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Maysa Polcri
Raquel Brito
Publicado em 15 de novembro de 2023 às 09:00
A presença de cadáveres à disposição dos estudantes nas universidades é essencial para a formação dos futuros profissionais de saúde, mas o acesso a eles não é tarefa simples. Na Bahia, o número de corpos humanos para fins de estudo é insuficiente e um chega a ser utilizado por até 165 alunos em um semestre. Na Universidade Federal da Bahia (Ufba), a maior do estado, a média é de 57 alunos para cada corpo. Além do curso de Medicina, eles são utilizados por graduandos de Odontologia, Nutrição, Enfermagem e até Dança.
A escassez de cadáveres preocupa professores dos cursos de saúde que acreditam que a formação dos alunos é prejudicada quando não há contato com o corpo real. “Nada se compara ao estudo do corpo humano no cadáver. Inclusive, nenhum ser humano é igual ao outro e as variações anatômicas só são encontradas neles e jamais em modelos sintéticos”, afirma Telma Masuko, que é professora e coordenadora do Programa de Doação de Corpo da Ufba.
O programa foi criado em 2017 para incentivar a doação de corpos para fins de pesquisa, especialmente em Salvador e na Região Metropolitana. O processo para que uma instituição de ensino adquira uma cadáver passa por dois caminhos: através de um convênio com a Secretaria de Segurança Pública (SSP), que envia às universidades corpos não identificados, ou pela doação de familiares. Cada cadáver costumam ser usados por alunos durante, em média, dez anos.
Quando não há doação direta da família, o processo é lento. Entre 2007 e 2017, a Ufba só recebeu um cadáver através do convênio com a SPP. Depois que o programa de incentivo foi criado, a universidade já recebeu cinco doações. Hoje, 1.500 alunos de 13 cursos têm acesso a 26 cadáveres, de acordo com informações da instituição. O número é muito superior à quantidade ideal: um a cada dez alunos.
Para fazer a doação, é preciso ter mais de 18 anos, entrar em contato com a universidade (veja abaixo) e solicitar o Termo de Intenção de Doação Voluntária, que também deverá ser preenchido por duas testemunhas. Não são aceitos corpos que apresentem peso igual ou superior a 100 quilos, por questões de armazenamento, ou cuja causa do óbito seja por morte violenta ou doenças infectocontagiosas.
Na Unex de Feira de Santana, os estudantes têm acesso a dois cadáveres inteiros, dois torsos e outras peças menores, chamadas de “blocos”, para análises específicas dos sistemas. Além dos corpos reais, a universidade conta com o auxílio de tecnologias como programas de anatomia e realidade virtual para complementar o aprendizado dos alunos.
Para o professor Tiago Veltri, coordenador do Ciclo Básico do curso de Medicina, é essencial que o uso do modelo cadavérico e o de recursos tecnológicos pelos estudantes da área de saúde coexistam.
“A gente entende que o cadáver é de suma importância e precisa ser mantido, apesar de muitas faculdades já não adotarem mais. É muito importante para, de maneira comparativa, os alunos fazerem a identificação dos órgãos e dos sistemas. A aula é bem aproveitada quando aquele aluno consegue fazer no modelo real o que aprendeu de maneira mais didática nas outras outras formas. Um complementa o outro”, diz.
O futuro de médicos que não aprenderem a manipular o corpo humano com a utilização de cadáveres pode ser comprometido. É o que afirma Otávio Marambaia, presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado da Bahia (Cremeb). “Nada supera o contato, a sensação do médico fazer a dissecção e aprender anatomia como deve ser. Quanto a ser impactado futuramente, só o futuro dirá, mas, certamente, sem essa experiência, o aprendizado fica comprometido”, analisa.
Na Universidade Federal do Oeste da Bahia (Ufob), a situação é ainda pior. A instituição só possui um cadáver do sexo feminino para 165 alunos do curso de saúde. “Os bonecos sintéticos possuem erros, distorções e limitam o estudo. Hoje só temos um corpo, o que é um grande problema porque temos apenas as partes femininas”, diz a professora de Anatomia Any Kelly Lima. Já na Universidade do Estado da Bahia (Uneb), são quatro cadáveres para cerca de 120 alunos. Além de partes humanas que já foram dissecadas.
Para Alisson Braga, estudante do 5º semestre de Medicina da Ufba, a falta de corpos prejudica a qualidade do ensino. “Limita o tempo e a profundidade do estudo, além de gerar uma sobrecarga nos corpos disponíveis. É necessário incentivar e conscientizar a população sobre a importância da doação para a educação e a ciência”, diz.
Em faculdades particulares de Salvador, como na Unifacs, por outro lado, os alunos não têm acesso a corpos reais. “A metodologia atual opta pelo uso de softwares de anatomia, incluindo tecnologia 3D, além de outros recursos tecnológicos, como bonecos hiper-realistas”, pontua.
Para driblar a falta de cadáveres, alunos e professores da Universidade Federal da Bahia apostam em técnicas alternativas de conservação, como a plastinação. “Fazemos métodos de alternativos que permitem maior durabilidade dos cadáveres, como a substituição da água do corpo humano por silicone”, explica a professora Telma Masuko.
A Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf), Universidade Estadual do Sul da Bahia (Uesb), Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc), Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs) e a Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública (EBMSP) foram questionadas, mas não informaram a quantidade de cádaveres disponíveis para estudo.
Serviço
O que: Programa de Doação de Corpo - Programa Transcendendo Além da Vida da Universidade Federal da Bahia (Ufba)
Telefone: 71 3283-8888 ou 71 3283-8923
E-mail: [email protected]