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Wendel de Novais
Publicado em 14 de novembro de 2024 às 06:07
As câmeras clandestinas usadas por organizações criminosas para substituir ‘olheiros’ nas ruas de Salvador entram e saem de cena à medida em que traficantes as instalam e policiais as retiram de postes da capital. Durante o tempo em que estão ativas, no entanto, aumentam dois problemas da cidade: o medo dos moradores e a dificuldade do trabalho dos agentes de segurança em uma área conflagrada pela violência.
Em frente a um poste onde criminosos costumam instalar o sistema de monitoramento na Rua Apolinário de Santana, no Engenho Velho da Federação, um policial da região explica o impacto. “Para onde está virada a câmera, ninguém fala com a polícia. A gente chega aqui para uma ocorrência e ninguém fala”, diz o agente da Polícia Militar da Bahia (PM-BA), que terá a identidade preservada.
Segundo ele, todos têm medo porque sabem que alguém pode estar olhando o diálogo com os agentes e, até quando as câmeras são retiradas, o temor persiste. Para os policiais, a consequência se dá de outra maneira. “Se eles estão no fim de linha, depois das câmeras, podem nos ver chegando antes. Ficam preparados”, relata ele, explicando que os bandidos podem até se preparar para surpreender agentes assim.
Na região de Mussurunga, um outro policial, que também prefere manter o nome em sigilo, explica que o problema está na reincidência. “Eles insistem em ter esse sistema de monitoramento, que é retirado todas as vezes, mas acaba voltando a ser instalado. Às vezes, não demora nem um mês. Além dos moradores ficarem assustados, os PMs são monitorados nas rondas, o que põe todos em risco”, avalia o agente.
Para Antônio Jorge Melo, coronel reformado da PM e especialista em segurança pública, as câmeras, nesse contexto, têm um papel ambíguo para os moradores de áreas onde as facções atuam. “Proteção ou ameaça. As câmeras são ferramentas úteis no combate à violência, oferecendo maior segurança a comércios e residências. Por isso, se popularizaram [...] No entanto, há um efeito colateral da vigilância. Em todo Brasil, os criminosos também as utilizam como olhos do crime”, aponta.
Melo diz ainda que a tecnologia amplia a possibilidade de monitoramento das ações policiais para reduzir o sucesso de rondas e operações, no passo que funcionam como ferramenta de vigilância contra facções rivais. Cofundador e diretor executivo da Iniciativa Negra, Dudu Ribeiro avalia que o uso de câmeras e outras tecnologias se dá a partir da intensidade da guerra que se vive em Salvador.
"Isso é resultado da ideia de hiper vigilância, de uso de tecnologias para guerra. A guerra, na história, sempre promoveu um investimento tecnológico e a sua capacidade de apresentar respostas para diversos cenários, como esse ambiente [de Salvador], criado pela opção do Estado de chamar um controle de substância de guerras às drogas e declarar inimigos, sobretudo pessoas negras e periféricas”, analisa.
Dudu acredita que as câmeras não afetam a circulação de moradores, mas causam um outro impacto. “O ponto central que impede as pessoas de se moverem na cidade é a mobilidade urbana [...]. Em segundo, a intensidade dos conflitos armados, que tem gerado mais situações de interrupção da linha de transporte. Eu acho que a questão das câmeras cumpre um outro papel, não no sentido do controle da circulação, mas para o revide e a autoproteção frente a um ambiente de guerra”, completa.
A Polícia Militar da Bahia foi procurada para informar quantas ações de retirada de câmeras clandestinas foram realizadas em Salvador neste ano e em 2023. No entanto, pediu para que a reportagem entrasse em contato com a Polícia Civil da Bahia (PC), responsável pelos registros formais. A PC, por sua vez, informou não ter os dados e recomendou o contato com a PM. Contatada novamente, a corporação não retornou.
A Secretaria de Segurança Pública do Estado da Bahia (SSP-BA) foi procurada pela reportagem para se posicionar sobre a situação. A pasta foi questionada sobre o número de câmeras desarticuladas em Salvador no ano de 2023 e 2024, além de ser perguntada sobre um projeto específico para combater a prática criminosa. No entanto, a SSP-BA não respondeu até o fechamento desta reportagem.