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Vínculo empregatício deve ser reconhecido, diz procurador que fez 350 corridas como Uber

Ilan Fonseca de Souza dirigiu pelas ruas de Salvador por quatro meses para defender doutorado

  • Foto do(a) author(a) Millena Marques
  • Millena Marques

Publicado em 13 de dezembro de 2024 às 06:00

Estudo analisou dados de 152 milhões de viagens de Uber no RJ
STF discutiu reconhecimento de vínculo em audiência pública Crédito: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

Uma audiência pública do Supremo Tribunal Federal discutiu sobre o vínculo empregatício entre motoristas de aplicativo e as plataformas digitais nesta semana. Durante dois dias, segunda (9) e terça-feira (10), as discussões apontaram a precarização, o controle algorítmico e o papel da Constituição. Antes disso, o Ilan Fonseca de Souza, procurador do Ministério Público do Trabalho (MPT), já havia defendido o reconhecimento empregatício dessa categoria em tese de doutorado.

A conclusão veio após trabalhar como motorista de aplicativo por quatro meses e fazer 350 corridas em Salvador. A experiência, realizada entre 1º de dezembro de 2021 e 30 de março de 2022, foi necessária para o material de embasamento da tese sobre a “uberização”, apresentada à Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB). Ao CORREIO, o procurador do MPT contou os detalhes do estudo.

Como foi a sua experiência? Quanto tempo que o senhor dirigiu?

Dirigi no período de dezembro de 2021 até março de 2022. Meu objetivo era entender como essas plataformas digitais, especificamente a Uber, realizam esse controle sobre os trabalhadores, ou seja, como elas dão as ordens, no sentido de pagar as corridas, direcionar os passageiros, de especificar o valor das corridas e, depois, como ela fiscaliza essa ordem. Tudo isso para tentar enquadrar esses trabalhadores como vínculo de emprego, como contrato de trabalho. A minha análise foi nesse sentido, de tentar entender com as ordens são emitidas por meio do algoritmo e como esses trabalhadores têm uma margem de autonomia muito pequena. E eu pude perceber como essa liberdade, essa flexibilidade, que as empresas como a Uber e a 99 falam que tem, é uma autonomia bastante reduzida.

A que conclusão o senhor chegou com essa experiência?

Eu cheguei à conclusão de que existe uma subordinação intensa por parte desses trabalhadores em relação às plataformas digitais. Pelos parâmetros da nossa lei, essa subordinação permite que esses trabalhadores sejam enquadrados como empregados, como alguém que deve ter seu vínculo de emprego reconhecido.

Os motoristas costumam trabalhar o dia todo?

Pela pesquisa empírica que fiz, a resposta é positiva. Eu ficava no bambuzal do aeroporto e a maioria dos motoristas tinha uma rotina muito semelhante. Eles começam a trabalhar 5h/6h da manhã e vão terminar esse expediente 18h/19h. Isso para aqueles que não preferem trabalhar à noite. Aí eles vão pegar das 19h/20h até 4h/5h da manhã. Pela minha experiência que tive com eles, eles costumam trabalhar, em média, 10h por dia. Eles vão para o almoço, entre 30 minutos e 1h de almoço, mas a média é de 10h. Outros estudos do IBGE, da PNAD, esses trabalhadores vão trabalhar, em média, 46 horas semanais. É uma média mesmo, não é mais uma questão de experiência.

Quanto esses trabalhadores ganham, em média, por mês?

A gente já tem um conjunto de pesquisas que tem essa informação. Entre as capitais brasileiras, a capital que  paga melhor é São Paulo. Quando você abate os custos do combustível e os custos do veículo, eles ganham, em média, R$2,5 mil. Nas outras capitais, todos os valores são inferiores a esse, algo em torno de R$1,7 mil e R$2,5 mil.

Qual é a avaliação do senhor sobre o projeto de lei (PL) que prevê a regulamentação da atividade dos motoristas de aplicativo?

O projeto de lei 12/2024 foi muito mal recebido pela categoria, gerou muita repercussão entre os trabalhadores porque ele não disse que esses trabalhadores são empregados, não reconheceu que esses trabalhadores têm direito a férias, 13º salário, FGTS, licença à maternidade, pensão previdenciária. Em contrapartida, não deu os direitos mínimos que esses trabalhadores esperavam ter, que é o valor mínimo de corrida, um reembolso quando o carro for batido, um direito de ter um descanso semanal remunerado. Então, após o anúncio do Projeto de Lei, as plataformas digitais gostaram muito, foram favoráveis, mas a categoria e associações repudiaram o projeto, e eu consigo entender o porquê. Na verdade, ele (PL) representou somente uma garantia para a plataformas digitais que elas poderiam continuar realizando aquilo, sem garantir os outros direitos que qualquer trabalhador de banco ou loja geralmente tem.

O que senhor acha de um possível registro aos moldes da CLT?

Isso é uma coisa que muitos trabalhadores têm confusão em relação a esse entendimento. A nossa CLT vem sendo alterada aos longos dos anos. Hoje em dia, ela permite que você tenha um salário-hora; um dia trabalhe, outro dia não; permite que você trabalhe um dia 6h, outro dia 8h, outro dia 10h; que sua remuneração não seja paga de acordo com as horas trabalhadas, mas de acordo com a produtividade. Então, a CLT oferece uma moldura que permitiria manter as vantagens que a categoria acha que são benéficas e, em contrapartida, traz outros direitos, como férias, 13º salário, FGTS... Mas, as próprias plataformas já vêm há 10 anos dizendo que é uma coisa ou outra.

O STF encerrou a audiência pública sobre esse vínculo empregatício na última terça-feira (10). O que podemos esperar para os próximos dias sobre esse assunto?

O conjunto das pessoas que falaram nessa audiência pública foi no sentido de que há, sim, uma precariedade. Esses trabalhadores estão esgotados, exaustos, dormindo ao volante, estão sujeitos a uma violência urbana muito alta e os rendimentos estão diminuindo ano a ano. Antigamente, as pessoas trabalhavam 6h por dia e ganhavam R$3/R$2 mil. Hoje, para conseguir esse valor, têm que trabalhar 12h por dia. A precariedade ficou evidente pela audiência pública. Os trabalhadores precisam que alguma coisa aconteça, que haja um projeto de lei que seja benéfico, precisam que a Justiça do Trabalho reconheça o vínculo.

*Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro