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Da Redação
Publicado em 21 de julho de 2022 às 07:27
Dói no bolso pensar em atravessar a malha soteropolitana usando apenas um tipo de veículo devido ao custo-benefício. Para fugir dos altos preços e demora para chegar no destino, 74% das pessoas que fazem seus trajetos com mais de um meio de transporte - utilizando bicicletas, carros ou caminhada a pé - complementam as viagens com uso de transporte público. O levantamento é resultado de pesquisa feita pela Tembici, empresa de tecnologia para micromobilidade.
Professora da Universidade Federal da Bahia no Departamento de Engenharia de Transporte, Denise Ribeiro explica que, o fato de pessoas de baixa renda não terem condição de comprar o próprio automóvel ou de se deslocar diariamente pagando transporte, a solução encontrada é integrar os meios possíveis. Assim, é comum ver em Salvador pessoas que vão a pé até estações e terminais, ou utilizam bicicletas.
A estudante de direito, Patrícia Pires, 22, vai a pé de casa até a estação da Lapa, onde ainda pega duas linhas de metrô e um ônibus para chegar no local em que estagia. Ela faz o processo invertido para voltar do trabalho. Patrícia conta que existe um ônibus que roda o caminho direto entre sua casa até o trabalho, mas prefere fazer de modo integrado por questão de tempo, segurança e dinheiro.
“Como sou estudante, uso meia passagem. Se fosse de Uber pagaria R$ 30 só de ida e comprar um carro agora é impossível por conta do custo do carro. Vou de metrô por ser mais seguro. [Mas] muitas vezes já peguei Uber na estação de metrô justamente pelo fato de sair mais em conta o preço do Uber que a passagem”, diz. A coordenadora do Observatório da Mobilidade em Salvador (ObMob), Erica Telles, explica que a mobilidade integrada - quando se usa vários tipos de transporte para um deslocamento - é comum em Salvador por conta das particularidades da capital, como tamanho da Região Metropolitana.
A mescla de transportes é indicada justamente para percursos de longa distância, assim, é possível que a pessoa inicie o trajeto com bicicleta, deixe o veículo em algum bicicletário, após 5km a 7km de corrida, e prossiga com o uso de metrô ou ônibus, orienta Telles. O mesmo método pode ser utilizado por quem mora em Itaparica, por exemplo, indo de bicicleta até a lancha e, após chegar no continente, voltar ao micro transporte, podendo alternar com veículos públicos. "O transporte público é quem estrutura o direito à cidade. [Mas] precisa ter ao redor dele outros meios que alimentem a infraestrutura e garanta acessibilidade. Como a rede cicloviária, metrô, Elevador Lacerda", afirma o doutor em urbanismo e professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia (Ifba), Pablo Florentino. É o que o professor Marcelo Sant’Anna, 24, costuma fazer. “Misturo os dois [bicicleta e transporte público]. Avalio o destino que quero chegar e, se eu ver que é mais rápido utilizar no meio do percurso a bicicleta, eu mesclo. Utilizo a bike de aluguel do Itaú, que tem pontos na cidade toda, então facilita que eu adapte meu plano aos pontos disponíveis”, diz. Bicicleta para aluguel Em um cenário de alta na passagem de ônibus e preço do combustível, a bicicleta apareceu como salvadora para quem quer economizar. São 50 estações e mais de 400 bicicletas espelhadas por toda cidade através do Bike Salvador, sistema de bicicletas compartilhadas da Tembici em parceria com o Itaú Unibanco em Salvador. A vantagem do aluguel de pequenos veículos é justamente ter a liberdade de traçar o próprio trajeto com economia de tempo e dinheiro.
Erica Telles ressalta que a bicicleta é também uma ferramenta de transformação social. Isso porque pode ser objeto de economia, através do dinheiro poupado no transporte público ou gasolina, assim como serve de emprego e renda para quem trabalha com entregas. “É um veículo barato, de fácil manutenção. Se bem cuidada pode durar mais de 10 anos, a minha tem 11 anos. O ciclista pode estar sempre com ela em dia e fazendo percursos que precisa por questão de trabalho, lazer ou estudo”, avalia.
O porteiro Anderson Figueiredo, 28, conta que utiliza bicicleta diariamente para ir e voltar do trabalho e não tem interesse em comprar automóvel por agora devido ao valor investido para combustível. O fator que facilita o uso diário do veículo é que, entre o trajeto de casa até o trabalho, há uma ciclovia pela qual Anderson se sente mais seguro para transitar com segurança todos os dias.
“Escolhi a bicicleta porque é uma forma de chegar mais rápido ao meu trabalho. [Mas] não costumo usar bicicleta fora das ciclovias, há falha nas regiões mais afastadas do centro. Rio Vermelho, Ondina, Barra, Avenida Sete sempre têm ciclovia”, afirma.
Embora haja iniciativas para criação de ciclovias, o professor no Departamento de Engenharia de Transporte da Universidade Federal da Bahia (Ufba), Juan Pedro Moreno, salienta que algumas, como a da Avenida Garibaldi e Suburbana precisam ser reajustadas. “Estão expondo ciclistas ao risco, a única ciclovia segura que temos é a que está abaixo do metrô. Em termos de infraestrutura, a solução é [...] aproveitar faixas de circulação destinada para automóvel para criar ciclofaixas”, orienta.
Já Erica acrescenta que a malha precisa ser mais conectada e ter recursos, a exemplo de estacionamento para os veículos. Ela recorda a inauguração do bicicletário na Ribeira, estrutura instalada por meio do Movimento Salvador Vai de Bike, por iniciativa da prefeitura. Para ela, no entanto, ainda é preciso que mais “estacionamentos” sejam instalados em locais populares, como a estação da Lapa e Mussurunga, a democratizar o uso da bicicleta com segurança e integrar outras modalidades de transporte, como metrô e ônibus, junto à bicicleta.
Plano Cicloviário Para tornar Salvador uma cidade mais segura a todos pilotos, a prefeitura tem desenvolvido projetos cicloviários no cronograma de ações. O secretário municipal de Mobilidade (Semob), Fabrizzio Muller, diz que o município está desenvolvendo um plano cicloviário que deve guiar a gestão atual e gestões seguintes no sentido de Salvador ser uma cidade com maior infraestrutura. Segundo Muller, ainda neste ano será aberta audiência pública para que ciclistas participem da construção da guia e apontem as necessidades da classe.
“O plano incluirá desde informações técnicas de melhorias de ciclovias e ciclofaixas existentes como até novas ciclofaixas entre uma e outra que ainda não tem conexão. [Também discutirá sobre] velocidade de vias que precisam ser remodeladas para que haja ciclofaixa de forma segura”, detalha o secretário.
Presidente da Saltur, Isaac Edington destaca o Movimento Salvador Vai de Bike - do qual é coordenador -, projeto iniciado em torno de 2013 a partir do governo ACM Neto e válido até hoje com objetivo de ampliar a infraestrutura cicloviária. Quanto às críticas sobre a distribuição das ciclovias na capital, Edington relembra que a iniciativa é recente e antes de 2013, a malha tinha cerca de 20 km, hoje, já passa de 300km.
Ele ainda cita capacitações feitas para motoristas de ônibus com intuito de promover o respeito a pedestres e ciclistas no trânsito. Para ele, a capacitação é importante porque, tendo ou não ciclovia na região, é importante que motoristas saibam usar as vias públicas com respeito. “São ações que atuando em conjunto ao longo dos anos progrediram na cidade”, afirma.
*Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro