Romaria movimenta R$ 1 milhão na economia de Bom Jesus da Lapa

Mais 700 mil pessoas passam pela cidade durante o novenário do padroeiro

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  • Millena Marques

Publicado em 4 de agosto de 2023 às 06:00

6º dia do novenário do Bom Jesus da Lapa
6º dia do novenário do Bom Jesus da Lapa Crédito: Uelder Negrão/Acervo do Santuário

Mais que um símbolo cultural e religioso de Bom Jesus da Lapa, a romaria em homenagem ao padroeiro do município aquece a economia local. A pequena cidade, conhecida como ‘a capital da fé’, recebe mais de 700 mil pessoas entre 28 de julho e 6 de agosto, anualmente, quase 11 vezes mais que a quantidade de habitantes, que não chega a 66 mil moradores. Hotéis, pousadas e rancharias atingem a capacidade máxima. Restaurantes e lanchonetes ficam sem mesas disponíveis. O resultado: a cidade movimenta mais de R$ 1 milhão em apenas 10 dias, de acordo com o secretário de Cultura e Turismo, Adson Silva.

Nilza Magalhães, administradora do Hotel Santana, conta que o lucro obtido nesses dias é, aproximadamente, 90% maior do que em meses do primeiro semestre. O prédio de três andares, com capacidade para 85 pessoas, não tem vagas disponíveis desde maio deste ano, quando todas as reservas foram feitas. "Se eu tivesse outro hotel, do mesmo tamanho, ele já estaria cheio", ressalta a assistente social, que assumiu o empreendimento da mãe, Ana Magalhães, em 2022.

A 200 metros do Santuário, o Santana cobra uma diária de R$ 70 de janeiro a junho. No início do ciclo de romarias, começo de julho, há um aumento de até 50% na tarifa, por influência da demanda, explica Nilza. "Minha mãe, por ser muito católica, nunca aceitou que fosse cobrado mais que isso. No entanto, existem locais que cobram 150% a mais do que o habitual."

Quem também viu as vagas sendo preenchidas meses antes do novenário foi Joaquim Oliveira Neto. Em abril, quase três meses antes das celebrações, os 66 apartamentos disponíveis do Hotel Imperial Pallace foram reservados. "O pessoal está se deslocando para outras cidades, porque não está achando vaga aqui", disse o proprietário. O CORREIO questionou a gestão municipal sobre a possível expansão da rede hoteleira, mas não havia recebido respostas até o fechamento da matéria.

Joaquim abriu o hotel há 30 anos, com apenas 20 apartamentos. Até abril de 2023, ele tinha 66 cômodos disponíveis, enquanto 14 estavam em construção. A procura é tão intensa que, no dia 10 de julho, quando recebeu a confirmação que os espaços ficariam prontos para o novenário, as reservas foram realizadas. "A ocupação é 100%, mas o telefone não para. Recebo, aproximadamente, 1 mil ligações por dia, em busca de apartamento", afirma.

Para Joaquim, o aumento na procura é de 100%, em comparação aos primeiros meses do ano, tanto que foi necessário contratar mais 10 funcionários, das áreas de recepção, limpeza e cozinha, para dar conta do movimento. No novenário, o proprietário trabalha com um pacote de hospedagem de R$ 2 mil por apartamento, entre os dias 2 e 7 de agosto. A reportagem solicitou os indíces de geração de emprego às Secretarias de Finanças e de Turismo, mas não obteve as informações.

Há também quem só trabalha no segundo semestre, período do ciclo de romarias de Bom Jesus da Lapa. Reinaldo José Lima e Nilda Cardoso deixaram o conforto da cidade de Aracaju, onde o bancário trabalhou por 12 anos, para cuidar da pousada da família, que funciona há mais de 60 anos. As reservas dos 10 quartos são feitas com um ano de antecedência: os fregueses já saem com a parceria firmada para o ano seguinte. Os 90% do faturamento são adquiridos entre julho e outubro.

Ao lado do estabelecimento, o casal também abriu uma lanchonete, responsável por fornecer salgados e bebidas. Em média, o casal vende 20 peças de salgados durante o período do novenário. No mês de menor fluxo, dezembro, as vendas são reduzidas em até 90%, de acordo com Reinaldo.

