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Larissa Almeida
Publicado em 24 de janeiro de 2025 às 02:30
De dia, a tranquilidade que domina as ruas de pedra lembra uma cidade do interior, mas é apenas um bairro da capital baiana: o Santo Antônio Além do Carmo. À noite, sobretudo da sexta-feira ao domingo, o movimento intenso de bares, o som alto e o trânsito desordenado lembram a agitação que, em outra época, só era vista no Rio Vermelho – mas, agora, é vivida no Santo Antônio. >
Diante da divisão entre a tradição bucólica e a nova onda boêmia, o bairro que atrai turistas e famosos tem deixado de ser sossego dos mais velhos residentes, que se queixam do barulho e congestionamento durante noites de festas. >
Na Rua Direita, a principal rota da agitação aos finais de semana, os moradores já perderam a paciência e colocaram faixas com os escritos “Aqui mora gente”. Para direcionar com maior precisão a mensagem, um morador sugestionou com ênfase os destinatários ao enfaixar “No bairro da sua festa mora gente!”, sem deixar dúvidas que o problema é causado pelos visitantes. >
Desrespeito >
O químico Júlio César Mato Grosso, 59 anos, afirma que a atitude de alertar quem vem de fora se deve aos episódios de desrespeito já vivenciados durante alguns eventos. >
“As pessoas, muitas vezes, não encontram onde fazer suas necessidades fisiológicas e acabam fazendo nos muros ou nas paredes das casas. Isso já aconteceu comigo. Nós também temos o costume de ficarmos nas portas, mas essas pessoas acabam nos transformando em uma espécie de parque temático. Não nos cumprimentam. É como se não fôssemos moradores reais, mas sim atores interpretando. Não nos respeitam”, lamenta. >
No caso da técnica de enfermagem Cristiane Borges, 64, a queixa é de uma situação ainda mais grave. Ela, que nasceu no bairro e tem uma mãe com 92 anos, reclama que ambas passaram a ter a rotina abalada, porque não conseguem dormir aos finais de semana. >
“Minha mãe dorme na sala porque não pode mais subir escada e, bem em frente à casa, tem um restaurante que, aos finais de semana, coloca som alto até de manhã. Eu tive que passar a dormir no quarto dos fundos, porque na frente não tinha condições, e ela agora só dorme durante o dia”, conta.>
Temido Carnaval >
O incômodo relatado pelos moradores tem como ápice o Carnaval que, no ano passado, levou muitos foliões ao bairro. Segundo eles, não faltaram bagas de cigarro, latinhas de plástico e até mesmo de vidro deixados no peitoril das janelas. Também não foram poucos os casos de pessoas que usaram o suporte para se sentar. >
Para evitar que a situação se repita, o ator Fabrício Boliveira – no ar como o protagonista de “Volta por Cima”, novela das sete da Rede Globo – pediu que fosse instalado um tapume na janela da casa que tem no bairro desde 2016. O administrador do imóvel, que cuida da casa enquanto Fabrício está no Rio de Janeiro, ressalta que a decisão foi, sobretudo, pelo risco de incêndio que uma baga de cigarro poderia causar no local. >
Para Cristiane Borges, a atitude do vizinho foi acertada. “É o que eu vou fazer na minha casa também”, fala. “O bairro não tem estrutura para os mini trios que colocam na rua. Não colocam banheiro e as pessoas sobem até na janela. [...] Aqui não era para ter Carnaval. Isso aqui é um bairro”, enfatiza. >
A vendedora Vanessa Queiroz, 47, também defende que não há estrutura para a festa momesca e que sempre há superlotação. “No Carnaval, não dá nem para botar o pé fora de casa de tanta gente. São vários carros, crianças e não há um padrão estabelecido. Sequer tem horário para acabar, sendo que tem pessoas que vão trabalhar no dia seguinte”, aponta.>
Outro incômodo citado por todos os moradores entrevistados pela reportagem é o assédio de guardadores de carros, mais conhecidos como ‘flanelinhas’, que provocam gritarias e discussões enquanto tentam receber o pagamento pelo estacionamento. “Eles cobram de R$ 20 a R$ 30 e, se não der dinheiro, eles arranham. O carro da minha irmã foi todo arranhado aqui. Eu fico muito triste, porque nasci aqui. É um lugar que tinha tudo para ser um dos melhores bairros de Salvador”, lamenta Cristiane. >