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Maysa Polcri
Publicado em 7 de fevereiro de 2025 às 09:23
Servidores ligados ao Ministério da Cultura denunciam a falta de funcionários técnicos e a escassez de recursos no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) na Bahia. Para eles, a falta de itens básicos, como combustível e computadores, atrapalha a conservação de bens tombados. Um manifesto foi publicado dois dias após o desabamento de parte do teto da Igreja de São Francisco de Assis, no Pelourinho. >
Um funcionária de carreira do Iphan na Bahia contou, sob condição de anonimato, que apenas dez servidores técnicos são responsáveis por mais de 9 mil bens tombados no estado. O órgão foi procurado, mas não se manifestou sobre as denúncias até esta publicação. >
“A tragédia que aconteceu no Pelourinho não é uma exceção. O Iphan está à beira da extinção, vivendo em condições precárias. Falta combustível para realizar as vistorias, e os funcionários trabalham de seus próprios computadores”, denuncia. A situação, segundo ela, se repete em outros estados brasileiros. >
Na quinta-feira (6), o Fórum das Associações dos Servidores de Cultura publicou um manifesto contra o sucateamento do órgão. A autarquia federal é responsável pela preservação de equipamentos tombados, como o templo religioso em Salvador. >
“O orçamento das entidades vinculadas ao MinC [Ministério da Cultura], como é o caso do Iphan, precisa de mais recursos e estabilidade de repasse para cumprir o seu papel constitucional”, pontua o manifesto (veja a íntegra abaixo). Para eles, o desabamento, em Salvador, é consequência do sucateamento do órgão. A Polícia Federal não descarta a hipótese de homicídio na morte da turista Giulia Panchoni Righetto, que foi atingida pelos escombros. >
Os servidores ainda rebatem as declarações do presidente Lula. Em entrevista concedida a rádios da Bahia, Lula criticou a falta de recursos para a conservação de bens. “Eu tenho uma bronca desse negócio de tombamento. Porque em São Paulo, no Rio, em Brasília, você tomba as coisas, mas é preciso colocar dinheiro para manter”, falou. >
O manifesto rebate. “Lamentamos também que nosso dirigente máximo desconheça as demandas relacionadas à ampliação de orçamento e quadro de pessoal que nós servidores temos apresentado há anos para poder cumprir com os deveres do Estado na preservação do patrimônio cultural nacional, garantidos na Constituição de 1988”, diz a carta. >
Os servidores ainda defendem que o Iphan é apenas um dos agentes envolvidos na proteção do patrimônio e que cabe ao proprietário privado garantir sua conservação. Uma vistoria seria realizada por técnicos do Iphan na Igreja de São Francisco de Assis, em Salvador, na quinta-feira (6) - um dia antes do desabamento de parte do templo. >
A vistoria foi marcada depois que o frade Pedro Júnior Freitas da Silva, guardião e diretor do templo, alertou o órgão sobre dilatações no teto. No documento, o religioso solicitou a visita para verificar o problema identificado no local e enviou uma imagem mostrando o estado do forro.>
Para a funcionária do Iphan que conversou com a reportagem, a igreja deveria ter impedido a visitação no templo e ter acionado a Defesa Civil assim que notou o problema no teto. “A igreja não deveria ter ficado aberta até que a vistoria técnica fosse realizada”, avalia. Os religiosos, no entanto, afirmam que não sabiam da gravidade do problema. >
Em setembro de 2021, o Iphan foi condenado a realizar obras de recuperação, conservação e manutenção da Igreja e Convento de São Francisco, no Centro Histórico de Salvador. A autarquia federal se tornou ré de ação após a Comunidade Franciscana da Bahia, dona do imóvel, alegar não ter recursos para realizar obras emergenciais.>
A decisão, a qual o CORREIO teve acesso, aponta que perícia realizada em 2018 apontou problemas no "pavimento superior, na clausura, no depósito, na biblioteca, no elevador, na varanda superior do imóvel, nas peças e madeiras e elétrica com fiação aparente, na cobertura, na varanda do pavimento superior, na rede pluvial, na fachada e na estrutura do imóvel".>
O desabamento aconteceu entre 14h30 e 15h, deixando uma pessoa morta e outras cinco feridas. A igreja era aberta para visitação e interesse de muitos turistas. A entrada custa R$ 10. Segundo guias que estavam no local, no momento do acidente, houve um estrondo que assustou quem passava pela região. >
