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Bruno Wendel
Publicado em 15 de abril de 2024 às 05:00
Basta lembrar daquela fatídica noite que a voz embarga, as mãos tremem e as lágrimas encharcam um rosto que há 13 anos chora uma dor imensurável. “Era tudo pra mim, meu amigo, meu companheiro”, declarou o segurança e capoeirista Joel de Castro, de 55 anos, pai de Joel da Conceição Castro, de 10 anos, morto quando se preparava para dormir em casa, durante uma ação policial no Nordeste de Amaralina em 2010.
Para ele, a perda precoce do menino é uma ferida no peito que não cicatriza, mas o sofrimento poderá ser amenizado no dia 6 de maio, quando dois, dos nove envolvidos na morte do seu filho, vão a júri popular: “Tenho fé em Deus, que eles vão sair de lá algemados”.
Serão julgados no Fórum Ruy Barbosa o tenente Alexinaldo Santana Souza e o ex-soldado Eraldo Menezes de Souza, que, nos autos, confessou ter efetuado o tiro que atingiu o menino Joel - a versão foi confirmada pela perícia do Departamento de Polícia Técnica (DPT).
O tenente foi também pronunciado pela Justiça, porque comandava a ação e estava ao lado do Eraldo quando houve os disparos, que invadiram a casa do menino, em 21 de novembro de 2010. “O laudo fala que não houve confronto. Então, por que tanto tiro? E logo na janela? Do alto? Pra pegar em alguém? Estava na intenção de matar”, disse o pai do garoto.
Durante a entrevista, realizada fora do Nordeste de Amaralina, seu Joel, conhecido também como “Mestre Ninha”, chegou acompanhado do Instituto Odara que, além de assessoria jurídica, promove ações de acolhimento e incentivo à organização política coletiva de mães e familiares de vítimas do Estado, e atuará como assistente de acusação do Ministério Público da Bahia (MPBA) no júri - antes, seu Joel era representado por uma outra instituição, mas que, segundo ele, não dava a atenção devida ao caso.
“Me sentia sozinho, desemparado. Uma amiga me levou à Odara, que abraçou a minha causa e fez esse processo andar e eu tenho certeza que eles vão pagar”, disse ele.
Questionado se um dia perdoaria os policiais, ele respondeu: “Não sei. Hoje, eu quero que eles paguem, somente isso. Joel tinha pai e mãe. Eu não tenho como trazer Joel à vida, mas quero que eles paguem, que sintam na pele o que nós, da família, estamos sentindo. Acredito na justiça. É a única arma que nós temos”, pontuou o capoeirista.
No verão de 2009/ 2010, Joel foi garoto propaganda do governo do estado da Bahia. “Era brilhante, tinha um grande futuro”, disse o pai, cheio de orgulho. O laço entre ele e o filho estava além do nome, do sangue e da fisionomia. Assim como o genitor, o pequeno Joel sonhava em ser mestre e viajar pelo mundo, levando o que o pai dele disse em entrevista que era o que há de melhor da Bahia, a capoeira.
“Ele já estava no caminho. Ia para Itália, se apresentar com outros capoeiristas, mas não conseguiu realizar o sonho de sair do Brasil”, lembrou seu Joel, que até hoje vive no mesmo local da tragédia. “As lembranças vêm todos os dias. Só fico mais aliviado quando saio, porque quando entro em casa, me lembro de Joel, um menino muito carismático. Apesar que tenho outros filhos, mas Joel era um menino que veio só para trazer alegria”, disse emocionado.
Após a tragédia, a história do menino Joel foi transformada no documentário 'Menino Joel', que contou com depoimentos da família, vizinhos, líderes comunitários e algumas autoridades baianas.
“O meu coração de pai vai levando, mas falta Joel na minha vida. Apesar que eu gosto de todos eles, mas ninguém quer perder um filho. Filho foi feito para enterrar um pai e não para um pai enterrar um filho”, declarou.
Quase três anos depois, uma nova e profunda dor abalaria o capoeirista. O primo do menino Joel, Carlos Alberto, foi morto por policiais da mesma companhia e na mesma rua do Nordeste de Amaralina.
“Não sei por que eles carregam tanto ódio. Primeiro foi Joel, depois Júnior (Carlos Alberto), um menino que vi criança. E isso não parou! Eles (policiais) acreditam que a comunidade não presta. Mas a maioria veio da periferia e não da Barra ou Ondina!”, afirma.