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Hilza Cordeiro
Publicado em 25 de julho de 2021 às 07:00
- Atualizado há 2 anos
Quem analisa a covid-19 e olha os gráficos todos os dias sabe que não há razão ainda para o brasileiro estar tranquilo a respeito da pandemia. A comunidade científica tem feito novos alertas sobre a chegada da variante Delta, mas parece que, mais uma vez, alguns avisos estão entrando por um ouvido e saindo por outro.
O país desacreditou da ciência no fim de 2020 e logo veio uma segunda onda ainda mais forte, que nos levou à marca de 500 mil mortos. A Delta é a mais nova preocupação por ser a cepa mais transmissível de todas e porque vem fazendo países europeus que tinham "superado" a covid-19 voltarem a impor restrições.
Os divulgadores científicos têm alertado para o risco desta cepa diante das flexibilizações e da baixa cobertura vacinal no país. Felizmente, até agora, todas as vacinas têm mostrado proteção contra a Delta, conforme diz a Fiocruz, mas atualmente só 17% dos brasileiros estão com a imunização completa contra a covid-19.
Ao todo, 135 casos e cinco óbitos tinham sido registrados no Brasil em nove estados até quinta, segundo o Ministério da Saúde. A Bahia ainda não tem casos desta mutação, mas por temer a chegada, a Prefeitura de Salvador decidiu mudar as estratégias de vacinação, ampliando os mutirões de segunda dose e antecipando em quase uma semana a data de aplicação. A gestão também cancelou a realização de um evento-teste com 500 pessoas.
Apesar disso, a própria Secretaria de Saúde da Bahia (Sesab) admite que não há como impedir a chegada da variante ao estado, já que há transmissão comunitária dela no país. O que se pode fazer é apenas controlar a disseminação quando ela chegar, afirmam. A cepa pode colocar muito a perder no pequeno avanço brasileiro na imunização e gera frustração nos cientistas, que se desgastam em esforços individuais na tentativa de alertar.
Sem uma comunicação centralizada e efetiva do governo quanto à covid-19, a galera da ciência tem se visto, desde o início, diante da necessidade de usar seus canais individuais para munir as pessoas de informações e alertas para que elas possam tomar decisões no dia a dia, inclusive nesta fase, lembra Isaac Schrarstzhaupt, coordenador de dados de um dos maiores coletivos de pesquisa sobre a pandemia, o Rede Análise Covid-19.
Agora, com mais de 16 meses sob pandemia e frente à possível onda de piora com a Delta, é natural que alguns divulgadores científicos já estejam um tanto cansados e até receosos de fazer novas projeções sobre o que se pode assistir nos próximos dias por conta desta cepa, caso a vacinação não seja acelerada.
Depois de tanto tempo nestas condições, Isaac admite uma fadiga no trabalho de analisar o cenário da doença, mas não deixa de fazer alertas sobre os riscos que ainda corremos, mesmo a contragosto de quem esqueceu deles.
Médica infectologista e pesquisadora da Fiocruz Bahia, Fernanda Grassi menciona que, por causa do volume de desinformação e pela falta de orientações claras e corretas, passou a dar entrevistas quase diárias na imprensa para ajudar a população a se proteger.
Para ela, há uma satisfação em poder ajudar, em fazer parte do combate, mas há um cansaço em ter essa atividade extra, de informar, como mais uma demanda entre tantos outros trabalhos. “Então, mesmo cansada, eu falo, faço divulgação porque a vida das pessoas importa”, diz.
Grassi explica que, de fato, a vacinação está acontecendo no país, mas ela ocorre em ritmo aquém da capacidade do sistema. É lenta. Então, em função disso, este mínimo avanço da imunização no Brasil é considerado frágil. Se a variante Delta se espalhar e escapar das vacinas, podemos ter uma situação pior do que no ano passado, avalia ela. Além do mais, se o vírus se modificar novamente, será cada vez mais difícil controlá-lo.“A situação atual mostra uma diminuição de casos, mortes e ocupação de UTIs, mas ainda são altos patamares, alguns até maiores do que no ano passado. A vacinação certamente foi responsável por essa queda. Mas, ao mesmo tempo em que a gente tá caminhando para essa melhora, surge essa nova variante. Estamos numa situação de risco, muito do nosso avanço pode se perder e precisamos que compreendam que a pandemia não acabou”, diz.Nas redes deles Para que as vacinas que dispomos ofereçam proteção contra a cepa indiana, é necessário tomar as duas doses. Pelo Twitter, a epidemiologista Ethel Maciel, professora da UFES, explicou que, por isso, a Delta exige mudanças na ação dos municípios, necessitando de ampliação do número de pessoas com a segunda dose da vacina. Para tanto, ela sugere fazer busca ativa das pessoas que não compareceram à 2ª dose, vacinar esses faltosos e diminuir o intervalo entre as doses — o que já se mostrou eficiente no Reino Unido.
Os cientistas estão num esforço individual, tentando avisar às pessoas sobre todas essas questões, reforçando a importância de se vacinar para um retorno definitivo à normalidade.
No tumulto das fake news, alimentadas até mesmo por autoridades e lideranças, continua sendo árduo explicar estes novos assuntos porque os divulgadores científicos também precisam permanecer batendo em temas que há muito não são mais pauta em países que aprenderam a controlar a epidemia. “Parece um disco riscado”, compara Isaac.
A médica Viviane Boaventura, pesquisadora da Fiocruz Bahia e professora da Ufba, crê que ao menos tem ocorrido boa aceitação da vacinação e isso é fruto de uma boa comunicação das ciências, com suporte da imprensa. Pelas ocorrências de aumento das taxas de casos e óbitos pela Delta em outras nações— como Reino Unido, Indonésia, França e Espanha — é urgente que se amplie e acelere a imunização para reduzir o impacto dessa variante.
O Ministério da Saúde informou que os casos da cepa indiana registrados aqui, bem como seus contatos, estão sendo monitorados pelas equipes de Vigilância Epidemiológica de cada lugar.
O órgão reforçou que tem passado orientações para que municípios e estados intensifiquem o sequenciamento genômico dos casos positivos de covid-19, rastreando contatos, e disse ter dado instruções de isolamento de casos suspeitos e confirmados, além de notificação imediata e medidas de prevenção em áreas de circulação de variantes.
A infectologista Raquel Stucchi, professora da Unicamp, não vê fundamento para crer que o que está acontecendo nos países europeus e na Indonésia será diferente no Brasil. Stucchi avalia que será curta essa nossa “lua de mel” com as reduções de casos e internações.
O que ela imagina é que os brasileiros deverão ter um atraso na percepção do provável novo surto de casos, já que o país testa tão pouco, e há um período de semanas entre a infecção e a necessidade de internamento.“Devemos ter um novo período de grandes dificuldades no atendimento à população e dificuldade para os profissionais da saúde, que já estão absolutamente cansados do ponto de vista físico e emocional”, analisa.O mensageiro e a mensagem Pesquisadores lamentam que a dimensão dos problemas e a saída para eles não estejam sendo dadas efetivamente pelo governo federal. Há uma frustração com a falta de postura. O professor Carlos R. Zarate-Bladés, pesquisador do Laboratório de Imunorregulação, da UFSC, reforça que “ a voz do governo certamente é muito mais ouvida e faz mais diferença do que o trabalho singular”.
Pesquisador de inferência causal na saúde, Marcel Ribeiro-Dantas, do Institut Curie, na França, explica que o desânimo costuma bater, às vezes, porque o que os divulgadores científicos fazem é “um trabalho de formiguinha frente a um mar de desinformação”. Como as redes sociais viraram ambientes de conflito, com pessoas protegidas pelo anonimato e distância, também não são raros os ataques que cientistas e divulgadores vêm sofrendo.“Fui ameaçado e xingado por pessoas com pouca ou nenhuma educação científica. Isso nunca me deu medo, só mais força para continuar atuando. Meu compromisso é com a comunidade, não com haters”, acrescenta o físico Leandro Tessler, professor da Unicamp e membro do Grupo Infovid.“Há um misto de informações conflitantes de governantes com o cansaço, e quando as informações científicas não são animadoras, alguns confundem o mensageiro com a mensagem”, diz Viviane Boaventura, da Fiocruz Bahia.
Em meio ao desgaste, há também muita coragem de enfrentar o negacionismo e alguns cientistas “incansáveis” escreveram seus nomes na história da divulgação científica.
Entre os entrevistados, são unânimes os nomes de Natália Pasternak, Átila Iamarino, Miguel Nicolelis, Pedro Hallal e Margareth Dalcolmo. Na Bahia, o destaque vai para o coletivo Rede Covida, parceria entre Ufba e Fiocruz.“Se as coisas foram contidas num certo nível no nosso país, isso foi graças à ciência. Como sociedade, tomara que consigamos aprender isso, que um país para ser respeitado, com personalidade definida perante às outras sociedades, precisa produzir seu conhecimento e este conhecimento é feito com ciência séria”, resume Zarate-Bladés.O que podemos comemorar O que ainda deveria preocupar As vacinas já existem e, até agora, as que estão disponíveis no país se mostraram eficientes contra todas as variantes identificadas por aqui, principalmente contra casos graves e morte A variante Delta é mais transmissível do que todas as outras e já tem feito países europeus e do sudeste asiático se assustarem com novos surtos, voltando a adotar restrições. A cepa já circula em nove estados brasileiros De junho a dezembro de 2021, estão previstas para chegar 501 milhões de doses de vacinas, segundo o MS, mas essas projeções podem sofrer alterações Infelizmente, em todo lugar, ainda há pessoas que não querem se vacinar e que estão sujeitas à desinformação sobre a importância das vacinas. O uso incorreto de máscaras continua ocorrendo 46,3% da população tomou a primeira dose ou dose única de alguma das vacinas contra a covid-19 Somente 17% da população está totalmente vacinada com as duas doses ou com vacina de dose única Conhecemos melhor a doença, sabemos a forma de nos proteger e os profissionais de saúde estão melhor habilitados na forma de atuar. Com mais experiência e equipamentos disponíveis, as chances de sobrevivência de pacientes são maiores Relaxamento dos cuidados baseado na ideia de que o "o pior já passou", com pessoas circulando, ainda pode acabar gerando uma nova variante ou alguma outra modificação que venha a piorar a pandemia Apesar das fake news que atrapalharam o processo e de falas negacionistas de governantes, a aceitação e procura pelas vacinas é considerada boa Vacinação lenta em relação à capacidade do SUS e há baixo nível de testagem dos casos suspeitos, bem como pouco rastreamento das cepas entre a população, dificultando a contenção da disseminação Profissionais da saúde não “fugiram” da missão de contribuir no combate à pandemia; país não teve abandono de serviço mesmo em condições degradantes de trabalho Autoridades e lideranças públicas continuam propagando discursos negacionistas Cientistas e divulgadores científicos ganharam relevância diante da pandemia, contribuindo para a popularização da ciência O inverno, que no Brasil dura até setembro, traz maior risco à transmissão do vírus porque as pessoas ficam mais juntas e com janelas fechadas. Festas clandestinas também continuam ocorrendo. Pouca coisa mudou no transporte público para garantir menos risco à população, que já necessita voltar ao trabalho e se expões, muitas vezes, em espaços sem ventilação natural Fontes: Entrevistados da matéria, Ministério da Saúde e Our World in Data