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Esther Morais
Publicado em 25 de março de 2024 às 16:37
A ida de um babalorixá para acompanhar uma missa na Igreja dos Mares, em Salvador, e que terminou em denúncia de racismo e intolerância religioso, não foi um acaso. O líder religioso Adriano Santos foi com seus "iaôs" (filhos de santo que passaram pela iniciação) para fazer a romaria, um ritual em que os iniciados vão às igrejas católicas para buscar proteção e bênção divina. Mas, apesar de ser tradicional, a peregrinação em templos católicos tem sido alvo de críticas.
Do terreiro Ilê Axé Yá Onira, o pai de santo Roberto de Iansã - como é conhecido - explica que a romaria é um ritual antigo associado ao sincretismo religioso. Ela acontece após a feitura do santo e, antes de voltar para casa para cumprir resguardo, o iniciado é levado por um babalorixá ou ekedi - cargo feminino na religião - para uma igreja ou até três igrejas católicas. Eles percorrem e dão volta no templo e depois entram para assistir a missa ou fazer alguma reverência.
Roberto de Iansã ainda explica que a cerimônia não depende do orixá, mas em geral as igrejas são escolhidas conforme o sincretismo que corresponde ao orixá do iniciado. "É um ato que nem todos hoje fazem, mas antigamente se fazia. Não tem incorporação ou oferenda, é uma pessoa que entra no templo religioso e assiste uma missa ou apenas se benze e depois", afirma.
O candomblecista Ronald Alagan acompanhou o caso pessoalmente e compartilhou nas redes sociais o que aconteceu. Nos comentários das publicações, no entanto, fiéis do candomblé criticaram a ida a uma igreja católica para realizar o ritual.
"O ato do padre é repugnante. Porém vamos parar para pensar na "tradição " de levar nossos iniciados na chamada romaria em uma Igreja católica. Qual o sentido? Não seria mais valioso e ancestral levar nossos iniciados em 7 terreiros para tomar a benção aos mais velhos", comentou um seguidor. "Com todo respeito aos mais velhos que passaram por esse rito, mas eu não consigo entender qual a necessidade de colocar os neófitos dentro de uma igreja católica para pedir bênção", respondeu outro.
Em resposta, Ronald gravou vídeos defendendo a "tradição cultural do candomblé". Ele diz que o candomblé teve que se remodelar diversas vezes, se escondendo atrás da igreja católica, durante anos e séculos para resistir. "Eu saúdo todos sacerdotes e sacerdotisas que morreram lutando pelo candomblé no Brasil. Como que hoje devo cortar essa miscigenação?", questiona.
Ele ainda associou o ritual a outras celebrações sincretistas, como a Lavagem do Bonfim. "Não é só desligar o yaô de não ir na igreja católica, é não frequentar nada. Quem não sabe pra onde vai, dá uma olhada de onde veio", acrescentou.
Um babalorixá denunciou ter sofrido racismo religioso em uma missa na Igreja dos Mares, em Salvador, na última sexta-feira (22). Segundo o candomblecista Ronald Alagan, que acompanhou o caso, o líder religioso Adriano Santos estava com seus "iaôs" (filhos de santo que passaram pela iniciação) para acompanhar o culto, mas o padre parou a cerimônia para expulsar os religiosos do candomblé da igreja. O líder católico foi identificado como Pe. Manoel da Paixão Gomes do Prado.
"Ele [babalorixá] foi registrar boletim de ocorrência e vim aqui denunciar mais um racismo religioso. Sofreu constrangimento, intolerância, racismo", reclamou Ronald. "Como de praxe, o padre manda eu me retirar, disse que estava desrespeitando a religião dele", completou Santos. Os fiéis estavam no local para fazer o ritual da romaria, quando iniciados vão às igrejas católicas para buscar proteção e bênção divina.
Nesta segunda-feira (25), o Ministério Público do Estado da Bahia (MP-BA) encaminhou ofícios ao responsável pela Igreja Católica Nossa Senhora dos Mares, solicitando que se manifeste a respeito da denúncia, e à Polícia Civil para que informe o andamento do inquérito policial instaurado para apurar o caso.
Em nota, a Arquidiocese de Salvador comentou que valoriza e promove o diálogo inter-religioso, contando com uma Comissão Arquidiocesana para o Ecumenismo e o Diálogo Inter-religioso, assim como repudia quaisquer atos de intolerância religiosa, defendendo o respeito aos lugares de culto, aos próprios cultos e aos seus participantes.
Quanto ao caso, a instituição informou que "está acompanhando atentamente, em vista da justa apuração do ocorrido".