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Gil Santos
Publicado em 6 de novembro de 2023 às 15:26
Quando a artista plástica Yêda Maria (1932-2016) produziu as telas Yemanjá, uma trilogia da década de 1970, ela já era uma profissional respeitada no Brasil e professora da Escola de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia (Ufba), mas o trabalho foi considerado primitivo e criticado nos Estados Unidos, onde fez pós-graduação. A mulher preta e soteropolitana foi reprimida porque o tema não era aceito na Universidade de Illinois.
Ironicamente, a mesma universidade viria alguns anos depois adquirir peças da artista com tema religioso para o acervo pessoal da instituição. Uma das obras que compõe a trilogia de Yemanjá está no Museu Nacional de Cultura Afro-Brasileira (Muncab), reinaugurado nesta segunda-feira (6), em Salvador. A diretora da instituição, Cíntia Maria, contou que a peça é uma representação da luta do povo negro.
“Essa obra foi negada por questões de racismo, e isso fez com que a preservação dela fosse símbolo da resistência e do enfrentamento ao racismo nas artes visuais. Temos muitas obras importantes, destacar uma é sempre um desafio, mas essa obra de Yêda Maria (também conhecida como Yêdamaria) é muito significativa. Temos uma riqueza grande de artistas”, disse.
No local, também poderão ser visitados trabalhos de Caribé e Pierre Verger. E o acervo vai aumentar, porque duas mulheres estadunidenses colecionadoras de arte se comprometeram a doar as obras brasileiras para o Muncab. São cerca de 500 peças, a maioria de artistas negros e nordestinos, como os soteropolitanos Zé Adário, Mestre Didi, Babalu e J. Cunha, trabalhos que estão há 40 anos fora do Brasil.
Atualmente, o museu tem cerca de 400 obras, mas a maioria não está aberta para visitação, porque o espaço foi cedido para abrigar a exposição Um Defeito de Cor, que está em turnê pelo Brasil. Ela é inspirada no livro de mesmo nome, da autora Ana Maria Gonçalves, que também assina a curadoria da exposição e que reuniu os trabalhos de cerca de 100 artistas da Bahia, Rio de Janeiro, Maranhão e do continente africano.
“A história voltou para casa. Eu morei em Salvador e em Itaparica durante o período de pesquisa e escrita do livro, então, estamos há mais de 20 anos com esse trabalho. É muito importante voltar, e voltar com essa exposição, com uma grande quantidade de artistas negros e cada um conversando com o livro a sua maneira”, afirmou.
Na prática, as produções contam a história do livro e a exposição foi dividida de acordo com cada capítulo da obra sobre a saga da protagonista Luiza Mahin da África para o Brasil. A exposição fica em cartaz até março, das 10h às 17h, de terça a domingo, e a entrada custa R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia), porém até do dia 12 o acesso será gratuito. Depois, ela segue para São Paulo. O livro também será tema do desfile da Escola de Samba da Portela, no carnaval no Rio de Janeiro, em 2024.
Estrutura
Além das galerias, o espaço tem café e ambiente para cursos e palestras. Ana Maria Gonçalves, por exemplo, vai comentar sobre o processo de produção do livro e da exposição em uma das rodas de conversa. A programação completa pode ser encontrada na página @muncab.oficial, no Instagram.
O prefeito Bruno Reis (União Brasil) fez a reinauguração oficial e afirmou que essa foi a primeira de três etapas. Um prédio que fica na frente do museu e outro que fica nos fundos serão adaptados e transformados em uma extensão do Muncab. Para isso, o acervo será ampliado. O investimento na reinauguração foi de R$ 15 milhões.
“Essa reabertura é sem sombra de dúvidas um fato histórico e marcante para a nossa cidade. Salvador precisava de um equipamento desta dimensão, que pudesse resgatar os nossos valores, valorizar a cultura do povo negro, ajudar a atrair visitantes e ser atrativo para nós soteropolitanos. A segunda etapa, será o prédio ao lado, que está em licitação, e a terceira, o prédio do fundo que também vamos ceder ao museu”, disse.
Ele afirmou que haverá projetos em parceria com as escolas públicas e privadas, e com universidades, para visitação. O gestor lembrou também que a reabertura do Muncab faz parte da agenda de eventos que está em andamento no Novembro Salvador Capital Afro (Novembro Negro).
Confira outras atrações abaixo:
• Seminário Nacional do Samba (dia 07) – Será a primeira edição do evento para tratar da importância do samba na cultura de Salvador e do Brasil;
• Candyall e Tal (10 e 11) – É um projeto com show, arte e cultura no Candeal;
• Afropunk (18 e 19) – Considerado o maior festival de cultura negra do mundo, teve a última edição em Nova York, na semana passada. Em Salvador, vai homenagear a cantora Acione, a Marrom;
• Caminhada da Liberdade (dia 20) – O evento é organizado pelo Fórum das Entidades Negras e é realizado há quase 20 anos;
• Festival Afrofuturismo (20 e 21) – Evento de inovação, diversidade e tecnologia promovido pelo Vale do Dendê;
• Festival de Cinema Fianb (de 21 a 25) – Será o primeiro Festival Internacional do Audiovisual Negro do Brasil, organizado pela Associação Nacional de Produtores Audiovisual Negros, e focado em cinema negro;
• Festival Salvador Capital Afro (de 22 a 24) – Fala de empreendedorismo, negócios e música. Será realizado no Centro Histórico, com a participação de artistas nigerianos;
• Expo Carnaval Brazil (de 24 a 26) – Uma exposição focada em cultura negra;
• Afro Fashion Day (dia 25) – Evento de moda realizado pelo CORREIO que reúne marcas baianas e modelos negros para celebrar a cultura afro;
• Dia Nacional da Baiana de Acarajé (25) – Será feita uma homenagem às baianas de acarajé;
• Desfile Mundo Negro (25) – Será um dia de Carnaval dos blocos afros. Parte dos grupos vai descer do Pelourinho e outra parte do Campo Grande, e vão fazer um grande encontro na Praça Castro Alves;
• Caminhada do Samba (dia 26) – A tradicional caminhada que acontece há muitos anos e que agora entra para o calendário fixo das celebrações pelo mês da Consciência Negra;
• Secream Festival (dia 30) – É um festival de inovação focado na criatividade de pessoas pretas;