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Sete anos após desabamento, Centro de Convenções segue em abandono e sem comprador

Terreno de 153 mil m² já teve leilão autorizado, foi alvo de penhora e é produto 'difícil de vender'

  • Foto do(a) author(a) Maysa Polcri
  • Foto do(a) author(a) Wendel de Novais
  • Maysa Polcri

  • Wendel de Novais

Publicado em 23 de setembro de 2023 às 16:00

Governo do Esatdo chegou a anunciar leilão e Alba autorizou a venda, que nunca ocorreu
Governo do Esatdo chegou a anunciar leilão e Alba autorizou a venda, que nunca ocorreu Crédito: Arisson Marinho/CORREIO

Chovia forte em Salvador naquela sexta-feira de setembro de 2016. Pouco antes das 21 horas, moradores do Stiep e da Boca do Rio ouviram um forte estrondo. Muitos foram até a janela em busca da origem do barulho. Naquele momento, parte da estrutura do Centro de Convenções da Bahia (CCB) desabou, ferindo três pessoas. Há quem diga que o número 7 simboliza mudança, porém, o ciclo iniciado há exatos sete anos, segue sem conclusão. O CCB continua fechado e com uma estrutura ainda mais danificada.

"Do jeito que caiu, ficou", fala a dona de casa Marianice dos Santos, 47, nascida e criada no Stiep. Ela viu de perto a história do local que abrigou diversos eventos nacionais e internacionais, como o 12º Congresso da Organização das Nações Unidas (ONU), em 2010. Marianice também presencia às margens do CCB, onde mora, o processo de degradação do prédio feito de concreto e metal, além do esvaziamento das ruas que viviam movimentadas, seja pelos visitantes que participação dos eventos sediados ali ou quem trabalhava com venda de bebidas e comidas na área.

"Aqui ficou deserto porque, antigamente, tinha a movimentação de visitantes e também o povo que vinha vender aqui, colocando isopor e barraca. [...] Depois que fechou, acabou tudo isso. Se não tem visitante, não tem como o povo trabalhar. Era movimentado o tempo todo, sempre estava acontecendo algo. Hoje, fica bem parado", conta a dona de casa. A situação de esvaziamento citada por Marianice provoca assaltos, depredações e até invasões ao Centro de Convenções.

Pelo menos, é isso o que garantem coletivos de moradores da região, incluindo a Associação dos Moradores e Amigos do Costa Azul (AMOCA), Associação de Moradores de Armação (AMAR), Associação dos Moradores do Jardim Atalaia - Stiep (AMJA) e Associação de Moradores Arnaldo Lopes da Silva - Stiep (AMALS). No próximo sábado (23), inclusive, os associados vão realizar uma manifestação no local, promovendo um 'Abraçaço pela Paz', que reivindica soluções para os problemas do local.

CCB continua sofrendo com a ação do tempo e descaso
CCB continua sofrendo com a ação do tempo e descaso Crédito: Arisson Marinho/CORREIO

Mazdh Sena, 74, tem comércio na região há 32 anos e destaca que a área só sofre porque criminosos de fora fazem assaltos por ali. "Minha esposa foi assaltada ali no ponto de ônibus, mas quando foram atrás e conseguiram prender, viram que os caras eram lá do Curuzu. Aqui é um lugar bom de se viver, tranquilo no geral. É que, por ser menos movimentada essa área com o Centro fechado, acaba tendo esses ataques", relata ele, que espera ver o CCB ou outro empreendimento abrindo as portas no local em breve.

Para quem acompanhou os bastidores da degradação do Centro de Convenções, a sensação que fica, sete anos depois, é que o Governo do Estado foi negligente nos cuidados com o equipamento. O engenheiro e arquiteto Abel Travassos trabalhou entre 2007 e 2015 no CCB, até ser demitido em um passaralho que atingiu outros colegas.

