Tudo que você precisa fazer no São João do Pelourinho

Tradições locais são resgatadas na festa junina deste ano no local

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  • Fernanda Santana

Publicado em 19 de junho de 2023 às 10:27

São João no Pelourinho
São João no Pelourinho Crédito: Paula Fróes/CORREIO

A decoração junina, com bandeirolas coloridas penduradas pelos casarões, já está por toda parte. No chão, são vendidas comidas típicas e trios de forró se apresentam quando a tarde termina. Entre aqueles moradores mais velhos do Pelourinho que fuçam as lembranças, o clima evoca lembranças sobre as antigas festas juninas, quando o título pela maior fogueira era disputado e as noites eram repletas de fogos.

Não há mais fogueira pelas ruas, tampouco os fogos sobreviveram ao tempo e às transformações ocorridas nesse sítio histórico considerado patrimônio da humanidade pela Unesco. Mas, nos últimos 15 anos, parte das tradições têm sido retomadas, como as brincadeiras típicas do mês de junho. A mais famosa era o pau de sebo montado na nas ruas Gregório de Matos, Frei Vicente e no Terreiro de Jesus.

Nesta reportagem, você conhecerá um pouco mais a história dessas tradições e como é possível vivê-las no São João deste ano, com opções de trios de forró pé de serra, arrastões de samba junino e comidas típicas. As brincadeiras juninas, como o rabo de burro, por exemplo, acontecerão no Terreiro de Jesus, onde a Secretaria Municipal de Cultura e Turismo (Secult) instalou pontos de atividades lúdicas.

Barracas de comidas típicas juninas no Pelourinho
Barracas de comidas típicas juninas no Pelourinho Crédito: Paula Fróes

Os festejos juninos têm a participação dos poderes municipal e estadual. A parte organizada pela Prefeitura, realizada pela Secult, Saltur e Fundação Gregório de Matos, acontece desde o dia 1º de junho, marcado pelo início da trezena de Santo Antônio.

A programação prevista pelas secretarias e pela fundação focou no resgate da tradição dos festejos juninos, como o forró pé de serra (serão 48 bandas), com escuta da comunidade local.

A partir do dia 22 deste mês, o Governo do Estado, responsável também pela decoração junina do Pelourinho, promove shows, como o de Geraldo Azevedo e Flávio José.

"O Pelourinho está uma riqueza, agora já tem movimento, muita gente circulando no largo de São Francisco, no Terreiro de Jesus"

Nilzete Oliveira Leão
aposentada, 64 anos de vida e de Pelourinho

As comemorações seguem pelos largos do Pelourinho, Tereza Batista, Quincas Berro D'Água e Pedro Arcanjo. Há nove anos, o trio Forró Anarriê, que busca reafirmar o valor histórico, cultural e musical dos trios de forró idealizados por Luiz Gonzaga, se apresenta no Pelourinho. Neste domingo (18), o grupo se apresenta no Cruzeiro de São Francisco. Na noite de São João, 25 de junho, volta ao endereço.

"De público, há um interesse crescente. A cada ano que passa, tem mais gente interessada. São palcos mais baixos, mais perto do público, e nosso trabalho leva isso, geralmente tocamos lá mais cedo, vai família, com filhos, o pessoal mais velho"

Alexandre Lins
Músico integrante do Trio Anarriê

O que fazer no Pelô: de bares a quadrilhas

Quem gosta de acompanhar a festa junina no Pelourinho em pontos fixos tem diferentes opções. Nascido e criado no Pelourinho, o professor de boxe Ubirajara Santos de Jesus, o Bira, 58, indica o Bar da Loura, o Negros Bar e o Bar de Sergipe.

"Você ainda pode ver os sambas passando, o movimento das quadrilhas saindo", recomenda Bira, com a expertise de cinco décadas de São João no Pelourinho. As quadrilhas se apresentam desde a noite de ontem (16) até a de 25 de junho, a partir das 20h, na Praça da Cruz Caída.

Os bares recomendados por Bira possuem um cardápio à parte – o salame com limão do Bar de Sergipe é um “clássico” – mas, até o dia 25, também há espaço para comidas típicas.

O Pelourinho, acompanhado da Saúde, Santo Antônio Além do Carmo e do Mercado São Miguel (na Barroquinha), compõe uma rota gastronômica com o tema "sabores do interior". 55 restaurantes, lanchonetes e bares participam do projeto.

O percurso pode te levar a descobertas como o mungunzá salgado, servido no Boteco do Pelourinho, no Largo do Cruzeiro de São Francisco.

O prato é resultado de pesquisas da chefe de cozinha Edneide Lobo sobre a gastronomia nordestina e africana.

"O munguzá salgado é uma adaptação de um prato africano [do quimbundo mu'kunza, que significa milho cozido] que chegando à região do nordeste teve sua reformulação da receita na Bahia"

Edneide Lobo
Chefe do Boteco do Pelourinho

A dois minutos a pé do boteco, a Cantina da Lua serve, das 11h às 23h, uma amendoinzada, acompanha de arroz, farofa e vinagrete. Para quem não sabe, o prato é uma espécie de feijoada em que o amendoim substitui o feijão.

