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Ruído de informação entre PRF e PM teria motivado ação que acabou na morte de subtenente

Julgamento dos agentes que invadiram pousada em Itajuípe começou nesta terça-feira (18)

  • Foto do(a) author(a) Wendel de Novais
  • Wendel de Novais

Publicado em 18 de julho de 2023 às 18:38

Testemunhas de acusação foram ouvidas nesta terça-feira Crédito: Arisson Marinho/CORREIO

O julgamento de 13 policiais militares envolvidos na ação desastrosa que terminou na morte do subtenente Alberto Alves dos Santos, 51 anos, em Itajuípe, começou nesta terça-feira (18), com o depoimento de uma testemunha da Polícia Rodoviária Federal (PRF). Um agente, identificado apenas como França, explicou como um ruído de comunicação entre a PRF e os PMs teria direcionado os acusados para a Pousada Itajuípe, onde tudo ocorreu.

No dia 27 de setembro de 2022, a Secretaria de Segurança Pública (SSP-BA) informou que os PMs buscavam o criminoso André Márcio Jesus. Conhecido como Buiú, ele havia deixado o Complexo Penitenciário de Lauro de Freitas no mesmo dia, às 13h30, enquanto estava com benefício de saída temporária, usando tornozeleira eletrônica. Por volta das 14h30, Buiú rompeu a tornozeleira, quando estava na BR-324, perto de Candeias.

Nesse horário, os veículos do subtenente Alves e do sargento D'Almeida - outra vítima do caso - passaram pelo local onde o criminoso se livrou da tornozoleira, o que colocou os veículos como possíveis meios de fuga. "O fato do Duster e do Renegade terem passado pelo local onde ele rompeu a tornozeleira no mesmo horário foi um critério para que se considerasse a possibilidade dele estar em um desses veículos", disse França.

Em depoimento, o agente afirmou ter recebido a indicação dos veículos como suspeitos pelo setor de inteligência da PRF já durante a noite daquele dia. A partir dessa informação e da suspeita de que Buiú estava a caminho de Porto Seguro, os policiais militares foram comunicados da possibilidade de o criminoso estar com comparsas na região, circulando nos carros indicados pelo setor de inteligência.

O agente, porém, ressaltou que as informações cedidas pela PRF eram "possibilidades a serem apuradas" e não afirmações concretas da ligação entre os veículos e Buiú. A defesa dos policiais, no entanto, usou prints da comunicação entre as duas forças de polícia para sustentar que as indicações foram transmitidas como afirmações e, por isso, a ação foi conduzida daquela maneira.

O subtenente Alves fazia parte da equipe de segurança do então candidato ACM Neto (União Brasil) e estava em Itajuípe para um evento de campanha que aconteceria no dia seguinte em Coaraci.

'Invasão deliberada'

O Ministério Público (MP), através da equipe de acusação, reforçou, no entanto, que a invasão deliberada, arrombamento dos quartos e os disparos feitos pelos policiais não estaria sob condições legais nem se os indivíduos na pousada fossem, de fato, os criminosos procurados.

França foi o primeiro das oito testemunhas de acusação que seriam ouvidas ao longo desta terça-feira. Entre elas, estão ainda o sargento D'Almeida, um outro PM que estava na pousada e um funcionários do local. Ao fim desta audiência, a defesa terá cinco dias para apresentar o rol de testemunhas que vão ser intimadas pela Vara de Auditoria Militar, no Bonfim, onde ocorre a audiência.

A promotoria do MP-BA prevê que o julgamento dure, ao menos, mais quatro dias devido à quantidade de testemunhas e réus (13) que vão ser sabatinados perante o juiz. A marcação da próxima audiência vai depender do tempo que a Vara vai precisar para a intimação das testemunhas.

Denúncia do MP

O primeiro dia de audiência serviu também para a leitura na íntegra da acusação feita pelo MP-BA contra os policiais. Nela, a promotoria afirmou que os acusados se dividiram em três células táticas na pousada para ir até os quartos do subtenente Alves, do sargento D'Almeida e do Capitão David, outro PM que estava na pousada no dia da apuração.

Quatro dos policiais foram indiciados por invadir o quarto de David à força, rendê-lo de maneira agressiva e tê-lo constrangido no chão. Outros cinco, identificados apenas como Josicley, Igor, Saimon, Marcos Vinícius e Jamily, são réus por terem matado o subtenente Alves. Entre eles, Josicley e Igor são apontados como responsáveis pelos tiros dados contra a vítima, enquanto Saimon, Marcos Vinícius e Jamily deram apoio tático.

O laudo médico anexado à denúncia indicou que Alves foi atingido por tiros a distância e também a curta distância quando estava em posição de defesa e não de ataque, o que sugere uma execução da vítima quando ela estava no chão. Em perícia, foi constatado que os disparos de arma de fogo aconteceram apenas de fora para dentro do apartamento, o que refuta a possibilidade de reação de Alves.

Os policiais identificados como Everton, Dilton Mário, José Benevuto e Leonardo foram apontados como responsáveis por arrombar e invadir o quarto onde estava o sargento D'Almeida, que foi atingido por cinco tiros na ação, mas sobreviveu.

Segundo o MP, os responsáveis pelos tiros foram Everton e Dilton Mário, que também atingiram colegas do grupo tático anterior [Jamily e Saimon]. O grupo é réu por tentativa de homicídio, já que além de ferir o sargento D'Almeida, demorou 32 minutos e 40 segundos para oferecer socorro e encaminhá-lo a um hospital.

Auditoria militar

Por conta da denúncia, Fabiane Almeida, advogada criminalista e presidente da subseção de Direito Militar de Camaçari, explica que a pena de alguns dos policiais pode chegar a 30 anos. "Nesse caso, eles respondem por crimes contra a vida. No Código Penal Militar, eles respondem no Art. 205, que pode resultar em pena de 12 a 30 anos de reclusão, com as qualificadoras por conta da morte do subtenente. Isso sem contar a tentativa de homicídio", diz.

Especialista em julgamentos do tipo, ela destaca que, apesar de serem enquadrados no Código Penal Militar, a pena se concretiza também na esfera cível. "A condenação na esfera militar também faz trânsito em julgado no cível. Se houve a condenação no militar, essa decisão pode ser usada também para reparação como processo por danos morais, por exemplo", lembra a advogada.

Ela complementa também que, mesmo se o comandante, seja geral ou do batalhão, não deu a ordem para operação, o Estado pode ser alvo de inquérito, já que se trata de uma operação em seu nome.