Segundo ele, o Estado estava ciente da necessidade da série de reformas que precisavam ser feitas no local, mas não agiu. Enquanto isso, quem trabalhava no local realizou melhorias superficiais durante oito anos. “Em um ano nós fizemos uma recuperação por causa de um evento. Colocamos ar condicionado, sistema de telefone, consertamos elevador e escadas. Mas nada significativo foi reparado”, afirma Abel Travassos.

O arquiteto acredita que o problema tenha sido político. “Um político, no Brasil, quando entra para tomar conta de uma coisa, destrói do que o outro deixou”, critica. Abel começou a trabalhar no CCB no ano de início do mandato de Jaques Wagner (PT), depois que o governador Paulo Souto deixou o cargo. Em 2015, o Centro de Convenções foi fechado por não ter projeto de combate a incêndio e pânico.

Sem sair do lugar

Na noite em que parte da estrutura do CCB desabou, três pessoas ficaram feridas. Dois anos depois, em 2017, o laudo do Departamento de Polícia Técnica (DPT) apontou que o desabamento foi causado por excesso de oxidação da estrutura e por falta de manutenção. O CCB ocupava uma área de 153 mil metros quadrados (m²), com 57 mil m² de área construída e capacidade de 400 quilos por m². Foi projetado pelo engenheiro Carlos Emílio Meneses Strauch e trazia referência à Bahia em esculturas e pinturas de autoria do artista plástico Bel Borba na frente do prédio.

Em dezembro de 2021, a Assembleia Legislativa da Bahia (Alba) aprovou uma autorização para o leilão do equipamento, através de um projeto de lei com pedido de autorização para venda de bens do Estado, dentre os quais o terreno do antigo Centro de Convenções estava inserido. A promessa de leilão do CCB pelo Estado existia desde 2016. No entanto, o terreno chegou a entrar em processo de penhora pela Justiça para quitar uma dívida milionária com mais de 160 ex-funcionários da Bahiatursa. O órgão foi substituído pela Superintendência de Fomento ao Turismo do Estado da Bahia (Sufotur), na gestão do atual governador Jerônimo Rodrigues (PT).

Parte dos ex-funcionários da extinta Bahiatursa receberam os valores devidos
Parte dos ex-funcionários da extinta Bahiatursa receberam os valores devidos Crédito: Arisson Marinho/CORREIO

Em 2020, a dívida, que existe porque o estado não cumpriu, de 1990 a 2008, o Plano de Cargos e Salários dos 160 funcionários citados, já ultrapassava mais de R$ 49 milhões. A decisão da Alba foi contestada justamente por conta da ação trabalhista, que culminou na penhora do terreno como garantia. Um problema dos grandes que se une a pequenos casos, como as invasões descritas por moradores que relatam criminosos roubando fios, aparelhos de ar-condicionado e tudo de valor que existe dentro do CCB.

A reportagem procurou a gestão estadual através da Secretaria de Comunicação (Secom) para entender a situação do terreno neste momento. No entanto, até o fechamento desta reportagem, não houve resposta. Dentro das questões enviadas à gestão, estão as perguntas sobre o estado - ou não - de penhora do local, a possibilidade de conversão do espaço em um empreendimento diferente e os impactos gerados pela ausência do CCB para o setor de negócios e turismo.

Turismo de eventos perde com a inutilização do espaço

É o turismo, inclusive, um dos setores que mais derrapou com a saída de cena do Centro de Convenções em 2015. De acordo com Silvio Pessoa, presidente da Federação de Turismo da Bahia (Fetur-Ba), eram as atividades no CCB que sustentavam o setor fora da alta estação. De acordo com ele, fora das festas do verão e do Carnaval de Salvador, os eventos e congressos impulsionavam a hotelaria, os restaurantes e as empresas que trabalham com turismo de modo geral.

"O que se viu sem o CCB foi uma ocupação despencando. E o golpe foi duro, visto que o turista de eventos e congresso gasta duas e até três vezes mais do que um turista comum. Isso porque, normalmente, são executivos mais bem remunerados, que gastam mais e até têm eventos que incluem passeios, jantares e outras atividades que geram renda para os mais diversos agentes de turismo do estado", destaca ele.

