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Nilson Marinho
Publicado em 23 de dezembro de 2024 às 08:27
Aquela criatura de cerca de 19 centímetros de comprimento entrou de forma fugaz em uma farmácia do Caminho de Areia, bairro de Salvador, em dezembro do ano passado. Ziguezagueando, mas em alguns momentos parando no ar, passou entre as gôndolas de remédios, produtos de beleza e perfumaria. Não parecia ter um objetivo específico. Foi simpático com todos os funcionários daquele estabelecimento. Deu uma bitoca em cada um dos colaboradores, embora alguns demonstrassem certo estranhamento com a aproximação. Assim como chegou de forma repentina, despediu-se, sem deixar claro o motivo de sua ida.
A operadora de caixa Liliane Patrícia Barreto dos Santos estava de folga quando o visitante fez sua primeira aparição e só ficou sabendo do ocorrido no dia seguinte, ao voltar ao posto de trabalho. “Minhas colegas disseram: ‘Você não sabe, apareceu um beija-flor aqui na farmácia’. Eu ri, achando graça”, conta. Mas não demorou muito para o beija-flor-tesoura aparecer novamente, sem aviso. Mais uma vez, de forma veloz, entrou no local para uma nova série de bitocadas. Dessa vez, também em Liliane.
As visitas da ave passaram a ser diárias. A princípio, a operadora de caixa demonstrava medo diante de toda aquela intimidade, mas, aos poucos, a pequena ave foi ganhando sua confiança. O laço entre os dois foi se estreitando, e o animal passou a demonstrar mais interesse em acarinhar Liliane do que os demais funcionários da farmácia. Para selar essa amizade, ela o apelidou de “Beija”.
“Com o tempo comecei a interagir com ele. Conversava, perguntava: ‘O que você quer, Beija? Água? Comida?’. E ele foi se aproximando cada vez mais de mim. Ele chega perto de todas as pessoas, fala com um, com outro, mas o chamego dele sou eu. Todo mundo comenta: ‘Nossa, ele chega perto de todos, mas com você é diferente, ele te ama’. Ouço isso diariamente dos clientes, que ficam encantados ao ver o Beija comigo. Todos dizem que ele tem um carinho especial por mim”, comenta Liliane.
De fato, o beija-flor-tesoura parece preferir muito mais a operadora de caixa do que os demais funcionários da farmácia, e isso pôde ser comprovado por todos quando ela saiu de férias em junho deste ano. Nos primeiros dias, a ave chegou a ir ao estabelecimento, mas logo desapareceu, suspendendo assim suas visitas diárias. Ao retornar ao trabalho, Liliane sentiu a falta do beija-flor, que já não aparecia na farmácia há alguns dias, mesmo após sua volta. “Quando voltei, senti um vazio. Mas dias depois o reencontrei na rua e pedi que voltasse. Para minha alegria, ele retornou à farmácia. Foi um momento de muita felicidade.”
O biólogo João Carvalho, especialista em comportamento de aves, explica que o vínculo entre o beija-flor e a operadora de caixa não é algo comum, mas pode ser explicado por características comportamentais da ave e do ambiente.
“Essa relação entre o beija-flor e a operadora de caixa pode ser explicada pelo comportamento natural dessas aves, que são extremamente curiosas e possuem uma boa memória. É possível que a Liliane tenha transmitido uma sensação de segurança e tranquilidade, características que os beija-flores valorizam em ambientes que frequentam. Além disso, o hábito de interagir com ela pode estar relacionado à forma como ela respondeu às visitas do animal, criando um vínculo de confiança que é raro, mas não impossível, entre humanos e aves silvestres”, diz Carvalho.
O Beija chegou à vida da operadora no momento exato. Suas visitas diárias e suas “demonstrações de carinho” a ajudaram a aliviar uma dor profunda que carregava no peito há quatro anos, fruto de uma depressão, além de sarar uma ferida aberta após um traumático rompimento amoroso. Como forma de agradecimento, Liliane eternizou o beija-flor-tesoura em sua pele com uma tatuagem.
“Eu tatuei o Beija como símbolo de superação na minha vida e para eternizá-lo. Ele estará comigo até o fim, tanto na mente e no coração, quanto na pele”, diz. “Pensei em tirar minha vida. Depois, veio a separação de um casamento de 19 anos devido a uma traição do meu ex. Não entendia o que estava acontecendo comigo, mas o Beija me ensinou a superar tudo isso. Hoje, penso de forma totalmente diferente sobre a depressão e a separação. Foi uma das maiores superações da minha vida, e agradeço a Deus e ao Beija por isso”, afirma.
Operadora de caixa passou a alimentar a suas redes sociais com vídeos dos seus encontros com o beija-flor. Aos poucos, os vídeos passaram a ser compartilhados, ganhou likes e centenas de comentários. Hoje, a relação dos dois já é acompanhada por quase 40 mil seguidores que Liliane acumulou apenas no Instagram. A última vez que os dois se viram foi há uma semana. Liliane desconfia que ele tenha feito um ninho por aí.