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Bruno Wendel
Publicado em 11 de março de 2024 às 05:00
A tensão com o racha interno no Primeiro Comando da Capital (PCC) não ficou restrita aos presídios paulistanos. A ruptura na cúpula da maior organização criminosa do país, há pouco menos de um mês, já tem reflexos na Bahia. No Conjunto Penal de Feira de Santana, onde há 800 internos ligados à facção, por exemplo, a segurança foi reforçada. Já em Salvador, também na tentativa de evitar rebeliões, um detento considerado liderança da organização foi transferido às pressas para uma unidade federal de segurança máxima no dia 29 de fevereiro.
Ralfe dos Santos Almeida, o “Abençoado”, tido como o “sintonia”, ou seja, “braço direito” do PCC aqui na Bahia, estava no Conjunto Penal Masculino de Salvador quando foi enviado, sob sigilo, para a unidade federal. "Todo o sistema prisional (estadual e federal) do país está em alerta. A transferência foi uma forma de quebrar a cadeia de comando e evitar o pior”, declarou o vice-presidente da Federação Sindical Nacional dos Servidores Penitenciários e Policiais Penais (Fenaspen), Reivon Pimentel, que também é presidente do Sindicato dos Servidores da Polícia Penal do Estado da Bahia (Sinspeb).
O integrante do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público de São Paulo, promotor Lincoln Gakiya, disse que o racha já causou mortes. Segundo ele, a cisão aconteceu entre integrantes que compunham a ‘sintonia final’, portanto a cúpula, no caso Roberto Soriano, o Tiriça; o Abel Pacheco de Andrade, que é o Vida Loka; e o Vanderson do Nascimento, que vem a ser o Andinho. "Esses três se colocaram contra algumas atitudes do Marcola (Marco Willians Herbas Camacho, 56) e tiveram apoio de outros internos, que estão na penitenciária federal de Brasília. Do outro lado, o Marcola considerou traição, teria excluído e decretado (morte) desses membros. Esse ‘salve’ foi para as ruas, aqui em São Paulo. A princípio, a ordem de Marcola está valendo, já houve uma ou duas mortes na rua em decorrente disso”, conta.
Em nota, a Secretaria de Administração Penitenciária da Bahia (Seap) informou que “o Serviço de Inteligência se mantém em vigilância, antes, durante e depois das transferências de relevância, para avaliar toda e qualquer consequência decorrente da decisão”.
“A Seap informa que trabalha de forma preventiva a todo tempo para evitar qualquer movimentação contrária à ordem nas Unidades Prisionais, estando preparada para intervir ostensivamente a qualquer sinal de insubordinação dos apenados, independentemente das organizações criminosas”, diz nota enviada ao CORREIO. Em relação à transferência de Ralfe, a Seap disse que “foi uma decisão referente à Segurança Pública do Estado”. A reportagem procurou a SSPBA, mas não obteve retorno.
Questionada sobre quantas transferências já foram realizadas e quantas ainda serão feitas, a Seap informou que “informações sobre operações de transferência são estratégicas e não podem ser detalhadas para a imprensa, por razões de segurança”.
Tendo em vista o cenário, o Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ/BA) disse que, “o Judiciário confia nas ações preventivas da Seap e que, caso provocado formalmente, em alguma necessidade, atuará na forma de legislação".
O Ministério Público do Estado (MP/BA) informou que monitora a situação em torno do PCC, mas pondera. “O movimento de inquietação aqui na Bahia se deve ao processo de fiscalização dos procedimentos nas unidades prisionais, que gera insatisfação por parte dos presos, com suspensão de visitas, não uma coisa orquestrada. O PCC não tinha muito interesse na Bahia, desde que fosse o único atacadista. Mas em 2016, o PCC e o Comando Vermelho romperam um acordo e a o Brasil passou a ter as dois atacadistas, que disputam o território nacional e internacional de drogas”, declarou o promotor Edmundo Reis, da Vara de Execuções Penais.
Unidades prisionais
De acordo com a Fenaspen, os conjuntos penais de Itabuna (região Sul do estado) e de Teixeira de Freitas e Eunápolis (Extremo Sul) abrigam diversos internos do PCC, mas é em Feira de Santana, onde o clima de tensão é maior. “Lá, são 1.800 detentos, sendo que 800 estão numa área destina à facção. É natural essa preocupação, porque estamos falando da maior facção do Brasil e pode haver consequências dentro e fora das unidades prisionais do país. Por isso a segurança nos presídios foi reforçada, com vigilância perimetral, rondas contínuas de policiais penais, através do Geop (Grupo de Operações Prisionais)”, disse Reivon.
