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Raquel Brito
Publicado em 16 de maio de 2024 às 08:45
Com caixões de até R$30 mil, carros importados utilizados para transportá-los e homenagens feitas com hologramas, o mercado funerário tem apresentado inovações cada vez mais luxuosas. Esses são alguns dos produtos apresentados na Feira Funerária, que acontece pela primeira vez em Salvador até sexta-feira (17).
A pompa no momento da morte, porém, não é nenhuma novidade. É o que explica a historiadora Luciana Onety, doutoranda em História Social, coordenadora de licenciaturas no Centro Universitário Jorge Amado (Unijorge) e pesquisadora sobre arte fúnebre e cemiterial e representações da morte no ocidente cristão.
Segundo a especialista, é necessário que tenhamos em mente que os ritos fúnebres são dirigidos aos mortos, mas endereçados aos vivos. “Na verdade, os ritos fúnebres sempre foram formas de exposição do status social do indivíduo e da família. Durante a Idade Moderna, na Europa e nas suas possessões ultramarinas, reis e rainhas tinham exéquias (rituais fúnebres) extremamente suntuosas. Eu estudo há mais de 15 anos as exéquias de reis e rainhas de Portugal e algumas são surpreendentemente custosas”, diz.
Ela conta que esses eram rituais que duravam semanas e mobilizavam uma rede de artesãos especializados na construção de caixões vazios, velas, incensos, roupas e ornamentos que dignificavam o morto.
Era comum que pessoas ilustres como bispos, arcebispos, grandes comerciantes e pessoas ligadas à corte pagassem por missas, orações fúnebres proferidas por grande e caros oradores e sermões de encomendação da alma do defunto. Quanto mais importante, maior a despesa empregada nas exéquias.
“Tudo isso com o objetivo de exaltar o morto ilustre, de glorificar seu nome e de demonstrar respeito e submissão ao falecido. Vemos funerais caros desde Roma Antiga, no período dos imperadores. Durante a Idade Média também temos esse costume e na Idade Moderna é o apogeu da ritualização do espetáculo da morte”, afirma Onety.
Ela ressalta ainda que a Constituição Primeira do Arcebispado da Bahia, de 1707, proibia exéquias suntuosas para pessoas comuns. “Isso era um direito e um dever apenas para grandes personagens, como reis e rainhas. As Constituições tinham poder de lei entre a sociedade brasileira marcada pelo catolicismo”.
Para ela, esses rituais funerários são muito importantes para que seja possível compreender atitudes e representações diante da morte e os caixões de luxo são formas de homenagear os mortos amados, mas também de demonstrar poder econômico e distinção social.
“Considero que a morte não iguala ninguém. Mesmo na morte, verificamos a desigualdade social e econômica. O pobre não era e não é velado e enterrado como um rico. A distinção de classe permanece após a morte”, declara.
*Com orientação da subeditora Monique Lôbo.