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Da Redação
Publicado em 23 de agosto de 2020 às 06:30
- Atualizado há 2 anos
Foto: Reprodução/Band Bahia “Eu acredito que Patati e Patatá não fez essa palhaçada”. E eu não acredito que o show cancelado da dupla fake de palhaços já vai fazer 10 anos! Sim, foi no feriado de 8 de dezembro de 2011, Dia de Nossa Senhora da Conceição da Praia, padroeira da cidade, que centenas de pais & filhos em Paripe honraram a tradição insurgente de Salvador – palco das revoltas dos Malês, dos Búzios, do Buzu, ou ainda do Quebra-Bondes, da Cemiterada –, deixando, entre mortos e feridos no Subúrbio, todos a salvo.
O caso se transformou num dos maiores memes da internet, suscitando até hoje apelos bastante plausíveis ao Iphan, ou ao Ipac, como este que brotou no Twitter no mês passado: “Eu acho que essa notícia do falso patati patata deveria virar patrimônio cultural”. O culto à matéria da Band Bahia, conduzida pelo repórter Ícaro Almeida e registrada pelo cinegrafista Zé Mário, é demonstrado também em outro comentário, feito um mês antes: “Se alguém me perguntasse de um vídeo que eu escolheria ver por toda minha vida seria esse”.
Antes de fazer a internet rir, é importante lembrar que o quase-show no Paripe Hall fez muita criança chorar, redundando em traumas que ainda permanecem, como conta a promotora de eventos Vivian Sodré, 38 anos.
“Lembro como hoje. Eu tinha uma menina que ia fazer 2 anos e ela gostava muito do Patati e Patatá. A outra já tinha 9 anos. Aí eu 'pam', comprei dois ingressos. Quando chego lá, foi aquela agonia, não teve show. Minha filha ficou chorando, porque era louca pelo Patati e Patatá, e eu fiquei sem saber o que dizer, porque elas eram crianças e não entendiam aquela situação”, relata mainha, que aparece logo no início da reportagem com Iasmim, hoje com 10 anos, nos braços. A promotora de eventos Vivian Sodré com a filha Iasmim, então com 2 anos, nos braços: prejuízo e frustração (Foto: Reprodução) Assim como a maioria das pessoas que foram dar a viagem de balde, ficou no prejuízo.
“Não tive o meu dinheiro de volta, não teve o show, e ficou por isso mesmo. Iasmim agora vê o vídeo, entende, porque eu expliquei a situação, mas até hoje fala que ela queria tanto ter assistido ao show e não pôde”, conta Vivian. Vivian com a filha Isabel, 18, que também estava no show cancelado; ao lado, foto atual da caçula, Iasmim, que ainda sonha em ver seus ídolos (Fotos: Acervo da família) A chance de realizar o sonho da menina, que ainda tem os palhaços como ídolos, pintou, finalmente: nos dias 29 e 30, os verdadeiros Patati e Patatá se apresentam no Big Drive-in Salvador, na Boca do Rio. Tratei de garantir a cortesia com a assessoria do evento (os ingressos custam entre R$ 126 e R$ 200), mas agora tem um problema: a família, que mora em Paripe, não tem carro... Ajuda, Luciano!
Bastidores Enquanto não se resolve o problema presente, resolvi ir ao passado saber detalhes dos bastidores daquela reportagem. E a primeira fala de Ícaro Almeida, o repórter que recebeu a galinha pulando, é quase a mesma de dona Vivian: “Lembro como se fosse hoje.”
A memória viva começa ainda na redação da Band, no Alto do Gantois, de onde saiu às cegas para a primeira missão daquele plantão. “A pauta só tinha o endereço e a informação de que um líder comunitário tinha entrado em contato com a redação passando que tava tendo uma grande confusão em Paripe, sem dizer o que era. Num dia ‘frio’, sem nada, a gente se deslocou”, recorda o jornalista. Foto: Reprodução/Band Bahia Apesar de ser um show para a gurizada, ele conta que a situação estava bastante tensa, com alguns homens já empunhando paus e pedras, ao tempo que a polícia se retirava. “Zé Mário perguntou pra mim se a gente ia descer pra gravar, mesmo sem polícia, e eu falei que sim. ‘Se tiver muito complicado, a gente entra no carro e sai’. A galera tava com raiva”, relembra Ícaro, que precisou de jogo de cintura para entender o que tava acontecendo.
