Um dia após operação com dois mortos, Gamboa tem mais tiros e moradores acusam PM

Comunidade diz que PMs voltaram ao local em busca de celular perdido: "As famílias estão chorando de medo da polícia"

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  • Wendel de Novais

Publicado em 27 de outubro de 2023 às 12:33

Gamboa teve operação na noite de ontem
Gamboa teve operação na noite de ontem Crédito: Reprodução

Novos tiros foram registrados na Gamboa no início da tarde desta sexta-feira (27), e moradores afirmam que a Polícia Militar está em repressão contra as pessoas em busca de um celular de um policial. Em meio ao clima de medo e tensão na comunidade, há inclusive famílias fazendo as malas para deixar a comunidade. 

A equipe do CORREIO presenciou o momento dos tiros na comunidade. Houve correria de moradores e os repórteres que acompanhavam a denúncia de lideranças locais precisaram sair do local agachados para se proteger. No entanto, um dos tiros atingiu a mureta próximo onde a equipe do jornal se protegia.

Wagner Moreira, coordenador do Ideas Assessoria Popular, questiona também toda a operação que aconteceu na região ontem, terminando com a morte de dois homens. 

"A sociedade quer compreender o que justifica uma ação policial entre 23h30 e 1h30. Se essa foi autorizada e teve planejamento prévio. Tem como resultado a casa de diversos moradores e diversos estabelecimentos comerciais invadidos aqui na comunidade, sem ordem judicial. Ao longo dessa ação ilegal, um dos policiais perdeu o celular. Estamos aqui por conta de denúncias de que esse policial estava mandando áudio para diversos moradores dizendo que viriam buscar esse celular por volta de meio dia", diz ele, afirmando que policiais em uma viatura da Patamo estão ameaçando os moradores. "Quando tentamos encostar pra fazer o diálogo com esses policiais houve inclusive disparo na nossa direção. O que justifica mais de 12h após o ocorrido estarem ocorrendo novos disparos na comunidade?", diz.

De acordo com Wagner, o celular que seria do policial já foi devolvido. "Voltaram a invadir casas, estão ameaçando as pessoas, querendo o celular de volta. Esse celular já foi entregue à Corregedoria da Polícia Militar", garante. 

Ele afirma que pelo menos quatro comércios e três casas foram invadidas pela PM. "Precisa saber se existe mandado de busca e apreensão direcionados a esses espaços, o que justifica essa ação ilegal e essa movimentação tão forte policial aqui agora no entorno da comunidade, se ninguém parou para apurar os disparos que foram feitos agora", acrescentou. Segundo ele, os PMs agiram de maneira truculenta, com ameaças, em busca de informações sobre envolvidos com tráfico. "Embora a guerra às drogas e ao tráfico seja uma realidade, a Gamboa é uma comunidade secular, tradicional, de trabalhadores, pescadores e marisqueiras, que têm uma relação intrínseca com a economia do Centro. A criminalização dessa comunidade é um desfavor a qualquer lógica de segurança pública em curso hoje", afirma. 

Uma moradora diz que todos estão desesperados com a situação. "Os policiais que vieram ontem e mataram dois jovens aqui alegando que teve troca de tiros, deixou todo mundo em pânico, bateram famílias, quebrou tudo num bar de uma senhora, quebrou tudo na barraca de outra moradora, voltaram porque perdeu um celular e diz que quer o celular dele de todo jeito. Que se não achar, vai 'bagaçar' com as pessoas. Rumaram bomba, deram tiro na nossa direção. Está todo mundo apavorado porque os policiais estão dizendo que vão voltar 13h e que se não encontrar o celular, vão arregaçar e estão arregaçando mesmo", diz ela. "As famílias estão chorando de medo da polícia, que deveria proteger a comunidade. Estão matando, batendo e ameaçando o tempo todo". 

Os becos da comunidade estão lotados de mães, algumas com filhos de colo, em desespero, com as mãos na cabeça e chorando de medo. O temor é tanto que, por vezes, algumas pessoas pediram que o celular, que é motivo de ameaça, fosse devolvido aos policiais - o que já foi feito, dizem outros. "A gente não vai sair desse local, essa comunidade é nossa e a polícia não pode amedrontar essa comunidade, matar as pessoas e dizer que foi troca de tiros", afirma, pedindo que as pessoas vão para lá. "A gente não quer morrer na mão da polícia".

A Polícia Militar disse em nota que na manhã de hoje PMs do Batalhão de Polícia de Choque (BPChq) faziam ações de intensificação de patrulhamento quando foram interceptados por homens armados na Gamboa. 

"Durante o policiamento, militares foram recebidos a tiros por criminosos. Em continuidade, foram realizadas incursões e abordagens na tentativa de localizar os indivíduos, mas ninguém foi preso", acrescentou a PM em nota. A corporação não comentou as denúncias da comunidade.

Suspeitos mortos

Os dois homens mortos pela Polícia Militar durante uma operação na Gamboa são suspeitos de participar de ataques contra traficantes de outra facção na região da Vasco da Gama, segundo informações da Secretaria da Segurança Pública (SSP). A ação policial aconteceu na noite dessa quinta-feira (26).

Ainda de acordo com a SSP, os dois homens e os comparsas que fugiram durante o confronto são autores da morte de um homem, no dia 7 de julho deste ano. A vítima foi deixada em uma lixeira, na Avenida ACM.

Outro caso com indicação de autoria do mesmo grupo ocorreu no dia 11 de outubro. Um corpo em estado avançado de decomposição foi encontrado boiando na praia da Gamboa. Testemunhas informaram que a dupla e outros integrantes do mesmo bando mataram a vítima, pois ela morava em um bairro com atuação de facção rival.

Ainda segundo a SSP, o trabalho de inteligência segue na região à procura dos outros integrantes da organização criminosa. Participam da ação integrada equipes da PM (CPME, Bope, Choque, Graer, Bpatamo, Coppa e 18° BPM) e da Polícia Federal.