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Hilza Cordeiro
Publicado em 16 de junho de 2020 às 05:02
- Atualizado há 2 anos
Mesmo sem ser unidade referência para o tratamento da covid-19, o Hospital das Clínicas, vinculado à Universidade Federal da Bahia (Ufba), já registrou 123 profissionais infectados pelo coronavírus desde o início da pandemia. Para funcionários da casa, a administração da unidade não fez um bom preparo para o enfrentamento da pandemia e não houve separação de ala destinada exclusivamente à nova doença, fator que pode ter contribuído para a disseminação de casos. >
Ao todo, mais de 300 testes já foram realizados em trabalhadores do hospital, segundo informações da própria unidade, que é administrada pela Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), vinculada ao Ministério da Educação. O Hospital das Clínicas possui 2.640 empregados, incluindo área médica, administrativa e assistencial.>
Segundo a unidade, os trabalhadores sintomáticos que testaram positivo para o novo coronavírus foram atendidos e afastados das atividades. Ao fim da quarentena, os profissionais retornam ao trabalho. Não foi informado o número de pessoas que estão afastadas atualmente.>
O hospital diz que não há como afirmar que a transmissão ocorreu internamente, já que muitos profissionais da casa têm outros empregos. Superintendente do complexo hospitalar, Antônio Carlos Lemos, confirma que a unidade não criou ala de covid-19, como a maioria dos hospitais, mas diz que a denúncia de má preparação é ‘inverídica’. >
“Todos os casos, quando são diagnosticados e têm condições clínicas de serem transferidos, são imediatamente transferidos. Quando colocamos os pacientes na chamada Enfermaria 4A, com suspeita de covid-19, todos os EPIs [Equipamentos de Proteção Individual] são fornecidos para os trabalhadores como se covid-19 os pacientes tivessem, até que se prove se tem ou não têm”, informou. >
Em anonimato, uma médica trabalhadora do complexo conta que os profissionais não foram separados entre quem fica responsável pelo atendimento dos casos suspeitos da doença e quem cuida das demais enfermidades. >
“O hospital recebe pacientes da regulação, mas não testa os pacientes, então é um ambiente de exposição. Existe uma situação de despreparo, não é um hospital de referência e nem está articulado com a rede de saúde, tem um patamar considerável de casos de infecção. Nós teríamos 80 leitos exclusivos de covid-19 se o reitor e o estado tivessem interesse em organizar, teria poupado gastos com hospitais de campanha”, afirma.>
Ficou de fora>
Em 25 de março, a universidade chegou a anunciar que tinha capacidade de oferecer até 80 leitos para pacientes com coronavírus, sendo 49 de enfermaria e 31 de UTIs. O hospital se colocou à disposição da Secretaria de Saúde da Bahia (Sesab) para receber os materiais necessários à instalação destes leitos, como respiradores e monitores. No entanto, a Sesab terminou não incluindo o hospital no plano de contingenciamento. >
Ainda segundo a médica, o complexo vive um antigo joga para lá, joga para cá quanto ao controle das responsabilidades. Numa live realizada pelo movimento Mobiliza UFBA na última sexta-feira (12), o reitor João Carlos Salles esclareceu que a reitoria não atua de forma ‘interventora’ em suas unidades. >
“A reitoria espera que os resultados venham da comunidade. Somos uma gestão que respeita a tessitura institucional e vai sempre respeitar. Essa questão certamente está sendo enfrentada pela superintendência e espero que ela possa dar a resposta adequada sobre esses números [de infectados]”, disse.>
De acordo com o superintendente do hospital, a unidade montou um laboratório próprio onde os trabalhadores fazem testes de IgM e IgG, que atestam se a pessoa já criou ou não anticorpos para a doença. >
Diretora do Sindicato dos Médicos da Bahia (Sindimed-BA), Clarice Saba, explicou que o sindicato fez vistorias na unidade há cerca de um mês, quanto foi detectado o baixo fornecimento de EPIs para os trabalhadores e apontada uma preocupação com a falta de uma ala exclusiva de covid-19, mesmo que o hospital não fosse referência. O problema dos equipamentos de proteção foi sanado, garante o sindicato e os próprios funcionários, mas a ala não foi criada. “Deveria ter, assim como toda unidade de saúde”, defende Saba.>
Hospital solicitou abertura de leitos de enfermaria>
Antônio Carlos Lemos disse ainda que o hospital solicitou ao estado, nesta segunda-feira (15), permissão para ofertar 30 leitos de enfermaria para pacientes de covid-19. Se o pedido for aprovado, a unidade aumentará a capacidade estadual para o enfrentamento da pandemia, mas ainda assim só poderá receber pacientes que sejam regulados para lá. >
“Se não abrirem leitos de UTI [Unidade de Terapia Intensiva] no hospital, nós só podemos receber leitos de pacientes egressos de outras UTIs do estado, que saiam de alta, mas ainda precisam ficar internados, por outros motivos”, explica Lemos. Atualmente, a Bahia possui 2.102 leitos exclusivos de covid-19, sendo que 866 são de UTI, segundo dados da Sesab.>
O superintendente acrescentou que a decisão de não incluir o hospital no plano de enfrentamento do novo coronavírus foi unicamente da gestão estadual. Embora não saiba exatamente o motivo, ele acredita que o governo pensou em ter o Hospital das Clínicas como retaguarda para as demais doenças — cardíacas, renais, oncológicas, etc. “Nos colocamos à disposição para mostrar que um hospital universitário poderia estar nessa luta”, concluiu.>