Violência doméstica: 27 mulheres são agredidas por dia na Bahia

Estado registrou aumento de 27,33% no número de denúncias pelo 180

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  • Gil Santos

Publicado em 27 de agosto de 2024 às 05:00

Violência contra a mulher
Violência contra a mulher cresceu em todo o país Crédito: Shutterstock

Uma mulher foi assassinada a tiros pelo marido, no município baiano de Firmino Alves, em julho. Ela passou oito dias internada, mas não resistiu aos ferimentos. Um mês antes, um homem matou a companheira e o enteado com golpes de faca no bairro do Doron, em Salvador. Em fevereiro, outra mulher foi morta pelo ex-marido, desta vez em Sete de Abril. Dados Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom) apontam que houve aumento de 27,33% no número de denúncias de violência doméstica contra a mulher na Bahia, entre janeiro de julho, na comparação com 2023. São 27 vítimas por dia, ou uma a cada hora.

Em todo o Brasil também houve aumento no número de casos. Foram 84,3 mil denúncias, 33,5% a mais que o mesmo período do ano passado. Na Bahia, a Central registrou 5.777 casos. Na maioria das vezes foi a própria vítima quem denunciou. Para a historiadora, mestra e doutoranda em Estudos de Gênero pela Universidade Federal da Bahia (Ufba), Ana Doroteia Dias, o aumento pode estar relacionado com a maior divulgação das políticas públicas, com o crescimento da violência e com o feminismo.

"Quanto mais se discute sobre autonomia feminina e equidade de gênero mais a gente consegue reverberar dentro da promoção das políticas públicas e disputar essas narrativas sexistas. Ao se falar sobre violência doméstica, as mulheres conseguem identificar as violências em que estão inseridas e terminam os relacionamentos. O agressor não fica satisfeito, porque ele entende que ela é um objeto que pertence a ele e o crime acaba ocorrendo", explicou.

Segundo a Secom, na maioria dos casos as vítimas tem entre 40 e 44 anos, em 75% das vezes elas são pretas ou pardas, e os principais agressores são companheiros ou ex-companheiros. A pesquisadora frisou que o feminicídio e outras agressões contra a mulher podem ser atravessados por marcadores, como as questões de raça e classe, além das subjetividades que levam as vítimas a confundir violência com afeto.

"Quando a gente vai pensar essa questão racial que perpassa todos os dados sobre feminicídio no Brasil, a gente tem que pensar que o que leva uma mulher negra a sofrer esse tipo de violência tem diversas respostas, como a vulnerabilidade socioeconômica, acesso a escolaridade, às políticas pública, a informação e a rede de apoio. Como o racismo é estruturante no Brasil são várias camadas que interferem na vida dessas mulheres", afirmou.

Ela frisou que o Estado precisa fazer políticas de prevenção, discutir o assunto nas escolas e dentro dos relacionamentos, e listou as violências como física, psicológica, moral, patrimonial e sexual. Dias afirmou que é preciso ficar atento aos sinais e que os homens também precisam participar desse debate.

Nem mesmo quem trabalha com esses casos está imune a violência doméstica. No dia 11 de agosto o assassinato da delegada Patrícia Aires, 39 anos, teve repercussão nacional e comoveu os moradoers de Santo Antônio de Jesus, no Recôncavo. Patrícia tinha um relacionamento com Tancredo Neves de Arruda, 26 anos, e amigos contaram que eles brigavam com frequência.

Em um episódio o homem quebrou um dedo da delegada durante uma discussão, ela conseguiu uma medida protetiva contra ele, mas o casal reatou o relacionamento. Tancredo confessou para os policiais que estrangulou Patrícia com o cinto do carro. Ela era responsável por investigar casos de feminicídio e de violência doméstica. Na época, a delegada-geral da Polícia Civil, Heloísa Brito, fez um alerta.

"Ela foi morta pela sua condição de mulher. A gente precisa, sim, inferir nessas relações. Às vezes, a mulher precisa ser protegida dela mesma, porque muitas vezes na emoção da relação ela não consegue perceber a gravidade e o perigo que o companheiro representa", afirmou.

Das 5,7 mil denúncias de violência doméstica registradas este ano, cerca de 1,8 mil foram feitas por terceiros. São pessoas que estavam fora da relação, mas que perceberam o perigo e alertaram as autoridades. Joana* afirma que está viva hoje graça a ação rápida de uma vizinha.

"O pai do meu filho era um homem violento. Ele me agrediu muitas vezes, mas eu não tinha família em Salvador, era muito menina e não sabia onde pedir ajuda. Um dia, ele chegou mais agressivo que o comum e me bateu com muita força. De repente a polícia apareceu e ele foi preso. Alguém chamou a polícia e se essa pessoa não tivesse feito isso eu provavelmente não estaria viva", contou.

Nesta primeira quinzena de agosto, o Ministério das Mulheres lançou a campanha Feminicídio Zero - Nenhuma violência contra a mulher deve ser tolerada. A ação marca o aniversário de 18 anos da Lei Maria da Penha, no mês dedicado à conscientização para o fim da violência contra a mulher, o Agosto Lilás. A Central de Atendimento à Mulher recebeu, em 2023, 522,3 mil ligações, o que representa uma média de 1.431 contatos diários. O número foi 23% maior que o ano anterior.

A Central presta atendimentos de orientação sobre leis, direitos das mulheres e serviços da rede de atendimento, como Casa da Mulher Brasileira, centros de referências, delegacias de atendimento à mulher, defensorias públicas, núcleos Integrados de atendimento às mulheres, entre outros. As informações são sobre a localidade dos serviços especializados da rede, o registro e encaminhamento de denúncias aos órgãos competentes ou reclamações e elogios sobre atendimentos prestados.

Veja como pedir ajuda:

É possível fazer a ligação para p 180 de qualquer lugar do Brasil ou acionar o canal via chat no Whatsapp (61) 9610-0180. Em casos de emergência, deve ser acionada a Polícia Militar, por meio do 190. É possível também buscar uma delegacia. Em Salvador, existem duas unidades especializadas no atendimento a mulher em Periperi, no Subúrbio Ferroviário, e em Brotas.

Fluxo de ligações por região:

  • Sudeste (121,2 mil)

  • Nordeste (65,8 mil)

  • Sul (23,1 mil)

  • Centro-Oeste (22,3 mil)

  • Norte (17,6 mil)

Confira os números da violência doméstica na Bahia:

  • 27,33% foi o aumento no número de casos de violência contra a mulher registrados entre janeiro de julho deste ano, na comparação com 2023;

  • 5,7 mil foi o número de mulheres agredidas na Bahia que pediram socorro pelo 180, a média é de 27 vítimas por dia, e a maioria dos casos ocorreu em casa;

  • 75% das mulheres agredidas na Bahia são pretas ou pardas e companheiro ou ex-companheiros são os principais agressores;

  • 67% das vezes foi a própria vítima quem fez a denúncia, foram 3.876 mulheres agredidas que buscaram ajuda no 180;

  • 1,8 mil foi o número de casos em que a denúncia partiu de um terceira pessoa que entrou em contato para evitar uma tragédia;

  • 84,3 mil é a quantidade de mulheres agredidas em todo o Brasil que ligaram para o 180, um aumento de 33,5% em relação a 2023;