A Associação Brasileira da Indústria de Hotéis na Bahia (ABIH-BA) foi procurada para falar sobre os prejuízos e a diferença dos níveis de ocupação na baixa estação sem eventos do Centro de Convenções. No entanto, não respondeu até o fechamento desta reportagem. Para que se tenha ideia do impacto, o CCB já recebeu a Conferência de Intelectuais da África e da Diáspora (II CIAD), evento promovido pela União Africana (UA) em 2006 e que trouxe uma diversidade de turistas para a capital.

Em janeiro de 2020, o Centro de Convenções de Salvador foiinaugurado
Em janeiro de 2020, o Centro de Convenções de Salvador foiinaugurado Crédito: Arisson Marinho/CORREIO

Silvio Pessoa pontua que a situação só melhorou quando o Centro de Convenções de Salvador - o municipal - foi inaugurado em janeiro de 2020. "Se não fosse a inauguração e operação do Centro de Convenções de Salvador, a situação seria pior e estaríamos perdidos. É claro que o centro municipal veio suprir uma demanda reprimida. Porém, a gente vê outros estados bem à frente. Tivemos a promessa de um CCB no Comércio, na Paralela e, até então, isso não foi resolvido", reclama o presidente.

Demanda

A reclamação dele é ainda mais presente para quem faz parte do setor de eventos. Adriano Malvar, presidente da Associação dos Profissionais de Eventos (APE), diz que, mesmo com a presença do Centro de Convenções de Salvador, ainda existe uma lacuna que precisa ser preenchida para que o setor volte a caminhar bem. Apenas um equipamento não é suficiente para suprir toda a demanda existente, segundo ele.

A procura pela realização de eventos em Salvador é significativa, prova disso é que, em setembro, o CCS não tem mais vagas para abrigar eventos até o ano que vem. Só no ano passado, o Centro de Convenções de Salvador foi palco de 86 eventos, por onde passaram mais de 125 mil pessoas

"O Centro de Convenções ajuda, mas em mercado que só tem uma opção, fica difícil o poder de negociação. Gera emprego, mas nos moldes dele. Há também uma outra dificuldade que é a escassez de datas. Enfim, Salvador precisa urgente de um ou mais centro de convenções para feiras e negócios", destaca.

Ele destaca ainda que a ausência do CCB acertou a cidade em cheio e que Salvador, que sempre esteve no roteiro de eventos científicos, negócios e feiras, ficou longe do mapa dessas atividades e acabou sendo 'riscada do mapa' chegando a ponto de as empresas fecharem. Malvar destaca que atividades do setor também deixaram de existir durante o período.

"Cargos acabaram direta e indiretamente, pois tínhamos recepcionistas, promoters, produtores, coordenadores, guias turísticos, músicos, artistas, eletricistas, carpintaria, técnicos de sonorização e iluminação, transporte. Até o setor gráfico, passando pela própria economia da cidade, com hotéis e restaurantes", cita.

Bruno Portela é diretor de operações da Zum Brazil Eventos, que trabalha também na Bahia. Ele corrobora com a afirmação de que o CCB fez uma falta muito grande ao setor desde que foi fechado. "O Centro tinha uma importância grande pelo tamanho dos eventos que atraía e também por ser um dos poucos espaços desse porte no Norte e Nordeste. Com o fechamento dele, a gente teve um hiato e perdemos demais", destaca.

Ele pontua que existem equipamentos mais modernos e com outras configurações, mas lembra que Centro de Convenções era um espaço ainda versátil, que servia para eventos de auditório e de pavilhão como as feiras. Porém, essa versatilidade deixou de ser fundamental para captar eventos antes mesmo do desabamento de 2016.

"Já havia perdas na época que tínhamos uma deterioração do espaço. Então, eventos deixaram de acontecer porque não reuníamos condições básicas para receber. Foi um processo lento de desaceleração até a parada total que trouxe um impacto muito forte. Basta lembrar que os eventos são planejados muitas vezes com um ou dois anos de antecedência", lembra ele.