Ao todo, seis pessoas foram feridas. Uma delas, a turista paulista Giulia Panchoni Righetto, de 26 anos, morreu no local. A informação inicial é a de que Giulia estava na igreja com três amigos e foi um deles que acabou reconhecendo o corpo da vítima.>
"Nós, servidores da Cultura, nos solidarizamos com a família da vítima da queda do teto da Igreja de São Francisco, no dia 05 de fevereiro de 2025, em Salvador/BA, e com as outras pessoas feridas, e lamentamos profundamente os danos àquele valioso bem cultural. >
A responsabilidade pela conservação do imóvel tombado, por lei, é primariamente de seu proprietário, neste caso um ente privado. Em casos de risco de desabamento o órgão a ser acionado é a Defesa Civil. >
Desta forma, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), autarquia do Ministério da Cultura, é apenas um de uma rede de agentes que devem responder pela proteção do patrimônio cultural brasileiro, conforme a Constituição Federal de 1988, e sua capacidade de atuação, como pretendemos demonstrar, tem sido muito limitada. >
Em relação ao papel desse órgão neste episódio, lamentamos a incompreensão demonstrada na fala do Presidente da República, em sua entrevista à imprensa sobre o ocorrido, sobre o funcionamento da legislação de tombamento de bens culturais, bem como sua crítica infundada sobre a demora dos processos de preservação do patrimônio. >
Lamentamos também que nosso dirigente máximo desconheça as demandas relacionadas à ampliação de orçamento e quadro de pessoal que nós servidores temos apresentado há anos para poder cumprir com os deveres do Estado na preservação do patrimônio cultural nacional, garantidos na Constituição de 1988. Esta fala infelizmente alimenta os ataques que vem sofrendo o Iphan desde o funesto acidente. >
Seria injusto, portanto, imputar responsabilidades a uma categoria de trabalhadores por equívocos de gestões que vêm há anos desmontando o setor da Cultura. Tentamos superar todas as limitações impostas, mas somos poucos para salvaguardar e preservar o patrimônio cultural de todo o Brasil. Somos poucos, e seremos cada vez menos, resultado de uma política de pessoal equivocada, que não reconhece a imensa tarefa da reconstrução cultural após o desmonte sofrido no governo anterior. >
A categoria dos servidores da Cultura há 20 anos vem defendendo a cultura e os valores democráticos, lutando arduamente pelo fortalecimento do sistema Minc. Sempre que fomos chamados à luta pela defesa da democracia e garantia de direitos, estávamos a postos. Vários são os episódios que comprovam isso, como foi a restituição ao próprio Palácio do Planalto de sua altivez, após a destruição do patrimônio em janeiro de 2023. >
Entretanto, esse governo tem falhado conosco, não dando as condições devidas para que possamos cumprir nosso papel institucional. Somos cada vez menos servidores, realizando nossas tarefas com recursos cada vez mais escassos e sem a devida estrutura. Esperamos há mais de duas décadas a implementação do Plano de Carreira da Cultura, prometido pelo presidente Lula ainda em sua primeira gestão presidencial. >
Os servidores vinculados ao Plano Especial de Cargos da Cultura (Lei 12.233/2005) têm a sua força de trabalho cada vez mais reduzida, pois o Ministério da Gestão e Inovação desrespeita os acordos e não efetiva a carreira para o setor, o que tem gerado evasão e ampliado as distorções, mantendo disparidades e privilégios no âmbito do serviço público. >
O MinC vai fazer 40 anos, sem uma carreira estruturada e sem perspectiva de fortalecimento institucional para o cumprimento de sua missão. Sem uma carreira atrativa para reter os servidores que têm os conhecimentos específicos de políticas públicas da cultura, não há possibilidade da manutenção de uma política de Estado para a Cultura à altura da riqueza, da diversidade e do tamanho do país. >
Além disso, nitidamente o orçamento das entidades vinculadas ao MinC, como é o caso do IPHAN, precisa de mais recursos e estabilidade de repasse para cumprir o seu papel constitucional. O aumento de recursos das Leis Paulo Gustavo e Aldir Blanc e do Incentivo Fiscal para o setor beneficia de maneira importante a sociedade civil, mas não houve, em paralelo, uma ampliação do orçamento dessas entidades federais. >
Os órgãos continuam sucateados, e sem a atenção devida. Essa tragédia é mais um sintoma do estrangulamento da política cultural e dos órgãos responsáveis. >
Fórum das Associações dos Servidores de Cultura". >