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Tradição secular: Conheça Terno de Reis que encanta a Chapada

Reiseiros percorrem casas com rezas e cânticos por 12 dias seguidos

  • Foto do(a) author(a) Millena Marques
  • Millena Marques

Publicado em 6 de janeiro de 2025 às 02:20

Terno de Reis de Coleta
Terno de Reis de Coleta Crédito: Arquivo pessoal/Jurema Cintra

Imagine percorrer milhares de casas e dormir em lares emprestados por 12 dias, levando apresentações musicais e orações aos vizinhos, sejam eles conhecidos ou não. Isso faz parte da tradição centenária do Terno de Reis, que, embora quase extinta no Brasil, ainda acontece em algumas regiões da Bahia. Na cidade de Seabra, situada na Chapada Diamantina, centenas de homens saem de suas residências na manhã do dia 25 de dezembro e só retornam no dia 6 de janeiro, data dedicada aos Reis no calendário brasileiro.

Os chamados reiseiros percorrem casas da zona rural à urbana, acompanhados de instrumentos musicais rústicos. Cantam, dançam e rezam. Em troca, ganham lanche, cachaça e alguns trocados, que juntam no intuito de realizar uma confraternização no último dia da manifestação. Na composição musical tem violão, viola, pandeiro, cuíca, tambor, prato, matraca, churras, ganzá (instrumento feito com molas, parecido com reco-reco). Alguns instrumentos são antigos, herdados e guardam um grande apelo sentimental.

Os grupos de homens formam os Ternos de Reis. Em Seabra, o Terno de Reis de Coleta é um dos mais famosos. Conduzido por Everaldo Ferreira Santos, o Bilosca, o grupo tem entre 80 e 100 anos de existência. “Coleta era minha mãe. Ela que fazia também o Reis, aprendi com ela, depois, na verdade, eu aprendi com meu pai. Meu pai faleceu. Ela tomou conta. Os homens eram para sair, mas tudo para resolver era ela”, diz Bilosca.

Segundo o chefe do Terno, a mãe aprendeu a tradição com o sogro e repassou ao filho, que mantém a manifestação viva com os 23 irmãos, sobrinhos e cunhados. Aos 70 anos, Bilosca, que é servidor público estadual lotado no Departamento de Infraestrutura de Transportes da Bahia (Derba), começou a sair pelas ruas de Seabra como reiseiro aos 12.

Bilosca e Jurema Cintra (fotoda esquerda)/Terno de Reis de Coleta (
Bilosca e Jurema Cintra (fotoda esquerda)/Terno de Reis de Coleta ( Crédito: Arquivo Pessoal/Jurema Cintra

Hoje, os reiseiros de Coleta montam uma rota e compartilham para a vizinhança por rede social. Segundo Bilosca, não há distinção entres as famílias que os recebem. “Pode ser pobre, pode ser rico. Agora é assim: Às vezes a gente chega para cantar e pessoas não aceitam. Já tem outras pessoas que ficam correndo atrás da gente na rua para cantar”, explica.

O grupo conduzido Bilosca não aceita bebida alcóolica sob a justificativa da dinâmica intensa e da longa caminhada durante os 12 dias – cada grupo tem suas tradições. Eles percorrem os povoados do Campestre, Lagoa, Churé, Mata da Onça, Prata, Caldeirão, Rua Vasco Filho, bairro União e Pedra Preta, que é Bairro Nossa Senhora das Graças, Tamburil e Tabuleiro. "A gente tem prazer de seguir a nossa devoção, porque é cultura. É cultura. Só que aqui em Seabra, na verdade, não dão valor”, conta.

Há um medo dos reiseiros da tradição ser extinta na cidade. “Eu conheço o Terno de Reis da Lagoa, do Vão das Palmeiras, da Cachoeira e da Serra do Adão, que era o do finado Matias. Mas eles pararam. Matias era o chefe, morreu, e eles pararam. A tradição corre sérios riscos de se perder sem apoio governamental”, relata. A aposentadoria dos chefes dos Ternos é também um problema que ameaça a manutenção da prática. Quem diz isso é Micael Gomes, 21 anos, o reiseiro mais jovem do Terno de Reis de Ramin, do povoado da Lagoa da Boa Vista.

“Se eu pudesse, seria o chefe e tocava para frente para não ver parar porque a tradição vai acabando com o passar dos anos. É difícil ver um jovem como eu parar 12 dias para percorrer a tradição. Para mim, não é só a fé, é encontrar os amigos, é fazer parte de uma família”, conta. Ele diz que, apesar de ter 17 anos de reisado, ainda não possui o conhecimento que os mais velhos têm.

O Terno de Reis de Ramin também é famoso na região. Micael conta que conseguem visitar cerca de 1500 casas e ficam, em média, 30 minutos em cada residência. Os povoados atendidos são Laje, Ouvidor, Curral do Campo, Vale do Paraíso e Capão, comunidades vizinhas da Lagoa da Boa Vista,

Terno de Reis de Ramin
Terno de Reis de Ramin Crédito: Arquivo pessoal/Jurema Cintra

Motivo de festa

Nascida e criada em Seabra, a pedagoga e gestora pública Miriam Barreto, 56, tem contato com a tradição desde a infância. A família dela tem os hábitos de montar presépios, chamados de Lapinha na região, e costuma receber os reseiros anualmente. “É um motivo de alegria. É uma festa celebrar com os reseiros, que vêm louvar o Menino Deus, e cantar aos Reis Magos”, diz.

A manifestação cultural também celebrada por turistas. Natural de Salvador, a assessora comercial Layza Luquini, 20, presenciou a tradição pela primeira vez no povoado da Raposa. “Foi emocionante ver o grupo passando de casa em casa, levando alegria, música e fé, com crianças, jovens e idosos celebrando a visita dos Reis Magos ao Menino Jesus”, relata.

Trazida ao país pelos colonizadores luso-açorianos, a manifestação cultural-religiosa é inspirada na história bíblica dos Três Reis Magos. Gaspar, Melchior e Baltazar seguem uma estrela que surge no céu na data do nascimento de Jesus, celebrado no calendário cristão no dia 25 de dezembro, à procura do menino. Acredita-se que chegam a Belém no dia 6 de janeiro.

Historicamente, o Terno de Reis é uma tradição majoritariamente masculina, embora Miriam recorde de um reisado de mulheres formado no povoado de Saquinho, o Terno de Reis de Vanzinha. O historiador Rafael Dantas explica que a questão de gênero está relacionada aos próprios magos. “Diria que talvez toque muito mais na questão da própria tradição dos costumes religiosos como um todo. Além, evidentemente, da questão dos reis magos”, diz.

Nesta segunda-feira (6), os reiseiros alternarão entre rezas, samba, chula (canto seresteiro), e mais rezas. Ao terminarem o compromisso, retornam às suas casas após 12 dias espalhando fé e cultura.