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Hilza Cordeiro
Publicado em 4 de janeiro de 2020 às 06:00
- Atualizado há 2 anos
Mal o Colégio Estadual Odorico Tavares encerrou suas atividades, o setor imobiliário já está de olho no imóvel. Trata-se de uma área de 5 mil metros quadrados no Corredor da Vitória, o bairro que tem o metro quadrado mais caro de Salvador - custa, em média, R$ 15 mil. O colégio, que funcionou ali por 25 anos, no passado já teve filas de mães para conseguir uma vaga para os filhos e chegou a 2019 com apenas 308 matriculados — menos de 9% de sua capacidade, que é de 3,6 mil alunos, segundo dados da Secretaria de Educação do Estado (SEC).
Enquanto o governo do estado alega que vender o terreno vai possibilitar a construção de mais escolas na periferia, professores e ex-alunos da instituição avaliam que, por trás dos argumentos oficiais, houve uma manobra para forjar uma baixa procura pelo colégio. Eles acusam o governo de sabotar o sistema de matrículas online para reduzir os números de estudantes ano a ano, cedendo à especulação imobiliária.
Em nota, o governo do estado afirmou que os alunos que estudavam no Odorico Tavares serão remanejados para instituições nas proximidades de casa, o que, na avaliação do governador Rui Costa, reduzirá gastos dos estudantes com transporte público. “O governador Rui Costa também tem pontuado que o Odorico não chega a ter 300 alunos matriculados e está sendo subaproveitado”, escreveu.
Sob anonimato, uma professora da escola avaliou a decisão do governo como equivocada. “Querem confinar meninos e meninas negras em seus bairros. O espaço daquele colégio é privilegiado porque está no centro cultural da cidade, perto de cinema, museu, teatro, universidades. Os professores promovem integração com esses espaços vizinhos ao colégio, por mais que os espaços sejam negados pela comunidade endinheirada que vive ali”.
Em oposição à sentença do governo sobre o destino do colégio, os professores chegaram a levar a situação para o Ministério Público da Bahia (MP-BA). Na proposta construída pelos docentes junto com o ministério, foi solicitado que as matrículas fossem feitas de forma manual e não online, mas a professora diz que a Secretaria de Educação do Estado sequer compareceu na negociação.
Os alunos também criaram um abaixo-assinado contra o fechamento da escola que já tem 4,7 mil assinaturas. Concluinte do ensino médio, a estudante Ana Beatriz Oliveira, 17, vê com desconfiança a proposta do governo. “Acho que querem que os alunos da periferia não transitem pela cidade. Colegas meus e inclusive eu já recebi olhadas que nos constrangem, que é como se dissesse que ali não é nosso lugar, mas a gente se mantém firme. A galera que busca o Odorico vai para lá porque quer um ensino melhor”, afirmou.
Também ex-aluno do colégio, o advogado Rodrigo Coelho, 32, fundador do coletivo Nordeste Eu Sou, lamentou o fechamento. “Se eu estivesse estudado a vida toda no meu bairro, eu não teria a mesma vivência que tive no Odorico. O estudante periférico precisa ter acesso a outros espaços fora do seu local de origem. Lá tinha gente de toda a cidade, outras culturas, uma troca de experiência muito legal e graças à isso a gente fazia laços com gente por toda a cidade”, recorda ele, que fundou o primeiro grêmio da escola.
Cobiçado
Se o desafio lançado pelo governo às construtoras para levar o terreno em leilão é erguer novas escolas em bairros periféricos, não faltarão interessados. Mais que isso, ainda promete ser um leilão disputado. O conselheiro do Sindicato da Indústria da Construção do Estado da Bahia (Sinduscon-BA) e vice-presidente da Federação das Indústrias da Bahia (Fieb), Carlos Henrique Passos, confirma que o Corredor da Vitória ainda é o bairro com o metro quadrado mais caro de Salvador.
“Ali é uma região muito especial. Isso por si só já gera uma valorização. É um local muito bem servido de estrutura, beleza natural, conexão com as principais áreas da cidade e que atende plenamente a um público exigente, como é o consumidor de alto padrão. Com certeza, um sucesso garantido para qualquer empreendimento neste perfil”, analisou Passos.