Demolição é a melhor opção para o espaço, mas entraves atrapalham

A multiplicação de danos na estrutura do Centro de Convenções na Bahia (CCB) ao longo desses sete anos não deixa outra opção plausível a não ser a demolição. É o que defende André Tavares, presidente do Instituto Brasileito de Avaliações e Perícias de Engenharia da Bahia (Ibape-BA) e conselheiro do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia da Bahia (Crea-BA).

“O ideal seria demolir as construções que ocupam o terreno por conta da alta degradação. A estrutura é mista, formada por concreto e metais, e aquela região possui uma alta salinidade, principalmente na Boca do Rio e no Stiep”, afirma. Apesar de a construção não ser instalada na orla, sofre com as avarias causadas pela ação oxidante.

A necessidade de demolição é um dos obstáculos que atrapalham a venda do terreno, uma vez que representa gasto para quem arrematar o espaço. Além disso, a dívida trabalhista de ex-funcionários da extinta Bahiatursa, que não foi completamente liquidada, engrossa o caldo do imbróglio. O advogado Gustavo Galvão, que representou 89 dos 160 ex-funcionários, contou à reportagem que todos seus clientes fecharam acordos e receberam os valores devidos.

O Tribunal Regional do Trabalho da 5º Região (TRT-BA) informou que o processo movido pelo Sindicato dos Empregados em Empresas de Turismo (SETS) tramita na 34º Vara do Trabalho de Salvador e “diversos” acordos foram celebrados, sendo alguns pagos por meio de precatórios. O tribunal não informou quantos ex-funcionários ainda não firmaram acordos. A Procuradoria Geral do Estado da Bahia (PGE-BA) também foi questionada, mas não se manifestou sobre o processo.

Mas as complicações não param por aí. “Outro limitador em relação a operação de compra e venda é que o terreno tem grandes proporções, o que reduz as opções do mercado comprador”, analisa André Tavares, presidente do Ibape-BA. Por se tratar de um empreendimento da administração pública, o terreno é classificado como zona de uso especial (ZUI), que possui critérios específicos sobre a ocupação do espaço. Enquanto as complicações não se resolvem , o equipamento continua sendo degradado e servindo de abrigo para criminosos.

Linha do tempo do Centro de Convenções da Bahia

1979: O Centro de Convenções da Bahia (CCB) é inaugurado e eleva a força turística da cidade, especialmente no setor de negócios

2005: O CCB ganha Prêmio Caio de melhor centro de convenções de grande porte do Nordeste e fica em segundo lugar no ranking nacional

Maio de 2015: A Secretaria de Urbanismo de Salvador interdita o espaço por razões de insegurança quanto a incêndio, pânico e manutenção predial

23 de setembro de 2016: Parte da estrutura do Centro de Convenções desaba. Três pessoas ficaram feridas.

27 de setembro de 2016: O Governo da Bahia anuncia a demolição do empreendimento

Novembro de 2016: O Tribunal Regional do Trabalho da 5º Região (TRT-BA) penhora o CCB e suspende obras no local para garantir a dívida de R$49 milhões em encargos trabalhistas

Abril de 2017: O TRT-BA suspende a demolição do Centro de Convenções por conta da dívida milionária

Novembro de 2017: Laudo do Departamento de Polícia Técnica (DPT) indica que a oxidação da estrutura e falta de manutenção foram as razões para o desabamento

Dezembro de 2019: O Governo do Estado anuncia o leilão do empreendimento

Janeiro de 2020: A Prefeitura de Salvador inaugura o Centro de Convenções de Salvador, na Boca do Rio, para suprir a demanda do turismo de negócio

Dezembro de 2021: A Assembleia Legislativa da Bahia (ALBA) autoriza a venda do CCB, além dos terrenos do Departamento Estadual de Trânsito (Detran), do Terminal Rodoviário de Salvador e da antiga sede da Junta Médica do Estado da Bahia.