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Gil Santos
Publicado em 27 de julho de 2023 às 05:15
Desde que os trens do Subúrbio Ferroviário de Salvador suspenderam as atividades, em 13 de fevereiro de 2021, os moradores dos bairros dessa região são obrigados a trocar a passagem que custava R$ 0,50 pelo bilhete do ônibus que custa R$ 4,90. O tempo de viagem também foi multiplicado por conta dos engarrafamentos. E, os equipamentos públicos, como as estações e os vagões, viraram sucata e são saqueados. Já são quase 900 dias sem trem e o VLT - Veículo Leve de Transporte que seria o substituto, até hoje não começou a operar.
Em dezembro de 2019, o então governador da Bahia, Rui Costa (PT), assinou a autorização para o início das obras do VLT. A licitação tinha sido lançada em 2017. O modal deveria substituir o trem é considerado mais moderno, com 19,2 quilômetros de extensão e 21 estações ligando a capital à Ilha de São João, em Simões Filho.
A promotora de vendas Aline Silva, 23 anos, era estudante na época e até hoje aguarda o desfecho das obras. “A notícia [da chegada do VLT] deixou as pessoas divididas. Uma parte entendeu que a mudança iria resultar no aumento do valor da passagem, enquanto outras disseram que o serviço iria melhorar. No final das contas ficou todo mundo a ver navios e prejudicados. Estamos pagando mais caro e o serviço é o do ônibus comum, nem trem, nem VLT”, afirma.
Em Paripe, onde Aline mora, a estação está cercada por tapume e do lado de dentro há apenas vegetação. O caminho até a estação mais próxima, que fica em Coutos, também tinha tapumes, mas parte da estrutura cedeu e está tombada onde antes passavam os trilhos. Moradores reclamaram que o local traz insegurança, porque diminui a visibilidade.
Já em Periperi, mesmo com os tapumes, é possível ver os vagões abandonados na estação, vegetação e um silêncio incomum para um dos terminais mais movimentados de outrora. Em Plataforma e na Santa Luzia moradores relataram ter presenciado saques. Os bandidos roubaram fios de cobre e outros equipamentos que encontraram pelo caminho. A pedagoga Michele Silva, 29 anos, mora no Lobato.
“O trem faz muita falta. Antes, a gente ia até a calçada nos horários de pico e pegava ônibus menos cheios que vinham de outros bairros, como São Caetano, Ribeira e região da Avenida San Martin. Isso diminuía o tempo no engarrafamento. Hoje, esperamos muito mais tempo para pegar um ônibus e descer na Feira de São Joaquim, por exemplo”, explicou.
Ela destacou também o aumento das despesas com transporte, já que a passagem de R$ 0,50 aumentou 880%. Já o comerciante Isaías Souza, 49, está indignado com a morosidade do processo. “As obras estão paradas. Não tem nada em andamento. Isso significa que eles não devem ter nem previsão de quando o sistema vai funcionar”, disse.
O último prazo informado era entregar o VLT no segundo semestre de 2024, mas o projeto sofreu mudanças. Em março de 2022, o valor do contrato foi reajustado pelo Governo do Estado. Segundo a Secretaria de Desenvolvimento Urbano (Sedur), o documento assinado com a concessionária para a implantação e operação da Fase 1 do sistema foi de R$ 2,8 bilhões, quase o dobro do R$ 1,5 bilhão que havia sido divulgado por Rui Costa.
Na ocasião, a pasta informou que foi necessário um novo reajuste porque a empresa iria operar também a Fase 2. A conta ficou em R$ 5,2 bilhões. Além disso, o prazo de concessão foi ampliado e não foi divulgado o cronograma de execução das obras. Naquele mesmo mês, vereadores da Câmara Municipal de Salvador fizeram uma audiência pública para discutir o assunto e cobraram mais transparência.
Houve mudança também no modelo que será implantado, o veículo não será mais sobre trilhos, os vagões vão transitar por uma estrutura elevada por vigas de concreto ou aço, e usando pneus (monotrilho). Especialistas e usuários criticaram a medida, porque além de descaracterizar o Subúrbio, essa alteração terá reflexos na economia e no trânsito. Uma das observações é que a vida útil é menor que a dos veículos que trafegam sobre trilhos.