O vídeo mostra essa tentativa de investigar o B.O., e segue numa espécie de plano sequência com pequenos cortes da porta do Paripe Hall até a delegacia de Periperi. “Eu só comecei a colher as sonoras. Não gravei abertura, não gravei passagem, porque a gente tava colhendo boas sonoras”, explica o repórter, que contou com a ajuda dos populares para colher o melhor material.
Outros ângulos Junto com o momento que uma senhora desmaia, cai no chão e é carregada (sabe Deus pra onde), a hora em que uma menina abre o berreiro é uma das mais dramáticas e icônicas da reportagem. No entanto, o que o berro na Band não mostra é que esta passagem contou com ‘direção’ de quem tava atrás da câmera, como fica claro em um vídeo do site Subúrbio News. “Filma aí. (...) Chora, gente! Chora, Natália!”, orientam algumas senhoras; Natália não se faz de rogada e abre o bocão.
O mesmo vídeo traz ainda a destruição dentro da casa de shows, diante da indignação com a fraude.
Em outra gravação, também divulgada no dia seguinte ao ocorrido pelo YouTube do Canal Suburbano, é possível ver que o salão estava lotado (cerca de 400 pessoas pagaram R$ 15 em cada ingresso), com o público aguardando ansioso pela apresentação.
O promotor do evento aparece no palco e, sob troças e apupos, tenta explicar o motivo de os palhaços ainda não terem entrado em cena. “Pessoal, o Paripe Hall está passando por reformas. Chegou um pessoal aí fora querendo embargar a festa. Eu estou tentando resolver”, despista Marcelo Matos, que não foi localizado para falar sobre o desfecho do caso.
A mera menção a isso, aliás, desagrada os palhaços verdadeiros. Procurada, a assessoria de Patati e Patatá disse que não comentaria o assunto. Aliás, os próprios atores, quando questionados sobre o meme no Programa do Porchat, desconversam. Assista.
Normal Ramon Margiolle, que editou a reportagem junto com Rafael Racoto, tendo Rodrigo Minotauro na finalização da obra clássica, conta que nunca tinha enxergado a matéria como um ponto fora da curva em relação àquilo que sempre produziu.
“Programas de jornalismo popular sempre têm essas pautas. Você se depara muito com esse tipo de cena que, para algumas pessoas, é inusitado, mas para a gente é comum. Porque o povo baiano é isso. Ele é engraçado por si só. Depois que eu vi a repercussão eu pensei 'porra, acharam isso massa, mas isso aqui eu vejo todo dia', sabe? Não é que seja insensível da minha parte, mas você acaba se acostumando com aquilo e tratando como normal, mas não é, né? A gente não pode considerar essas coisas maravilhosas do povo, da nossa cultura, como algo normal. Isso é realmente algo diferenciado”, conclui Ramon, que até hoje procura a graça da reportagem.
Confira fotos do arquivo do CORREIO feitas no dia da confusão. [[galeria]]
Ícaro é outro que não enxerga algo cômico no que foi veiculado. “Pra mim, não teve graça nenhuma porque você sabe o nível de pobreza de algumas pessoas no Subúrbio. E ali em Paripe o que deu pra perceber é que tinha gente ali que não tinha nem o que comer direito. Uma grana pra uma população de baixa renda que pode ser usada para pagar um aluguel, pra comida”, reflete o jornalista, que por motivo de força maior é obrigado a lidar com a fama involuntária.
Volta e meia, Ícaro é reconhecido pela “reportagem de Patati e Patatá”, e acaba sendo obrigado a recontar (como agora) os detalhes por trás da performance clássica – relembra inclusive um trecho em que é apalpado por uma mulher e reage com cara de ‘que foi isso, minha senhora?!’.
“Uma vez eu pousei em São Paulo e uma moça chegou e falou ‘você é o repórter do Patati e Patatá’. Tem gente que também quer tirar foto. Essa história virou aquela que eu sempre tenho que contar pra todo mundo, dos bastidores. Quando chego no happy hour, é a resenha da galera”, finaliza o ex-vocalista da banda Receba a Galinha Pulando, que fez uma canja eterna para saborearmos.