Setembro letal: confrontos da polícia em Salvador e RMS mataram três vezes mais do que os do Rio de Janeiro e Recife juntos

Os dados são do Instituto fogo Cruzado, que registrou até o momento 68 óbitos

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  • Da Redação

Publicado em 2 de outubro de 2023 às 05:00

Operação no bairro de Valéria, em Salvador
Operação no bairro de Valéria, em Salvador Crédito: Alberto Maraux/ Ascom-SSPBA

Atualmente, Salvador está mergulhada numa onda de violência, com tiroteios quase que diários. Essa situação pode ser representada por um levantamento do Instituto Fogo Cruzado (IFC), que aponta a capital e a região metropolitana (RMS) da Bahia como a mais letal em operações policiais, entre as regiões em que o órgão de pesquisa atua na coleta de dados. Ou seja, segundo o IFC, no mês de setembro, Salvador e RMS tiveram três vezes mais mortes do que as cidades do Rio de Janeiro e Recife e suas regiões metropolitanas juntas. 

O levantamento do IFC foi realizado entre os dias 01 e 28, a pedido do CORREIO. De acordo com os dados, foram 68 mortes e 13 feridos em 71 tiroteios durante operações policiais na capital baiana e RMS, que conta hoje com 3,4 milhões de habitantes, segundo o censo divulgado neste ano pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Já no Rio de Janeiro e na sua região metropolitana, que supera em quatro vezes a população da região metropolitana baiana (12,1 milhões de habitantes), neste mesmo período, contabilizou 13 óbitos e 21 feridos durante 33 confrontos policiais.

Em Recife e região metropolitana, com 3,4 milhões de moradores, o IFC registrou 6 mortes durante 10 episódios de auto de resistências – quatro pessoas saíram feridas. O instituto usa tecnologia para produzir e divulgar dados abertos e colaborativos sobre violência armada. Com uma metodologia própria, o laboratório de dados da instituição produz 40 indicadores inéditos sobre violência nas regiões metropolitanas do Rio, do Recife e de Salvador.

Bahia

Na Bahia, o número de mortes em confrontos com as forças de segurança em setembro chegou a pelo menos 82. Isso representa quase 3 mortes por dia no estado em ações policiais.

Esse dado engloba o levantamento do IFC, até quinta (28), e casos ocorridos até sábado (30) atualizados pela reportagem em matérias já publicadas, além de casos registrados em cidades não monitoradas pelo instituto. Tentamos com o IFC, neste domingo (1º), a atualização do levantamento até o dia 30. Mas, de acordo com o instituto, esse número só será divulgado nesta segunda (2).

Na sexta (29), foram registradas nove mortes: uma em Salinas da Margarida, três em Salvador, quatro em Santo Amaro e mais uma em Itapetinga. Além disso, na terça (26), ocorreram cinco mortes em Acajutiba, cidade não monitorada pelo IFC.

Em Salvador, dois suspeitos foram mortos por policiais militares após confronto no bairro de Nova Brasília, durante a Operação Alvorada, deflagrada na madrugada desta sexta. Segundo a Polícia Militar (PM-Ba) foram apreendidos um revólver calibre 38, com quatro munições usadas e uma intacta, uma pistola 9mm e uma mochila com porções de cocaína, maconha e uma balança de precisão.

A terceira morte registrada em Salvador na sexta ocorreu no bairro de Valéria, mesma localidade onde cinco pessoas morreram há 15 dias, entre eles o policial federal Lucas Caribé, que ganhou repercussão nacional. Policiais militares, civis e federais da Força Integrada de Combate ao Crime Organizado (FICCO) realizaram uma operação no bairro que terminou com um homem morto após confronto, um preso e apreensões de drogas, armas e celulares.

A vítima de Salinas das Margaridas chegou a ser socorrida para uma unidade de saúde após trocar tiros com policiais do 23° Batalhão de Polícia Militar (BPM), mas ele não resistiu aos ferimentos e morreu no hospital, segundo informações da guarnição. Os PMs faziam uma ronda quando se depararam com o suspeito armado.

Em Santo Amaro, quatro homens morreram durante uma operação policial no distrito de Acupe. Policiais militares foram até a Rua da Prainha para averiguar denúncia de que homens armados estavam vendendo drogas na região.

Segundo a Polícia Militar, as equipes surpreenderam o grupo e houve tiroteio. Quando o confronto cessou quatro homens estavam feridos. Eles foram socorridos para o Hospital Nossa Senhora Natividade, em Santo Amaro, mas não resistiram aos ferimentos e morreram. Os policiais aprenderam com eles armas, drogas e R$ 4 mil.

Em Itapetinga, o confronto foi entre policiais e um suspeito no distrito de Itajá. A Polícia Militar disse para a TV Santa Cruz que o homem era investigado por participar de uma tentativa de homicídio ocorrida na terça-feira (26), na cidade de Firmino Alves, no Sul da Bahia. A família dele negou o envolvimento com o crime e fez um protesto interditando a BA-262. O homem foi socorrido, mas chegou ao hospital sem vida.

Em Acajatiba, cinco suspeitos de tráfico de drogas foram mortos pela Polícia Militar durante a Operação Paz, ação que apreendeu seis armas de fogo, maconha, cocaína e crack na localidade conhecida como Estrada do Cumbe. Segundo a PM, as equipes faziam intensificação de policiamento quando foram acionadas com denúncia de que homens fortemente armados estavam escondidos em um abrigo improvisado em uma área de mata. Quando os policiais chegaram, o bando tentou fugir, mas houve tiroteio.

