Um em cada três tiroteios em Salvador e RMS aconteceram durante ações e operações policiais

Polícia matou 529 pessoas e feriu outras 110 em operações

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  • Wendel de Novais

Publicado em 29 de janeiro de 2024 às 05:15

Rua em Tancredo Neves amanheceu cheia de cartuchos de balas após guerra entre facções
Cartuchos de balas espalhados nas ruas após troca de tiros Crédito: Arisson Marinho/Arquivo CORREIO

Salvador e Região Metropolitana (RMS) registraram 1.804 tiroteios em 2023. Dentre estes, 659 foram registrados em ações e operações policiais, de acordo com o relatório anual do Instituto Fogo Cruzado, que monitora a violência armada na capital e na RMS. O número coloca 37% dos tiroteios mapeados com envolvimento de agentes da força policial. Ou seja, um em cada três disparos/troca de tiros foram registrados com a participação de agentes de segurança.

O alto registro de tiroteios em ações policiais é acompanhado por uma taxa de letalidade elevada. Isso porque, dentro das 659 situações mapeadas, 74% resultaram em mortos e/ou feridos. Ao todo, 639 pessoas foram atingidas, 529 morreram e 110 ficaram feridos nestas ações. Dudu Ribeiro, que é co-fundador da Iniciativa Negra e integrante da Rede de Observatórios de Segurança na Bahia, afirma que os números traduzem uma realidade onde o Estado, através da polícia, leva os tiroteios para Salvador e RMS e, principalmente, a comunidades negras e periféricas.

“O Estado é responsável por produzir esses eventos e isso deveria exigir uma mudança de rota na política de segurança pública a partir do momento que cerca de um terço dos tiroteios que são ocasionados na atuação das polícias. Quando temos nessas operações uma tentativa do poder público e, sobretudo, do comando das polícias de aliar a eficiência com letalidade, é uma questão gravíssima. Nós deveríamos perceber que se na política de segurança pública, se um agente público comete um ato que provoca a morte de alguém, nós não tivemos uma operação bem sucedida”, diz.

Carolina Ricardo, diretora executiva do Instituto Sou da Paz, afirma que os números não surpreendem e, mais do que isso, consolidam a avaliação de que a lógica de operação policial que pauta a segurança pública na Bahia é de um enfrentamento a qualquer custo. Para ela, mesmo com os grupos criminosos organizados e fortalecidos, o confronto não é a opção mais aconselhável de combate às facções dispostas em territórios baianos.

“Essa lógica mais espetaculosa de fazer operação policial para confrontar grupos de traficantes em determinados territórios é pouco eficiente, gera muitas mortes, mortes de inocentes e, na verdade, eventualmente pode conseguir matar um ou outro traficante, o que não é o objetivo. O objetivo sempre deve ser prender, mas continua um ciclo de violência”, aponta a diretora, que recomenda o uso de inteligência e investigação para promover operações eficientes e sem letalidade.

Dudu concorda e acrescenta o tipo de enfrentamento ao crime que se desenvolve na Bahia tem como base o militarismo e a lógica da guerra. “É preciso pensar uma política de segurança pública que seja pautada na proteção da vida. Isso não se faz fortalecendo mecanismo de guerra, que são os militares. Isso se faz com a produção de dados de qualidade, consciência e inteligência na segurança pública e com o controle civil dos atos da segurança pública que o militarismo não permite”, fala.

A Secretaria de Segurança Pública do Estado da Bahia (SSP-BA) foi procurada para comentar os números e informar políticas que implanta para reduzir, principalmente, os dados de tiroteios e mortes registrados em ações policiais em 2023. No entanto, a pasta não respondeu até o fechamento desta matéria.