Receba por email.
Cadastre-se e receba grátis as principais notícias do Correio.
Larissa Almeida
Publicado em 29 de setembro de 2023 às 05:20
Marcelo Santana e Anderson de Sousa Santana, os dois policiais militares que morreram na noite da última quarta-feira (27), no bairro do IAPI, após um deles confundir o colega com um assaltante, foram enterrados no final da tarde desta quinta-feira (28), no Cemitério Bosque da Paz. Centenas de pessoas, entre familiares, amigos, colegas de farda e vizinhos, compareceram ao local para a despedida. Separados por quatro salas durante o velório, os dois PMs compartilhavam, em vida, a mesma dedicação à caridade e amor ao ofício.
Marcelo Santana, que estava em serviço quando foi atingido, tinha 42 anos e era soldado lotado na inteligência do Batalhão Gêmeos, que atua no combate a roubos em transporte público. Morador do bairro de São Marcos, ele fazia ações sociais para ajudar jovens e era mestre de karatê. Segundo afirmam os familiares, em outubro, já havia sido confirmada uma ação social coordenada por ele para o Dia das Crianças.
Conhecido pelo sobrenome Santana, Marcelo era casado com Girlene Santana e pai de quatro filhos. Fruto do casamento, os dois tiveram um casal, e ganharam, anos depois, duas filhas que foram acolhidas e adotadas por ambos após a morte da mãe – prima da esposa de Marcelo. Natural de Tucano, a 267 km de Salvador, o policial morou por anos em Euclides da Cunha, no norte do estado, até trazer toda a família para a capital.
A carreira militar de Marcelo começou em 2008, embora sua trajetória para se tornar um soldado tenha começado muito antes. Prima de Girlene, a aposentada Luciene Cerqueira, 65, conta que Marcelo sempre teve o sonho de ser policial. “Ele estudou muito, perdia noites em busca do que queria. Era a vontade dele ser policial, com todo orgulho. Quando passou, ficou muito feliz e abraçou a profissão. Muita gente quer ser polícia porque acha bonito, mas na cabeça dele não era assim. Ele foi para defender e cuidar de todos”, diz.
Discreto, o policial evitava até mesmo falar com familiares e conhecidos quando estava de farda para preservar a segurança deles. “Era um homem íntegro. Ninguém tinha nada de ruim para dizer dele, porque ele era muito protetor. Às vezes, as pessoas usam a farda para se promover, mas ele, quando nos via na rua, só piscava. Isso era para que bandidos não soubessem quem éramos e não mexessem com a gente. Ele era desse nível. Ajudava a todos a ponto de me pararem na rua para dizer ‘Marcelo me defendeu’ e, até o último momento, ele lutou pela segurança de todos nós”, completa Luciene.
Marcelo chegou a ser socorrido para o Hospital Geral do Estado (HGE), onde passou por cirurgia, mas não resistiu aos ferimentos.
Anderson de Sousa Santana, que estava fora de serviço quando avistou Marcelo e acreditou que ele fosse assaltar o suspeito, era soldado do Batalhão de Guarda da Polícia Militar. Morador do bairro do IAPI, ele também fazia trabalhos sociais em comunidades, ao lado do vereador de Salvador, Sandro Bahiense.
Na sua rotina fora do trabalho, era comum ajudar os moradores do IAPI na regulação e marcação de consultas, assim como auxiliar jovens e adolescentes a fugirem da criminalidade por meio do esporte. Tal como Marcelo, ele já estava planejando uma nova ação para o Dia das Crianças.
Apelidado carinhosamente de Sinho, Anderson era definido como um homem ligado à família. Além de iniciativas de solidariedade, a família afirma que o que ele gostava de fazer era trabalhar como policial. “Ele sempre estava no bairro, onde nasceu e se criou, fazendo solidariedade. Ele também gostava de ser policial e morreu sendo um”, ressaltou o vigilante de prenome Valtécio, 40, primo do PM.
A carreira do soldado começou em 2009 na Polícia Militar, quando ingressou na Cavalaria. Depois, foi transferido para a 47ª Companhia Independente da PM, radicada em Pau da Lima. Anderson era casado e tinha uma filha que, curiosamente, se chama Marcela – mesmo nome do outro PM morto e de seu filho, Marcelo Jr.
Segundo a PM, Anderson chegou a ser levado ao Ernesto Simões Filho, mas não resistiu e morreu.
A multidão em frente às salas 1 e 5 de velório do Bosque da Paz começou a se dispersar para formar uma fila rumo ao sepultamento dos PMs. O primeiro enterro foi de Marcelo Santana, às 16h30. Por volta das 17h, Anderson de Souza Santana foi sepultado e homenageado com fogos de artifício durante um minuto. Ao final, os aplausos marcaram o último adeus.
Emocionado, Marcelo Jr., filho do soldado Marcelo Santana, preferiu não falar com a imprensa e justificou que estava muito abalado. Já Girlene, esposa do falecido, foi todo o tempo amparada pelos familiares.
Madrinha do casamento dos dois, há 28 anos, a pedagoga Elisângela da Silva, 48, preferiu não acompanhar o sepultamento até o final. Ela relembrou o momento que soube da morte do amigo e o último contato que tiveram. “Eu recebi essa notícia pela manhã, na hora de ir para o trabalho. Quando eu vi a foto, eu disse ‘não, não pode’. Ele era um homem, pai e amigo maravilhoso. Tínhamos dito para nos encontrarmos, porque o tempo e o trabalho estavam nos distanciando. Infelizmente, nós estamos em uma sociedade muito violenta e aconteceu essa tragédia [antes do reencontro]”, relatou.
Já em frente à sala 5, onde Anderson de Sousa Santana foi velado, o aposentado Agenor Portela, 72, tio do PM, afirmou estar sentindo a dor de um pai. “Ele era como se fosse um filho para mim. Era um homem família e muito solidário. Ele me contava tudo, eu até contribuí na formação dele. É uma perda irreparável”, resumiu.
*Com orientação da subeditora Fernanda Varela