Anistia

A Anistia Internacional divulgou, na quarta-feira (27), nota pública criticando o governo da Bahia pelo número de mortes registradas no estado em confrontos com policiais. “A Anistia Internacional Brasil exige a ação contundente das autoridades em âmbito estadual e federal, para responsabilização de todos os envolvidos nas ações que levaram a essas mortes, incluindo cadeias de comando. Para isso devem ser instauradas investigações céleres, imparciais e efetivas, os agentes que tiveram participação direta devem ser afastados e as armas utilizadas acauteladas”, diz a nota.

Para a Anistia Internacional, o combate às drogas e ao crime organizado “não podem ser usados como justificativas para graves violações de direitos humanos por parte do Estado”. No dia 25, o governador Jerônimo Rodrigues reuniu-se com o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, em Brasília, para solicitar reforços. Dino garantiu a ampliação de recursos para compra de equipamentos e tecnologias, com o objetivo de fortalecer as operações conjuntas.

Operação acontece em alguns pontos, incluindo Águas Claras
Operação  no bairro de  Águas Claras Crédito: Marina Silva/CORREIO

Especialistas

O CORREIO procurou especialistas em segurança pública para comentar o levantamento do IFC. “Os dados dão o tom dos números de guerra que estamos enfrentando, são quase três mortos por dia. O modelo de segurança pública calcada na ‘guerra às drogas’ faliu. Parte das instituições reconhecem a falência, inclusive o Ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, disse que o contexto da segurança na Bahia ‘é um dos maiores desafios da segurança pública no Brasil’”, disse Wagner Moreira, do Instituto IDEAS.

O coronel Antônio Jorge, coordenador do curso de Direito do Centro Universitário Estácio FIB da Bahia, disse que “nós já ultrapassamos, assim como aconteceu no Rio de Janeiro, os limites de ações meramente policiais”. “Estamos numa guerra não declarada contra essas facções criminosas, que por sua vez, brigam entre si pelo domínio dos territórios. Qual a alternativa que resta ao sistema de segurança públicas? Assistir os confrontos entre o crime organizado ou intervir? Na maioria dessas operações, a polícia foi acionada em função de tiroteios. E quando os policiais chegam nessas localidades, os membros dessas organizações não hesitam em confrontar e emboscar os agentes de segurança”, declarou.

De acordo com o Departamento de Comunicação Social (DCS) da Polícia Militar, foram cinco policiais militares mortos neste ano – quatro estavam de folga. No ano passado, 12 PMs perderam a vida (um de serviço, oito de folga e três na reserva).

Operações

A maior parte dos casos registrados neste mês foi em decorrência de operações policiais de combate ao tráfico. No Alto das Pombas, 10 suspeitos foram mortos em confronto com a Polícia Militar entre os dias 4 e 5 de setembro. Antes disso, na localidade, houve confronto entre as facções do Bonde do Maluco (BDM), que tem atuação na área, e o Comando Vermelho (CV), grupo rival que tenta invadir a lugar e tomar a região. A polícia precisou reforçar a ação no local, sobretudo depois que moradores foram feitos reféns. Oito pessoas foram presas.

No dia 15, o bairro de Valéria foi palco de uma megaoperação das policiais Civil e Federal deram início à Operação Fauda, que resultou na morte do policial federal Lucas Caribé Monteiro, 42 anos, e de quatro homens suspeitos de fazerem parte de um grupo criminoso. O CORREIO mostrou que o bairro tem um histórico antigo de disputa de facções por possuir localização que facilita a atuação da criminalidade.

Operação Fauda foi deflagrada em Valéria nesta sexta-feira (15)
Operação Fauda foi deflagrada em Valéria no dia 15 Crédito: Alberto Maraux/SSP

No dia 22, a Polícia Civil iniciou a Operação Saigon, em Águas Claras. Pelo menos seis pessoas morreram e 15 foram presas. Uma dessas mortes ocorreu em um conjunto de apartamentos na Rua Presidente Médici, onde moradores afirmam ter acontecido 'uma execução' por parte de agentes da polícia, que arrombaram residências e renderam um jovem identificado como Lucas, que estaria entre os alvos da operação que, no dia, cumpria mandados de prisão e busca e apreensão contra um grupo investigado por tráfico e mais de 30 homicídios.

"Eles chegaram no prédio, invadiram o apartamento do segundo andar onde meu genro estava e levaram para o terceiro. No apartamento 303, onde minha mãe mora, arrombaram a porta, quebraram tudo e deram vários tiros depois que botaram todo mundo para fora e ficaram com ele lá dentro", afirmou o sogro do jovem no dia ao CORREIO. Ele disse ainda que o rapaz nunca teve passagem pela polícia ou envolvimento com o crime e que não houve resistência quando os policiais chegaram nos apartamentos do conjunto no Bloco 22. De acordo com ele, enquanto estava fora do apartamento, foi possível ouvir oito disparos vindos do local. A operaço foi conduzida pelo Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) e contou também com a participação e apoio da Polícia Federal.

Nesta quarta-feira (27), dois homens foram mortos pela polícia na região de Vila Praiana, em Lauro de Freitas, Região Metropolitana de Salvador. Segundo a Polícia Civil, equipes do Departamento Especializado de Investigações Criminais (Deic) e da Coordenação de Operações e Recursos Especiais (Core) faziam buscas na região para localizar suspeitos de tráfico de drogas quando foram recebidas a tiros. Houve revide e dois dos suspeitos foram baleados.

Posicionamento

Sobre os números do IFC, a Polícia Civil informou que “não comenta dados coletados por outras instituições”. O CORREIO também pediu um posicionamento à Polícia Militar da Bahia (PM/BA) e à Secretaria de Segurança Pública da Bahia (SSP/BA), mas até o momento não houve resposta.