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Millena Marques
Publicado em 23 de janeiro de 2025 às 02:00
Osvaldo*, 51 anos, nasceu em um berço de ouro no interior baiano. Sempre teve tudo o que queria. Talvez isso explique o fato de gastar, em média, R$ 80 mil por mês em compras pessoais e para amigos. Em casa, são três closets preenchidos de incontáveis camisas, mais de três mil gravatas e 400 tênis de marcas e grifes, como Nike e Lacoste. Psicólogos e analistas o diagnosticaram como colecionador. No entanto, em alguns casos, o diagnóstico é outro – e bem perigoso. Trata-se da oniomania, um transtorno de personalidade e mental, classificado dentro dos transtornos do impulso. >
De acordo com a psicóloga Tânia Porto, o ato de comprar se torna um problema quando deixa de ser uma escolha e passa a ser algo que a pessoa tem que fazer repetidas vezes. “Não é da ordem do desejo, mas da compulsão”, aponta. Ainda segundo ela, a compulsão pelas compras age nas pessoas tal qual a necessidade por drogas e jogos. “De certa forma, o sujeito passa a ser controlado pelo objeto”, explica. >
Os sintomas estão relacionados à vida moderna, avalia a psicóloga: “São sintomas bastante afinados com a nossa época, em que impera o discurso capitalista, que nos leva a acreditar que quanto mais consumimos mais felizes somos. Ou pior, que toda falta pode ser preenchida com um objeto”. >
Como a necessidade não é preenchida com o objeto comprado, a psicóloga explica que as pessoas com essa compulsão costumam sentir vergonha após as compras e passam a esconder o que foi consumido. “O mal-estar se segue à euforia das compras, ansiedade, irritabilidade, frustração, culpa, angústia. É preciso que a pessoa encare o problema e busque tratamento”, afirma. >
Vergonha e irritabilidade não fazem parte da realidade de Osvaldo, o que pode ter contribuído para um diagnóstico distinto da compulsão. “Nasci embalado em um bom berço. Então, isso favorece, e eu não me considero uma pessoa compulsiva, mas me satisfaço comprando”, diz. O sentimento após as compras é exclusivamente de felicidade, segundo ele. “Compro absolutamente tudo, roupa, sapato, gravata, carro, moto, tudo. Me motiva. Eu gosto de rapazes, sabe? Mas, melhor do que rapazes é comprar, gastar, adoro”, conta, aos risos. >
De acordo com o psiquiatra Antônio Freire, coordenador do Componente em Saúde Mental e Autocuidado da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública (EBMSP), há uma dificuldade dos pacientes de resistirem às compras compulsivas, mesmo sabendo que não há condições financeiras. “Isso acaba tendo impactos negativos em relacionamentos, endividamentos e coisas do tipo”, aponta. >
Os últimos dados da Serasa são de novembro de 2024. Nesse período, foram contabilizados mais de 4,6 milhões de inadimplentes na Bahia, o que representa 40,91% da população adulta do estado. Desse total, as dívidas com bancos e cartões representam 31,43%. >
O transtorno, segundo Freire, pode ser desencadeado pela pressão social. “Pode estar relacionada com as redes sociais, onde as pessoas apresentam o tempo inteiro uma vida muito glamourosa, uma vida cheia de pompa, com publicidades, comparações com outras pessoas, compras online”, afirma. >
A oniomania pode ser um sintoma dentro de um contexto de transtornos psiquiátricos mais graves, segundo o médico psiquiatra. A compulsão por compras pode estar relacionada a um transtorno de ansiedade e as compras são utilizadas para um conforto emocional. Nesse caso, comprar diminui o estado de tensão, criando a sensação momentânea de controle ou bem-estar. >
Pacientes deprimidos e com transtorno de humor bipolar também utilizam as compras como válvula de escape. “Além de outros transtornos psiquiátricos, transtornos de personalidade. É importante que seja feita uma avaliação muito minuciosa e que não se minimize nem se banalize o diagnóstico”, pontua Antônio Freire. >
O tratamento, portanto, é aplicado conforme o diagnóstico específico de cada paciente. “Se é um comportamento influenciado por questões externas, por questões relacionadas à subjetividade, a psicoterapia pode ajudar o paciente. Se há diagnóstico psiquiátrico ou associado, há a possibilidade de tratamentos farmacológicos”, explica Freire. Estratégias de educação financeira também ajudam no planejamento dos gastos, além de uma alimentação saudável e de uma rotina de exercícios físicos. >
*Nome fictício >