“As pessoas que não podem viajar certamente vêm para o pelô. Acho que é a consolidação do projeto de São João aqui e também mais uma maneira de se apropriar desse lugar”, afirma Clarindo Silva, proprietário da Cantina. “Só espero que não chova muito”, torce ele, enquanto, lá fora do restaurante, as últimas bandeirolas são erguidas.

Como era o São João no Pelourinho no passado?

Nos anos 80, as crianças pobres do bairro cobravam alguns trocados para buscar nos casarões destruídos restos de madeiras que pudessem virar brasa na noite de São João. Uma delas era Bira, morador, na época, da casa número 26 da Rua Gregório de Matos.

"O Pelourinho tinha seus contratempos, mas a comunidade era muito unida, sobreviveu a muitas coisas. Naquela época era muito forte essa nossa cultura. Cada porta era uma fogueira"

Bira
Professor de boxe e criado no Pelourinho

Há 30 anos, parte dos moradores do Pelourinho vinha do interior baiano - a mãe de Bira, por exemplo, é de Esplanada - e não podia (em geral, financeiramente) viajar para festas juninas nos interiores de onde vinham. Por isso, adaptavam os festejos no novo endereço.

As imagens dessa época são raras: câmera era artigo de luxo e fotógrafos de jornais não eram pautados para cobrir aquelas manifestações culturais.

As mudanças nas celebrações começaram depois da revitalização do Pelourinho, ao longo dos anos 90, realizada pelo então governo da Bahia. Novos comércios surgiram no lugar de antigas zonas residenciais. Faltava gente para fazer festa.

A criação do Pelourinho Noite e Dia pela Prefeitura de Salvador, em 2015, que previa uma série de ações culturais para o Pelourinho, foi fundamental para o fortalecimento das festas juninas, acreditam moradores.

Antes disso, novos editais públicos – como para grupos de samba junino, como você lerá abaixo – já tinham ajudado a promover as celebrações juninas no Pelourinho. O ano de 2000 marcou o início desse processo: no São João daquele ano, aconteceu o primeiro São João do Pelô, realizado pelo Governo do Estado.

O secretário municipal de Cultura e Turismo, Pedro Tourinho, destacou as ações no Centro Histórico, neste ano, como parte integrante do fortalecimento desse território. A expectativa de público é de 400 mil pessoas.

"É com alegria que esse ano damos mais ênfase a esses festejos, seguindo a nossa política de aquecer o Centro Histórico da nossa cidade. Muito feliz também porque esse ano podemos apresentar uma programação extensa"

Pedro Tourinho
Secretário municipal de Cultura e Turismo

O lugar do samba junino

Quando a noite de 23 de junho começa, é possível acompanhar os primeiros grupos de samba junino nas suas saídas, no Terreiro de Jesus. De lá, ao terminarem o primeiro desfile, eles seguem, em arrastão, pelas ruas do Pelourinho.

Alguns deles reúnem mais de 40 pessoas, entre elas os músicos, a rainha do samba junino, que dança no meio da percussão, e os associados aos grupos.

Os grupos foram escolhidos por meio de edital da Superintendência de Fomento ao Turismo do Estado da Bahia. A quantidade de atrações ainda não foi divulgada.

O samba duro que toca na noite de São João do Pelourinho, herança dos sambas de Caboclo do Candomblé, é ecoado pelo timbre, a marcação e o tamborim.

Antes de se tornar tradição no Centro Histórico de Salvador, já era referência em bairros como o Engenho Velho da Federação, o Engenho Velho de Brotas e Liberdade.

""Nosso ritmo é o africano e nosso samba é de terreiro de Candomblé. O nosso São João é Xangô"

Albino Apolinário Santana, 59
Agitador cultural e músico

Em maio de 1981, Albino e dois amigos, Zelito e Cabeção, conversavam sobre o São João que se aproximava e tiveram a ideia de criar um samba junino dentro do Pelourinho. A comunidade abraçou a ideia e naquele ano o Samba Pelourinho desfilou pela primeira vez. No primeiro arrastão, saíram da Rua do Maciel até o Tororó.

Os grupos de samba junino têm a tradição de movimento, não de palco, por isso passeiam pelas ruas.

"Na década de 80, que preto ia sair de Salvador para ir para interior curtir São João? E São João não era essa coisa grande, com tanto marketing, como hoje", diz Albino, que deixou o grupo dois anos depois da criação e criou o Samba Reggae, outro grupo de samba junino que existiu por dois anos. Em 88, o Samba Pelourinho acabou.

O irmão de Albino, Aurízio, foi fundamental para que, há 10 anos completados neste ano, o Samba Fogueirão chegasse ao São João do Pelô. O Pelourinho voltou a sediar arrastões de grupos de samba junino em 2008, quando o Governo do Estado propôs o primeiro edital para eles.

"A gente entendeu que precisávamos estar nesse lugar que é o palco do mundo. Foi com muita insistência que a gente conseguiu"

Jorge Fogueirão
Criou o Samba Fogueirão há 30 anos, no Engenho Velho da Federação

É de lá, da Rua 7 de agosto, que o grupo sai, às 20h do dia 23 de junho, em direção ao Pelourinho. "É um ritmo que costumo falar que contagia, porque quando começa a tocar, começa a balançar as pessoas", define Jorge.

O projeto São João em todo canto é uma realização do jornal Correio com patrocínio da Via Bahia e apoio da Larco Petróleo.