Vai e volta de decisões: é possível uma nova decisão sobre a ‘revisão da vida toda’?

Especialistas analisam cenário e apontam 'instabilidade' jurídica com decisões divergentes do STF em intervalo de 18 meses

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  • Larissa Almeida

Publicado em 26 de março de 2024 às 08:00

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STF Crédito: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu por 6X5, em dezembro de 2022, que os aposentados que se enquadravam na regra de transição prevista na Lei 9.876/1999, tinha a possibilidade de usar todas as contribuições, inclusive as anteriores a 1994, caso fosse mais benéfico, para compor o cálculo da sua aposentadoria. A decisão ficou conhecida como a tese ‘revisão da vida toda’. Na última quinta-feira (21), no entanto, a Corte mudou seu posicionamento e derrubou a tese, por 7X4 através de duas ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) que tratavam, entre outros assuntos, da regra de transição prevista na lei de 1999.

Entre as duas decisões, há um intervalo de apenas um ano e três meses. Diante do cenário instável, cogitar a possibilidade de a tese voltar a ser validada é a esperança de muitos aposentados e pensionistas, mas especialistas em Direito Previdenciário não acreditam que isso possa ocorrer. “É difícil que haja um retorno e se mantenha a tese da revisão da vida toda” afirma Anna Carla Fracalossi, advogada e professora de Direito Previdenciário da Faculdade Baiana de Direito.

“A estratégia da Fazenda Pública em pautar essas ADIs para serem julgadas antes do Recurso Extraordinário foi muito bem calculada e teve como argumento suposto impacto bilionário no orçamento da União, o que é extremamente questionado pelos Institutos de aposentados e pensionistas que acompanham esse debate. No entanto, esta ocorrência de se alterar a decisão em sede de embargos de declaração no Recurso Extraordinário, modificando totalmente o resultado do julgamento gera enorme insegurança jurídica indo contra a tudo o que se espera de uma suprema corte: previsibilidade e segurança”, enfatiza.

A insegurança também é percebida pelo advogado Luis Elyote, especialista em Direito Previdenciário, mas nem a instabilidade o faz acreditar numa nova mudança do STF. “Não acredito [em uma nova mudança] até porque não foi julgado de fato a revisão da vida toda. Foram julgadas duas ADIs, que determinaram que é obrigatório o uso dessa regra de cálculo com a utilização apenas dos salários de contribuição de julho de 1994 até o mês anterior ao pedido da aposentadoria”, justifica.

No que diz respeito às mudanças de posicionamento do STF, Anna Carla Fracassoli afirma que a maior crítica que tem sido feita à Corte é em relação ao uso das ADIs. “A própria razão de ser da regra de transição – que é uma regra optativa, destinada àqueles segurados que, por não haverem implementado todas as condições a determinado benefício, ainda não possuem direito adquirido – está no chamado princípio da confiança. Quando o STF decide da forma como decidiu para definir que uma regra de transição é obrigatória, ele coloca em risco todo o sistema que defende a proteção à confiança nos atos da administração pública”, ressalta.

Com isso, ela indica que passa a existir um cenário geral de incerteza no campo jurídico. “Cria enorme instabilidade jurídica e de certa forma gera um mal ainda maior em tempos atuais de tanta polarização e radicalismos: a ideia de descrença no sistema jurídico e ainda o total descrédito da população para com a previdência pública”, pontua.

Ainda de acordo com a especialista, o contexto jurídico não fica restrito a si e também torna o benefício frágil e instável para o aposentado. “Acredito que o aposentado, por conta dessas idas e vindas, acaba ficando mais suscetível a golpes, a fraudes, a discursos do tipo ‘canto da sereia’ que propagam falsas realidades, mais vulnerável. É muita insegurança que o próprio Estado produz. Assim, o aposentado torna-se ‘presa fácil para o sistema financeiro que oferece empréstimos, por exemplo”, finaliza.

*Com orientação da subeditora Fernanda Varela