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Da Redação
Publicado em 12 de novembro de 2020 às 05:06
- Atualizado há 2 anos
Em 11 de dezembro de 1998, uma fábrica de fogos explodiu em Santo Antônio de Jesus, causando a morte de 64 pessoas e lesões graves em 6. Mulheres, crianças e adolescentes, em sua maioria negros, conformavam a força de trabalho na fábrica de fogos que explodiu. As condições de precariedade e insalubridade eram de conhecimento público na cidade. As trabalhadoras recebiam R$ 0,50 pela produção de mil traques de massa.
A mão-de-obra da fábrica de Vardo dos Fogos era oriunda dos bairros pobres da cidade, Irmã Dulce e São Paulo. Os moradores desses bairros eram discriminados, sendo considerados pouco confiáveis; só restava a eles o trabalho na fabricação de fogos.
As vítimas nunca receberam nenhuma reparação, por parte do Estado e nem dos responsáveis pela explosão, uma influente família da cidade. A ressalva é um acordo celebrado em que lhes foi destinado pouco mais de vinte mil reais, só concluído ano passado, depois de muito atraso dos réus.
As ações cíveis contra a União e o Estado da Bahia seguem pendentes. As ações trabalhistas foram procedentes, porém não foram executadas pela suposta ausência de bens. A ação criminal, já transitada em julgado, chegou ao STF, mas não foi executada por um Habeas Corpus que anulou o julgamento em segunda instância.
A face mais evidente do racismo brasileiro se manifesta nas estatísticas de quem o Estado encarcera e mata pela violência policial, nas periferias do país. Porém, uma outra dimensão invisibilizada consiste nas pessoas que o Estado deixa morrer.
Esta realidade foi reconhecida no último 26 de outubro, pela sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que condenou o Brasil pela explosão e pela ausência de medidas para reparar efetivamente as mais de cem pessoas que foram vítimas diretas e indiretas da explosão em Santo Antônio de Jesus.
Ao reconhecer a situação de desigualdade interseccional que atravessava as vítimas da fábrica de fogos, a Corte traz a lume às discussões pautadas pelo Movimento Negro e entidades de direitos humanos sobre o racismo estrutural, em nome do qual o Estado Brasileiro deixa morrer, seja pela não fiscalização das condições mínimas de trabalho, seja padecendo dos efeitos de uma justiça mal administrada.
Celebramos a decisão histórica da Corte Interamericana, pela possibilidade de justiça e reparação para os familiares e sobreviventes da explosão da fábrica de fogos de Santo Antônio de Jesus. Esperamos que este importante precedente seja considerado pelos tribunais brasileiros, no exercício do controle de convencionalidade.
Raphaela Lopes é formada em Direito pela UFBA e atua como advogada na Justiça Global, representante das vítimas do caso no Sistema Interamericano de Direitos Humanos da OEA.