Em Salvador, outro contingente do PCC está no módulo V do Presídio Lemos Brito, situado no Complexo Penitenciário da Mata Escura, onde a atenção está sendo redobrada. “Estamos com a Operação Força Máxima, já que o Batalhão de Guardas da Polícia Militar abandonou as guaritas e passarelas, fragilizando a segurança. A intensão é impedir o acesso de criminosos no entrono para arremessar ilícitos nas unidades do complexo e coibir qualquer tentativa de fuga”, explicou Reivon. A reportagem procurou a Polícia Militar do estado (PM/BA) para saber se procede a denúncia sobre a ausências de PMs nas guaritas e passarelas Fenaspen, porém a mesma não se pronunciou.
O clima de aflição nos presídios no país teve início no dia 16 de fevereiro, quando veio à tona a confirmação de um conflito entre o Marcola, e três outros integrantes da cúpula do PCC – todos estão na Penitenciária Federal de Brasília. De acordo com o MP/SP os presos o Tiriça, Vida Loka, e Andinho, chamaram Marcola de delator e, além de excluí-lo do PCC, decretaram a morte dele.
Por conta disso, internos de unidades prisionais de Osasco, de Jundiaí e de Campinas, ligados a Tiriça, Vida Loka e Andinho, pediram aos advogados e defensores públicos suas transferências para presídio neutro na região de Presidente Prudente, pois temem uma carnificina. Procurada, a Defensoria Pública do Estado (DPE/BA) disse que “até o momento, as situações apontadas são desconhecidas pelos defensores (as) que atuam nas unidades prisionais”. “Vale salientar que a Defensoria Pública da Bahia tem defensores (as) em todas as unidades prisionais do estado e dialoga constantemente com a Seap e a SSP/BA”, diz nota.
Transferência
Ralfe atuava na região da Chapada Diamantina. Nascido em Itaetê, ele era responsável por comandar uma série de ataques aos rivais também nas cidades de Ibicoara, Mucugê, Andaraí, Nova Redenção, Boa Vista do Tupim e Iramaia. Mesmo no Conjunto Penal Masculino de Salvador, Ralfe conseguia comandar os ataques e homicídios, segundo apuração da Seap e da SSP/BA.
Em março de 2022, o criminoso ingressou no Conjunto Penal de Feira de Santana, por tráfico de drogas, onde depois foi enviado ao Complexo Penitenciário da Mata Escura e, posteriormente, transferido para um presídio federal – por questão de segurança, o nome da unidade não foi revelado e o procedimento foi realizado com o emprego das forças de segurança do estado.
As “sintonias” integram à cúpula do PCC e as principais células são as Sintonias dos Gravatas (advogados), o Setor Financeiro, a Sintonia Geral das Ruas, além da Geral dos Outros Estados e a Sintonia Geral do Sistema – seriam uma espécie de "setor de inteligência" com grande poder de decisão.
Possibilidade de conflito
O CORREIO procurou especialistas em segurança pública para avaliar os riscos para a Bahia. “Tudo vai depender dessas lideranças que romperam com Marcola. Eles podem gerar ajustes internos, inclusive com novos arranjos, e aí há a possibilidade, inclusive, de surgimento de uma outra facção criminosa, aí eles vão partir para uma guerra”, declarou o coronel Antônio Jorge, professor e coordenador do curso de Direito do Centro Universitário da Bahia – Estácio FIB.
O sociólogo Daniel Hirata, do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (Geni/UFF), diz que o clima de tensão é plausível. “Esse racha levaria a uma disputa interna entre as lideranças, que teria reflexos não só dentro do sistema prisional, como também nas ruas, uma vez que a ligação entre a organização do lado de dentro e do lado de fora das prisões é muito intensa. Estaríamos falando aí de mortes, possivelmente, de forma bastante intensa”, declarou.
Para a professora de Direito Penal e Processual e de Movimentos Sociais da Universidade Estado da Bahia (Uneb), Márcia Margarida Martins, mestre em segurança pública pela Universidade Federal da Bahia (Ufba) ainda não é possível fazer previsão dos efeitos. "Certamente que essa ruptura poderá trazer consequências para o estado, mas nada que venha a sugestionar uma celeuma para a sociedade, pois nossas forças de segurança estão alerta e bem-posicionadas", garantiu.
SSP/BA
O CORREIO procurou a Secretaria de Segurança Pública (SSP/BA), mas não houve resposta.