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Alexandre Lyrio
Publicado em 31 de dezembro de 2020 às 19:16
- Atualizado há 2 anos
Até o último dia do ano, 2020 mudou comportamentos, quebrou regras, derrubou tradições. Em pleno 31 de dezembro, o novo coronavírus obrigou que houvesse transformações em um ritual realizado desde meados do século 18, em Salvador. Pela quarta vez na história, a Festa da Boa Viagem - que envolve as devoções ao Bom Jesus dos Navegantes e a Nossa Senhora da Boa Viagem - iniciou suas comemorações sem mar, sem barco, sem a galeota Gratidão do Povo. Nesta sexta-feira, dia 01, da mesma forma, não haverá a bela procissão marítima que há mais de 200 anos embeleza com cores e fé a baía de Todos-os-Santos.
Nas outras três ocasiões, porém, foram tempestades que impediram as procissões que envolvem os festejos. Dessa vez, o temporal do novo vírus fez com que um carro do Corpo de Bombeiros tivesse que substituir a galeota que desde 1892, quando esta substituiu a galeota Imperial, faz o trajeto de ida e volta até a Basílica de Nossa Senhora da Conceição da Praia, no Comércio. No dia 31, tradicionalmente, a imagem de Nossa Senhora da Boa Viagem acompanha seu filho até a embarcação que o leva para passar a noite na Conceição, de onde retorna no dia seguinte, dia 01 de janeiro.
Nessa quinta-feira, 31, Nossa Senhora até acompanhou e embarcou Bom Jesus, mas no alto da viatura. "Eu só vi isso duas vezes na minha vida, entre as décadas de 80 e 90. A outra foi em 1934. Em todas elas as fortes chuvas impediram que a galeota fosse ao mar", conta Expedido Sacramento, 76 anos, 56 deles como integrante da devoção ao Bom Jesus. "Esse ano não tem galeota, mas tem gratidão. Agradecemos por estar com saúde e vivos. Por isso, organizamos tudo como manda o figurino. Bom Jesus merece!", disse Expedito, emocionado.
Antes de cumprir o primeiro trajeto, Bom Jesus dos Navegantes e Nossa Senhora da Boa Viagem acompanharam a pregação do arcebispo de Salvador e Primaz do Brasil, Dom Sérgio da Rocha, em uma missa com número restrito de fiéis e com protocolos de higiene e distanciamento.
"Vamos receber o amor de Deus, de Bom Jesus e de Nossa Senhora da Boa Viagem, na certeza de que eles estão nos acompanhando nesse novo ano", disse Dom Sérgio. Em seguida, diante de uma pequena aglomeração, palmas e uma tímida queima de fogos, o andor com Bom Jesus foi colocado primeiro sobre um guincho e de lá no caminhão dos bombeiros. "Vamos evitar tocar na imagem e se aglomerar", avisou ao microfone um integrante da devoção.
Da Boa Viagem até o Conceição, a imagem foi conduzida pela Avenida Luiz Tarquínio, Rua Barão de Cotegipe, Avenida Engenheiro Oscar Pontes, Avenida da França e fez breve parada no portão principal da Codeba para saudação aos portuários e à imagem de São Nicodemus). Seguiu pela Rua da Bélgica, Avenida Lafayete Coutinho e chegou ao destino. Dom Sérgio presidiu a missa antes da carreata com a imagem do Bom Jesus (Foto: Arisson Marinho/CORREIO) "Tivemos que mudar tudo para evitar aglomeração. Somente na galeota seriam 16 marinheiros juntos. Sem falar na quantidade de pessoas para carregar o andor, que pesa cerca de 300 kg. Não tinha condição de cumprir as regras sanitárias", lamentou Verônica Cecília Fernandes, presidente da devoção.
Com o tema central “O amor ao Bom Jesus dos Navegantes é a âncora que nos sustenta, o leme que nos conduz e a esperança que nos encoraja”, a abertura dos festejos aconteceu no dia 27 de dezembro. De 28 a 30 de dezembro houve o chamado tríduo preparatório. O número permitido, por celebração foi de 100 pessoas dentro do templo. Para quem é do grupo de risco toda a programação fou acompanhada ao vivo pelas redes sociais.
Marinheiros Na manhã desta sexta-feira, primeiro dia do ano, que seria o ponto alto da festa, mais uma carreata vai levar Bom Jesus de volta para casa. A carreata, que da mesma forma terá como "embarcação" principal a viatura dos Bombeiros, será precedida por uma missa, às 8h, tambémcelebrada por Dom Sérgio. Em seguida, como manda a tradição, será a vez da imagem de Nossa Senhora da Conceição da Praia entregar seu filho nos braços dos marinheiros, dessa vez sem aglomeração ao redor do andor, para que ele seja levado até o embarque de retormo.
Um desses marinheiros, Clóvis dos Santos, 63 anos, é remador da galeota desde os 18. Além de tudo, é vice comandante da embarcação e o fogueteiro que anuncia a chegada na volta à Boa Viagem, quando milhares de pessoas costumam aguardar o desembarque do Bom Jesus. "Sou o primeiro a descer da galeota e acender os fogos. Amanhã é fazer tudo como manda a tradição. Vou me vestir de gala, colocar meu chapéu de marinheiro e tudo o mais. Só não vou remar. Mas o carro dos bombeiros será a nossa embarcação", disse Clóvis
O trajeto da popular procissão marítima, quando centenas de embarcações seguem a galeota, vai tentar respeitar ao máximo o percurso tradicional. Como normalmente a embarcação singra os marés da baía até a altura do Porto da Barra antes de voltar para a Boa Viagem, o caminhão dos bombeiros também passará pela Barra.
"Tivemos que remodelar toda a festa, mas o importante é a fé. Que Bom Jesus e os bons mares levem para bem longe essa pandemia", disse ao microfone do carro de som a presidenta da devoção.