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'Era vista como a patricinha maquiada que veio da capital', diz empresária que comanda plantio de cacau em Eunápolis

Verônnica Almeida é responsável por uma operação que emprega direta e indiretamente 150 pessoas

  • Foto do(a) author(a) Donaldson Gomes
  • Donaldson Gomes

Publicado em 1 de janeiro de 2025 às 02:00

Dentista por formação, Verônnica Almeida trocou o consultório pela vida no campo
Dentista por formação, Verônnica Almeida trocou o consultório pela vida no campo Crédito: Paulo Victor Marques/ Divulgação

Há oito anos, o campo atraiu de volta Verônnica Almeida. Dentista por formação, a mais velha – “mais de vinte e uns”, brinca – entre os irmãos de uma família com três décadas de tradição no agro. Saiu de cena o consultório, para dar lugar ao plantio do cacau a pleno sol, em Eunápolis, além dos outros produtos da Cabrália Agro. Supervisora dos negócios da família, ela lidera o processo de transformação de um ambiente tradicionalmente masculino e com práticas de produção centenárias. “O que nós, mulheres, fazemos não é comum, mesmo que ao mesmo tempo seja simples. E a gente fala do que é verdade, não é ‘só rosa’, há uns cinquenta tons de rosa no nosso dia a dia como empreendedora do campo”, acredita.

A presença delas no campo vem se tornando cada vez mais comum. Mulheres são responsáveis por 30 milhões de hectares de produção agrícola no Brasil, o que corresponde a 8,5% da área ocupada por fazendas e sítios no país, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em 2022, a participação feminina cresceu 13%, de acordo com uma pesquisa da consultoria Deloitte. Apesar disso, o levantamento aponta que elas são apenas 16% do total de mão de obra. Em relação às posições de liderança, elas ocupam 34% do total – o que é um percentual acima do que se registra em outros setores econômicos, indica a pesquisa.

Em outra frente, apenas 5% dos gestores de propriedades rurais no Brasil têm menos de 30 anos, de acordo com dados do mais recente Censo Agropecuário do IBGE, de 2017, o que indica a necessidade de incentivos à sucessão familiar. Esta é uma das preocupações do Nestlé Cocoa Plan, do qual Verônnica se tornou parceira, após uma visita de técnicos à propriedade.

“Quando falei para os meus amigos que iria sair de Salvador para trabalhar na roça, disseram que eu era louca. As pessoas da cidade têm dificuldade para entender que o que a gente faz aqui. Não conseguem entender que se trata de um trabalho de gestão, com análise de mercado, treinamento, promoções e tudo o mais que se faz em qualquer empresa”, conta Verônnica, que hoje é responsável por uma operação que emprega direta e indiretamente 150 pessoas, entre os envolvidos nas atividades agrícolas e de pecuária da Cabrália Agro.

Vida no campo

Conhecer a realidade do campo nunca foi um problema para ela, filha de comerciantes, mas neta de pecuaristas. O avô veio de Minas Gerais para o Sul da Bahia. Verônnica é natural de Vitória da Conquista, mas é tão conectada com Eunápolis que diz, com orgulho, já ter título de cidadã. “Eu vivi na fazenda, na beira do rio, alguns dos melhores momentos da minha infância. As férias eram na roça, na época do querosene”, conta.

“No interior, você é sempre filha de alguém, neta de alguém e quando casa é pior, mulher de alguém. Eu queria ser Verônnica. Decidi fazer odontologia porque não tinha ninguém em minha família atuando na área”, lembra. Apesar da motivação, ela era feliz na área que escolheu, até que a saudade foi apertando e chamando a dentista de volta para a roça.

A transição foi acontecendo aos poucos. Primeiro um dia por semana, depois a decisão de deixar a capital em direção a Eunápolis. “Vim trabalhar com meu pai na fazenda, me especializando, conhecendo o tamanho do negócio e fui gostando cada vez mais desta coisa”, lembra. “Saí da odontologia para ser uma mulher do agro”.

Com os resultados que ela conseguia na pecuária, o pai se animou e chamou para cuidar da parte agrícola também. Amante dos números, passou a se dedicar à compilação de dados como forma de apoio à tomada de decisões. O trabalho começou a chamar a atenção da Nestlé, lembra.

Quando perguntada sobre as questões relacionadas ao gênero, Verônnica pensa antes de responder. As diferenças existem, reconhece, mas ela sempre passou por cima delas. “Como sempre transitei no campo, a gente começa brincando e desmistifica essa questão que surge uma vez ou outra”, explica, lembrando que a mãe dela também é atuante na gestão. “No início você tinha uma dificuldade estrutural, de o curral não ter banheiro”.

Produção cacaueira é feita numa área de 23 hectares
Produção cacaueira é feita numa área de 23 hectares Crédito: Arquivo Cabrália Agro

“A contratação de mulheres acontece porque a gente tem um perfil mais cuidadoso e detalhista”, acredita. “O comportamento do homem está mudando, de perceber que a gente não é uma ameaça, de perceber que a gente pode trazer mais treinamento, mais apoio emocional”, acredita.

Desde o início, Verônnica sabia que teria que lidar com três desafios: o de ser filha do dono, de ser mulher e por não ter uma formação ligada ao campo. “Eu era vista como a dentista que veio da capital, patricinha, que andava sempre maquiada”, conta.

O trabalho e o tempo fizeram mais do que apenas inserir Verônnica na operação. Hoje ela funciona como um elo entre a administração e o campo. “Eu fui quebrando todos esses preconceitos com o meu jeito. Quando estou na fazenda, eu almoço com eles, não tem essa separação entre dono e colaborador”, afirma.

Responsável por unificar os negócios da família, Verônnica passou a receber reconhecimento por sua atuação e hoje integra a Alma - Associação de Líderes Mulheres do Agronegócio, de atuação nacional. “Sempre tive a preocupação de me juntar aos bons, escolher boas mesas de conversa, de estar com gente comprometida a fazer diferença”.

Novos rumos

No movimento de integrar cada vez mais as cadeias produtivas, a Cabrália Agro se prepara para iniciar o plantio de milho em 2025. Na frente da sustentabilidade, a empresa está se preparando para se certificar no cumprimento da agenda ESG, com um destaque para o cuidado com as nascentes de rios da propriedade.

Atualmente, são 370 hectares com café, pimenta e cacau. A produção cacaueira, por sinal, é feita numa área de 23 hectares, irrigada e a pleno sol. A expectativa é de uma ampliação de 17 hectares na área destinada à cultura. “Com a parceria da Nestlé, passamos a dar mais atenção ao cacau e percebemos que há um enorme potencial a ser atendido. Atualmente, a Cabrália chega a uma produtividade média de 155 arrobas por hectare e busca chegar às 180 arrobas.

“O que eles fazem hoje já representa uma produtividade quase 10 vezes maior do que a média da Bahia”, destaca Mayara Franzin, representante da Nestlé no Cocoa Plan. A iniciativa foi lançada pela gigante do mercado de alimentos para fomentar a produção sustentável da matéria-prima para o chocolate. Atualmente, são atendidos 6 mil produtores espalhados por estados produtores, como Bahia, Pará e Espírito Santo, mas também em locais sem tradição.

Mayara explica que o trabalho passa tanto por ações direcionadas à sustentabilidade ambiental e social, mas age também na oferta de tecnologias para melhorar o manejo e as condições de vida dos trabalhadores.

“A Nestlé trabalha com a commodity, mas a gente tem em mente que o cacau é um alimento e é responsável por alimentar milhares de pessoas”, diz. Segundo ela, uma das metas do programa é atingir 100% de sustentabilidade na cadeia de produção ainda em 2025, quando todo o produto adquirido pela Nestlé deverá ser oriundo de produtores que participam do Cocoa Plan.

“O cacau tem um futuro promissor. A Bahia é tradicional e isso não pode ser deixado de lado. Tem a Cabruca, que é um modo de produção extremamente regenerativo. Mas tem as iniciativas a pleno sol e queremos ajudar elas a terem o melhor manejo e a serem sustentáveis também”, explica.

Ela lembra que o Brasil já produziu 400 mil toneladas de cacau por ano e hoje entrega só 220 mil toneladas. “Temos uma margem enorme para crescer, até porque hoje existe um déficit de 60 mil toneladas por ano que precisam ser importadas”, pondera Mayara.