Nesta semana, a discussão sobre o VLT ganhou um novo capítulo depois que a Procuradoria Geral do Estado (PGE) informou ao Tribunal de Contas da Bahia (TCE) que o governo pretende romper o contrato com o consórcio Metrogreen Skyrail, controlado pela gigante chinesa BYD, contratada para realizar a obra. A informação surgiu na terça-feira (25), durante o julgamento do contrato de Parceria Público-Privada firmado entre o estado e a construtora.
A Coluna Satélite do CORREIO mostrou que uma auditoria do TCE detectou 14 irregularidades no contrato, como sobrepreço nos valores de serviços acima da média praticada no mercado, falta de licença ou de diretriz para o licenciamento ambiental, inconsistências no cálculo para definir os investimentos na obra e preços de referência fixados na licitação, erros no anteprojeto de engenharia e uso de fundamentação jurídica frágil para autorizar a PPP.
Outro ponto levantado pelos auditores e pelo foi a decisão de trocar o modelo sobre trilho, como foi definido no primeiro edital de licitação lançado em maio de 2017, para monotrilho. A medida teria partido da empresa privada, quando a legislação determina que alterações dessa natureza devem ser feitas pelo poder público.
Em apenas cinco itens analisados do orçamento inicial do projeto, os auditores do tribunal identificaram uma diferença de R$ 19,2 milhões. Além disso, a decisão do governo de oferecer aporte de R$ 100 milhões para a consórcio ultrapassou a cota de 70% para concessões patrocinadas pelos cofres públicos e precisaria de autorização da Assembleia Legislativa. Até agora, foram investidos quase R$ 57 milhões na obra.
O parecer do Ministério Público de Contas (MPC) está sendo apreciado pelo TCE. Nesta terça-feira, depois da PGE informar que haverá rescisão do contrato com o consório responsável pelo VLT, o conselheiro Inaldo Araújo apresentou um pedido de preliminar para que o Governo do Estado volte a se manifestar no processo, e foi acompanhado por dois colegas.
Outros dois conselheiros, João Bonfim e Carolina Matos, pediram vistas e o julgamento foi suspenso. O TCE informou que o prazo regimental para retorno dos pedidos de vistas é de duas sessões plenárias.
A PGE e a Sedur foram procuradas, mas não se manifestaram.
Dezembro de 2019 – O então governador Rui Costa (PT) assina a autorização para o início das obras do Veículo Leve de Transporte (VLT) em Salvador. A empresa contratada foi o consórcio Metrogreen Skyrail, controlado pela gigante chinesa BYD, por R$ 1,5 bilhão. A licitação tinha sido lançada em 2017. Foi anunciado que o modal teria 19,2 quilômetros de extensão e 21 estações. Com capacidade para transportar 172 mil usuários por dia, e que 600 mil pessoas seriam beneficiadas.
Fevereiro de 2021 – Depois de 160 anos em operação, os trens que faziam a ligação entre os bairros da Calçada e Paripe foram definitivamente aposentados. A última viagem ficou lotada de passageiros saudosos do modal. Cerca de 100 trabalhadores foram demitidos.
Março de 2022 - O valor do contrato para a construção do VLT foi reajustado pelo Governo do Estado. O documento assinado com a concessionária para a implantação e operação da Fase 1 do sistema foi de R$ 2,8 bilhões, quase o dobro do que havia sido divulgado. A empresa assumiu a operação também a Fase 2 e a conta pulou para R$ 5,2 bilhões. É anunciada a mudança de trilhos para pneus (monotrilhos);
Março de 2022 – Vereadores da Câmara Municipal de Salvador fazem uma audiência pública para cobrar mais transparência no processo, com os valores e com o prazo para execução da obra. Usuários e especialistas criticam as alterações feitas pelo governo.
Julho de 2023 – Auditoria do TCE aponta irregularidades no contrato e PGE diz que a parceria com o consórcio será cancelada. O governo ainda não respondeu como ficará os R$ 57 milhões que já foram investidos na obra, além dos R$ 100 milhões anunciados como aporte para a gigante chinesa, e quando o sistema estará em operação.