogado.
Precisamos sim, rever de que forma o Governo Federal pode contribuir com os estados na luta diária e incessante contra a violência e os grupos que a promovem. Como deve fomentar a educação e brigar pela manutenção da vida dos nossos jovens. E, principalmente, como deveria assumir a sua parcela de responsabilidade, visto o baixíssimo investimento na área nos últimos anos em todo o país e a ausência de uma Política Nacional de Segurança Pública.
Maurício Barbosa é delegado da Polícia Federal, secretário de Segurança Pública da Bahia
Em busca da justiça e da paz
Os problemas do Brasil são muitos e graves, e em qualquer campo. Mais do que nunca é necessário um mutirão, envolvendo o maior número possível de pessoas para enfrentá-los. São tantos os nossos problemas que precisamos escolher prioridades.
Critério para essa escolha são perguntas do tipo: Quais são nossos problemas mais importantes? Quais os que provocam maiores consequências? Que iniciativas devem ser tomadas para se atacar suas causas?
Um tema tem sido discutido e defendido por muitos: a possibilidade de todo cidadão brasileiro poder andar armado. Os que defendem essa ideia dizem que para se acabar com a escalada da violência é preciso rever o Estatuto do Desarmamento e reconhecer que o porte de armas é um “direito” dos cidadãos.
Por outro lado, os que defendem o Estatuto do Desarmamento lembram que ele tanto impõe restrições ao porte de armas por civis como também especifica crimes de comércio ilegal e tráfico internacional de armas de fogo, e amplia as penas para o porte de arma em situação irregular. Portanto, nossos problemas nesse campo não estariam tanto na Lei em vigor, mas em sua não aplicação.
A impunidade é um câncer que causa imensos estragos. Mais: para se ter uma ideia concreta sobre o resultado do Estatuto do Desarmamento, é necessário comparar o crescimento das taxas de homicídio antes e depois de sua entrada em vigor. Nos Estados Unidos, onde é fácil a aquisição e o porte de armas, temos repetidos massacres de civis e um grande número de suicídios (600 mil desde 2000; entre eles, 20 mil menores de idade; 50% foram cometidas com armas de fogo). É isso que queremos para o nosso país?
A questão da segurança pública é grave e urgente, precisa ser amplamente debatida e deve envolver toda a sociedade, sem nos deixar levar por argumentos emotivos. Não nos esqueçamos: não se resolve problemas complexos com respostas (ou propostas) simples.
A paz, lemos na Bíblia, é fruto da justiça (cf. Is 32,17). A justiça, que é sempre fruto de uma longa construção, é que deve ser um tema prioritário em nossas discussões e decisões.
Dom Murilo Krieger é Arcebispo de Salvador e Primaz do Brasil
Três provas de fogo para o novo decreto
A parte da população que sentiu-se contemplada com o novo Decreto sobre armas deve atualizar sua lista de exigências junto ao Governo, ao Congresso e à indústria armamentista.
A primeira demanda dessa lista é a maior rigidez na renovação do registro das armas. De antemão, é preciso saber que o atual Governo, nos primeiros dias de exercício do mandato, mudou o tempo necessário para renovar o registro das armas de cinco para dez anos.
A renovação exige do proprietário ausência de antecedentes criminais, ocupação lícita, comprovação de capacidade técnica e de aptidão psicológica. O alargamento do prazo da validade do certificado pode afetar a capacidade do indivíduo para o uso da arma.
O segundo ponto da lista é cobrar da indústria armamentista um mecanismo de rastreamento integral das munições. O Brasil é o quinto maior exportador de munição do mundo, mas, segundo o Exército, apenas 23% das munições vendidas no país podem ser rastreadas. O controle ocorre apenas nos cartuchos destinados aos órgãos públicos.
Civis, clubes de tiro, empresas de segurança e transportadoras de valores compram munição sem identificação. Com a ausência de gravação nos cartuchos, é impossível determinar a origem do material ou o comprador. Isto prejudica a resolução de crimes e a elucidação da dinâmica dos desvios de armamentos.
O terceiro item refere-se à adequação das normas de fabricação e comercialização de coletes balísticos e blindagem veicular de uso permitido para civis, uma vez que o Decreto, ao tornar permitidas armas curtas anteriormente restritas ou proibidas, ampliou o chamado poder de fogo (dispersão de força cinética).
Agora, estão sem eficácia plena dois dos três níveis de blindagem usados em larga escala pela população. Ou seja, somente os coletes e blindagens veiculares de nível IIIA permanecem plenamente eficazes.
Estes pontos reforçam a necessidade de cautela. Até porque, o novo Decreto esbarra em pesquisas que associam o acesso a armas com o aumento de crimes, lesões acidentais em proprietários de armas, suicídios, feminicídios e mortes acidentais de crianças.
Diante do risco à vida, qualquer ponderação favorável às armas deve ser bem refletida para não soar inconsequente.
Constantino Palmeira é advogado especialista em armas de fogo pela Academia Militar das Agulhas Negras
Armas contra a violência
O debate sobre armas de fogo no Brasil está longe de ser novidade. Desde 2003, com a promulgação do chamado Estatuto do Desarmamento e a previsão de um referendo em 2005 para manter ou proibir seu comércio, o assunto é recorrente nas discussões sociais, mesmo se tendo, àquela época, colhido uma opção clara da população a favor do acesso a esses artefatos (64% do eleitorado).
Agora, com as novas regulamentações publicadas pelo Governo Federal, o tema volta com destaque às pautas nacionais, sobretudo para tentar mensurar quais serão seus reais impactos.
A tônica do debate costuma ser caracterizada por generalidades, buscando uma posição abstrata sobre benefícios ou malefícios das armas. E é justamente aí que se perde a oportunidade de detalhar tecnicamente esse assunto.
Sob uma concepção abstrata, o acesso às armas de fogo pelo cidadão não é bom ou ruim. Essa análise precisa ser feita sob o prisma da adequação, ou seja, a partir de um diagnóstico da violência social, em face do qual se definirão as políticas voltadas à sua redução.
No Brasil, esse diagnóstico de violência tem uma raiz clara: a criminalidade recorrente e impune. É dela que resultam os já mais de 63 mil homicídios oficialmente registrados ao ano (DATASUS/2017), e não de ações do cidadão comum.
Este, desarmado que foi, tornou-se vítima fácil dos criminosos, para os quais uma lei que proíbe o acesso às armas tem o exato mesmo valor daquela que proíbe roubar ou matar: nenhum. Não por outra razão, mesmo com o forte desarmamento brasileiro, o uso de armas de fogo nos homicídios só cresce, ultrapassando os 74% (idem). São os que têm por hábito violar a lei que as usam.
Em um claro contexto em que a violência tem raiz na forte criminalidade habitual, o direito de acesso às armas passa a ser um aliado para a sua contenção, criando no delinquente um fator de inibição às suas investidas.
Afinal, se o Estado não consegue impor temor suficiente no criminoso pelas punições que lhe cabe aplicar, torna-se adequado que este receie, ao menos, a possibilidade de reação de suas vítimas.
Fabrício Rebelo é Jurista, escritor e Coordenador do Centro de Pesquisa em Direito e Segurança