Segundo Ado Lucio Carvalho, proprietário do restaurante Pikiras, o lucro obtido durante o período de romaria é 300% maior em relação ao faturamento dos primeiros seis meses do anos. Durante o novenário, o estabelecimento vende 600 pratos por dia. Em março, mês de menor fluxo, o número é reduzido a 140.

Meca do Sertão

As peregrinações à caverna que foi transformada no santuário são antigas. Conta a história que o ponto inicial foi em 1691, quando o pintor português Francisco de Mendonça Mar, após ter sido açoitado injustamente por cobrar o pagamento de um trabalho feito no palácio do então governador-geral do Brasil, Antônio Luís Gonçalves da Câmara Coutinho, decidiu viver somente para Deus, em uma gruta, sem sinal de habitantes. Durante a caminhada, feita de Salvador até onde hoje é o atual templo, o português carregou duas imagens: uma do Bom Jesus e outra de Nossa Senhora da Soledade.

Após a chegada de Francisco, a gruta passou a ser um lugar de descanso para os viajantes e acolhimento aos mais pobres, principalmente depois de 1706, quando o português se tornou padre e capelão do local. Com o falecimento do sacerdote, em 1722, o santuário foi conduzido por diversas pessoas, até a chegada dos padres redentoristas, há mais de 60 anos. O município de Bom Jesus da Lapa só foi formado anos depois e só recebeu a emancipação em agosto de 1923.

Desde então, o local recebe romeiros de todo o Brasil, em busca de milagres, mas também em ação de graças, por livramentos atribuídos ao Bom Jesus. Ao longo do ano, mais de 2 milhões de visitantes passam pela cidade. No entanto, é no período do novenário do Bom Jesus que uma quantidade expressiva de fiéis desembarcam no município. "Chegam romeiros de diversos estados, para agradecer por graças recebidas", diz o secretário Adson.

Desde 2014, Sheiline de Almeida sai da cidade de Buerarema, a cerca de 630 quilômetros de Bom Jesus da Lapa, para participar da tradicional romaria. A devoção começou quando o filho dela, na época com quatro anos, foi diagnosticado com um câncer no olho. "Viemos antes de operar. Vim, fiz a promessa e, graças ao meu Bom Jesus, meu filho foi curado", afirma Sheiline.

Edilson Xavier, 55, começou a devoção ainda menino, quando saía de Itabuna, no sul da Bahia, para vender confecções em Bom Jesus. Ao adentrar no santuário pela primeira vez, com 15 anos, no final de uma das romarias, ele ficou encantado. "Nos toca, não tem como falar outra coisa. Ficar sem vir é difícil", diz o itabunense, que atribui a cura de um sobrinho, que sofria convulsões, ao Bom Jesus.

O historiador Rafael Dantas conta que, desde a época da colônia, a região onde fica o santuário já era uma área de referência religiosa. No entanto, o contorno arquitetônico estrutural ganha uma forma "mais impactante" no século XX, inclusive, com a famosa torre medieval. "Há uma relevância em pensar o turismo baiano para além das festas carnavalescas, mas lembrar que o turismo da Bahia é, antes de qualquer coisa, um fruto que pode ser investido da história, das festas religiosas e arquitetura de um lugar", pontua.

A reportagem tentou contato com o reitor do santuário, padre João Batista Alves do Nascimento, mas não obteve sucesso.

Programação dos próximos dias:

04 de agosto (8ª noite do novenário) e 05 de agosto (9ª noite do novenário)

  • 5h30: Ofício de Nossa Senhora na Esplanada;
  • 06h45: Santa Missa na Esplanada;
  • 07h às 11h30: Confissões;
  • 09h: Santa Missa na Gruta de N. Sra. da Soledade;
  • 10h30: Reunião com os coordenadores de Romarias no Auditório São João Paulo II;
  • 11h: Santa Missa na Gruta de N. Sra. da Soledade;
  • 11h: Batizados na Gruta da Ressurreição;
  • 15h: Terço da Misericórdia na Gruta de N. Sra. da Soledade;
  • 15h às 17h: Confissões;
  • 17h: Santa Missa na Gruta de N. Sra. da Soledade ou na Esplanada;
  • 19h: Novena Solene na Esplanada;
  • 20h: Animação com músicos do Santuário.

06 de agosto (Dia da festa)

  • 7h: Santa Missa Festiva;
  • 11h: Santa Missa;
  • 15h: Terço da Misericórdia;
  • 16h: Procissão saindo da Catedral para o Santuário;
  • 18h: Encerramento.

*Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro