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Millena Marques
Publicado em 6 de janeiro de 2025 às 03:00
Aos 70 anos, Everaldo Ferreira Santos é um dos líderes da tradição do Terno de Reis na cidade de Seabra, na Chapada Diamantina. O chefe do Terno de Coleta começou a sair pelas ruas da cidade como reiseiro aos 12, herdando o legado que foi passado de geração em geração. A manifestação popular começou no dia 25 de dezembro e é encerrada nesta segunda-feira (6), com o Dia de Reis. Os reiseiros percorrem milhares de casas por 12 dias seguidos, levando apresentações musicais e orações para a vizinhança.
“Coleta era minha mãe. Ela que fazia também o Reis, aprendi com ela, depois, na verdade, eu aprendi com meu pai. Meu pai faleceu. Ela tomou conta. Os homens eram para sair, mas tudo para resolver era ela”, diz Everaldo, que é conhecido como Bilosca. Segundo ele, a mãe aprendeu com a administrar o reisado com o sogro e a tradição faz parte da família há cerca de 100 anos.
"E a gente bota aí 80 anos, né? Mas tem mais, porque quando eu era criança eu não lembro. De meu pai para cá certeza que tem 80 anos e com meu avô soma mais tempo ainda”, conta. O terno conduzido por Bilosca reúne os 23 irmãos da família, sobrinhos e cunhados. Eles percorrem os povoados do Campestre, Lagoa, Churé, Mata da Onça, Prata, Caldeirão, Rua Vasco Filho, bairro União e Pedra Preta, que é Bairro Nossa Senhora das Graças, Tamburil e Tabuleiro.
"A gente tem prazer de seguir a nossa devoção, porque é cultura. É cultura. Só que aqui em Seabra, na verdade, não dão valor”, conta. Cada terno tem suas próprias tradições. Os homens que participam do Coleta não têm relações sexuais durante os 12 dias nas ruas e não consomem bebidas alcóolicas. A dinâmica é intensa e a caminhada, longa.
A organização é praticamente toda familiar. Bilosca é servidor público estadual, lotado no Departamento de Infraestrutura de Transportes da Bahia (Derba). Ele conta com as “esmolas” que são as contribuições e apoios. Juntam dinheiro o ano todo para a confecção das roupas. Sua irmã fica responsável pelas compras da festa do dia 6, que foram dois porcos, 12 quilos de carne de boi e 6 de frango.
No Terno de Reis do Ramin, do povoado da Lagoa da Boa Vista, o jardineiro Micael Gomes, 21, destaca-se por ser o mais jovem do grupo. Apesar da pouca idade, ele tem 17 anos de reisado. Começou aos 4, por influência do avô e do pai. “Com 6 anos, eu já saí fardado, junto com meu pai. Ali, eu recebi o acolhimento de todos”, conta. Segundo ele, depois que começou a sair, só houve um ano em que não percorreu com o terno: 2020, quando as atividades foram suspensas por causa da pandemia da Covid-19.
Uma das preocupações de Micael é a possibilidade da tradição ser extinta. A aposentadoria dos chefes dos Ternos é um problema que ameaça a manutenção da prática. Aos 83 anos, Domingos Ramos da Silva, o Ramin, pretende deixar a chefia d grupo.
“Se eu pudesse, seria o chefe e tocava para frente para não ver parar porque a tradição vai acabando com o passar dos anos. É difícil ver um jovem como eu parar 12 dias para percorrer a tradição. Para mim, não é só a fé, é encontrar os amigos, é fazer parte de uma família”, conta. Ele diz que, apesar de ter 17 anos de reisado, ainda não possui o conhecimento que os mais velhos têm.
O Terno de Reis de Ramin é um dos mais famosos na região. Micael conta que conseguem visitar cerca de 1500 casas e ficam, em média, 30 minutos em cada residência. Os povoados atendidos são Laje, Ouvidor, Curral do Campo, Vale do Paraíso e Capão, comunidades vizinhas da Lagoa da Boa Vista.