Para ele, haverá muitos interessados na área. “O Corredor da Vitória não é um largo que condiz com escolas públicas, nem é uma necessidade para as pessoas que moram lá. Escolas como estas precisam ir para um local que as famílias necessitem de instituições de ensino público de alta qualidade. Cada empresa está pensando suas estratégias para fazer sua proposta e as ofertas, com certeza, vão acontecer”.
O CORREIO apurou com fontes ligadas ao governo que a expectativa é que, com os recursos do leilão, sejam construídas sete novas escolas na cidade. Pau da Lima, Sussuarana e Cajazeiras devem estar entre os bairros contemplados com as novas unidades, que irão oferecer quadra coberta, refeitório, biblioteca, laboratórios e salas de informática com funcionamento em tempo integral.
“Vejo como uma operação ganha-ganha. Essa engenharia de negócio é que vai permitir a prospecção de novos investimentos e empresas que, em contrapartida, vão construir estas escolas. O impacto econômico disso vai ser muito grande”, acrescenta Passos.
História
Construído em 1994 pelo então governador Antônio Carlos Magalhães para ser um colégio modelo, o Odorico Tavares possui três pavimentos onde estão distribuídas salas de aula e laboratórios, além de anfiteatro e quadra de esportes. Assim que a descontinuidade foi confirmada pelo governador Rui Costa, o Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Estado da Bahia (APLB) manifestou repúdio.
O presidente da entidade, Rui Oliveira, lembra que há 10 anos era feito sorteio eletrônico para decidir quem estudaria no Odorico, assim como acontecia em outras escolas-modelo cobiçadas como o Thales de Azevedo, no Costa Azul, Raphael Serravalle, na Pituba, Teixeira de Freitas, em Nazaré, e Manoel Novaes, no Canela, entre outros.
“Em 2017, a cobertura da quadra do Odorico caiu e isso foi mais uma forma de esvaziar a escola. O governo sabe bem qual o valor do bairro preferiu ouvir o setor imobiliário”. Em dezembro, a unidade encerrou sua história de 25 anos. Agora, é esperar os próximos capítulos envolvendo o cobiçado terreno.
Cronologia
11 de abril de 1994 Inaugurado pelo governador Antônio Carlos Magalhães para ser um colégio modelo, o Odorico Tavares nasceu para ser referência no ensino público, ao oferecer uma estrutura com laboratórios, anfiteatro e quadra de esportes
Melhores anos Era comum ver pais de alunos dormirem na fila para conseguir uma vaga. No auge, há 10 anos, o Odorico era um dos colégios mais cobiçados nos sorteios eletrônico de vagas feitos pela Secretaria Estadual de Educação
Fevereiro de 2015 Em uma reportagem publicada pelo CORREIO, o Odorico Tavares aparece na 7ª posição entre as 10 escolas mais bem avaliadas pelo Ministério da Educação na nota do Exame Nacional do Ensino Médio
22 de março de 2017 Após fortes chuvas que ocorreram em Salvador, a cobertura da quadra de esportes da unidade desabou. Nesta época, o Odorico já apresentava problemas com a falta de manutenção do prédio Dezembro de 2019 O colégio, de capacidade para 3,6 mil alunos, é desativado, só com 308 matriculados
JORNALISTA QUE TEVE GRANDES PARCERIAS
O jornalista pernambucano que dá nome ao colégio viveu na Bahia até 1980. Odorico Montenegro Tavares da Silva chegou a Salvador em 1942, a convite de Assis Chateaubriand para dirigir a rede dos Diários Associados da Bahia, grupo composto pelo jornal O Estado da Bahia, a Rádio Sociedade e o Diário de Notícias. Além de fundar, na década de 60, a primeira emissora de televisão do estado, a TV Itapuã, a trajetória de Tavares também é marcada por um livro que reúne matérias publicadas por ele na Revista Cruzeiro e que foi ilustrado por Carybé; por sua parceria com Jorge Amado, ao montar a primeira exposição de arte moderna brasileira aqui; e pela reportagem sobre o cinquentenário da Guerra de Canudos, com fotos de Pierre Verger.