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Fernanda Santana
Publicado em 10 de agosto de 2024 às 05:00
Numa manhã da primeira semana de agosto, Bom Jesus da Lapa, no oeste da Bahia, vira uma metrópole dos pagadores de promessa. O protagonista é o morro de pedras, que reserva grutas transformadas em santuários para os romeiros que lotam o município. Há, no entanto, preocupações com essa gente toda.
No fim de maio, o Ministério Público da Bahia (MP-BA) recebeu um relatório, produzido a partir de imagens, que mostrou “alto risco” de queda de pedras da formação rochosa transformada em atração religiosa, o que pode provocar acidentes.
O documento elaborado pelo Serviço Geológico do Brasil, do Ministério de Minas e Energia, levou o órgão estadual a pedir que a Prefeitura de Bom Jesus e a Diocese entreguem, até o dia 27 de agosto, um plano de contingência e evacuação em casos de acidentes ou desastres naturais.
O risco de acidente, segundo o MP-BA, se agravou desde 2016, com o “aumento do número de residências no entorno das rochas e de pessoas”. “Foram apresentadas imagens, evidenciando pontos de deslocamento de rochas”, afirma o promotor José Franclin Andrade de Souza, do MP. Se o documento não for apresentado no prazo, há possibilidade de interdição da gruta.
A solicitação do plano foi feita pelo MP-BA no fim de julho, em uma audiência de urgência marcada com a Prefeitura e a Diocese. Diante do risco apresentado pelo documento do Serviço Geológico, o órgão solicitou medidas que reduzissem o risco de contratempos antes da maior das quatro romarias da cidade.
Entre 28 de julho e 6 de agosto, um milhão de pessoas lotam a cidade onde moram 65 mil habitantes, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A tradição tem 333 anos e é reconhecida como Patrimônio Imaterial do Estado da Bahia.
“A gestão limitou-se a informar que nenhuma medida de segurança havia sido adotada e que analisaria qual sugestão do Serviço Geológico iria executar”, afirma Souza.
Entre as medidas solicitadas pelo MP e já adotadas pela Diocese este ano, estavam a afixação de sete placas em locais estratégicos, “ressaltando à população que aquela região é considerada de alto risco”, capacidade máxima de três mil pessoas no interior da Gruta da Soledade - número que pode ser modificado até a definição do Corpo de Bombeiro - e o limite de 20 pessoas por vez na subida e descida Cruzeiro do Morro da Lapa, um dos points dos romeiros.
“Trata-se de trecho que merece especial atenção pois há risco do contato humano com pedras e rochas. Não havia controle por parte dos requeridos do quantitativo de pessoas”, afirma o promotor.
Em 2025, gestão municipal e Igreja devem implementar um sistema de controle em tempo real do número de pessoas no cruzeiro do Morro.
Tudo em Bom Jesus da Lapa gira em torno da religiosidade - não só o nome. Lojinhas vendem souvenirs católicos e as paredes das pousadas têm imagens cristãs. A ida de romeiros à cidade aumentou ao longo dos anos com a captação do seu potencial turístico. Hoje, a romaria local é a terceira maior do Brasil.
A Prefeitura de Bom Jesus da Lapa reforçou, por meio de nota, que a gruta do Bom Jesus é administrada pela Diocese da cidade, mas que está à disposição do MP e tem se mobilizado para “assegurar a segurança". A gestão destacou que a análise feita pelo Serviço Biológico é “preliminar” e diz buscar apoio do Governo Federal para um novo estudo.
“Mais aprofundado, que envolva uma análise e coleta do material para estudo laboratorial junto a um estudo do interior e a base rochosa”, explica a nota. De acordo com a Prefeitura, nunca houve acidentes na região.
Um novo estudo geológico, ainda segundo o Executivo municipal, também já foi encomendado à Secretaria de Meio Ambiente local, “com a finalidade de melhor monitorar as ações referentes às atividades turísticas e população vizinhas”.
Um dos pontos destacados pelo relatório é a necessidade de tirar as casas que estão encrostadas nas pedras. “Temos buscado recursos junto ao Governo do Estado para desapropriação desses imóveis e sua adequação para prevenir deslizamento”, afirma a gestão.
“As casas sempre estiveram lá, não houve crescimento na quantidade. Mas é claro que estão em torno do morro e podem correr risco”, questiona Padre Roque, que conhece o local há mais de 30 anos e está na terceira gestão do santuário. O pároco afirma que todos os romeiros que questionaram sobre as placas de aviso em grutas, passarelas e portal foram informados que se tratavam de um pedido feito pelo MP.
O plano de contingência definitivo solicitado pelo órgão, de acordo com o pároco, já começou a ser montado. Mas há perguntas em aberto, na avaliação dele, como as atribuições de cada órgão público. O Corpo de Bombeiros não atendeu à solicitação até o fechamento desta reportagem.
Para discutir o assunto, o padre afirma que a Diocese e a Prefeitura querem se reunir com o Ministério de Minas e Energia, que não atendeu às solicitações da reportagem. A próxima festa religiosa em Bom Jesus da Lapa acontece no dia 15 de setembro, dedicada a Nossa Senhora da Soledade.